por Adriano Costa
“Cidade Selvagem – Vol. 1”, de Warren Ellis e Ben Templesmith (Mythos)
“Cidade Selvagem – Volume 1” (“Fell”, no original) é ambientada em uma zona urbana detestável que usa como acesso uma simbólica ponte. Nesta terra sem regras, a criminalidade e a falta de punição por parte da lei alcançam níveis estratosféricos. É nessa pequena parte do inferno que o Detetive Fell está inserido quando opta (por motivos silenciosos) em trabalhar na delegacia da região que possui apenas “três detetives e meio” disponíveis. Publicada originalmente pela Image Comics em nove edições entre setembro de 2005 e janeiro de 2008, a série ganha nova publicação nacional pela Mythos Books agora no início de 2015, com 164 páginas dispostas em uma bonita edição encadernada (como é costume da editora). Escrita por Warren Ellis (“Transmetropolitan”) e com arte de Ben Templesmith (“30 Dias de Noite”) temos uma história bem ao estilo do seu criador, com personagens que sempre deixam alguma coisa para ser descoberta e vivem na margem entre o certo e o errado sem se importar muito com isso. Acaba por funcionar bem ao contar com arcos fechados dentro de cada edição (como nos seriados criminais famosos da televisão) e também pela carga de humor negro embutida. Todavia, o grande destaque é a arte de Templesmith que surge riscada, escura, desfocada e com alguma referência a Frank Miller. Mesmo com o sentimento de não finalização, já que a edição número 10 ainda não foi lançada lá fora (das 16 previstas), “Cidade Selvagem – Volume 1” se configura em uma boa história de quadrinhos.
Nota: 7
“Batman: Noel”, de Lee Bermejo e Barbara Ciardo (Panini Comics)
O texto “Um Conto de Natal”, de Charles Dickens, já ganhou incontáveis adaptações desde 1843, seja na televisão, teatro, cinema ou literatura. A história do endurecido Scrooge que recebe a visita de três fantasmas (representando o passado, presente e futuro) que, entre outras coisas, analisam o caminho que a vida dele tomou, praticamente já tinha sido exaurida por completo, mas eis que, em 2011, o artista Lee Bermejo (da fenomenal “Coringa”, ao lado de Brian Azzarello) resolveu utilizar novamente essa narrativa, desta vez correlacionando-a com o Batman. Sim, o Batman. O resultado tinha tudo para ser um imenso lago de sentimentalismos e clichês, mas, para grata surpresa, as coisas não saíram tão banais assim. “Batman: Noel”, que a Panini Comics lançou por aqui no final de 2014 (com 112 páginas, papel couchê e capa dura), traz roteiro e arte de Lee Bermejo e cores de Barbara Ciardo e é uma história que merece estar no rol das melhores coisas feitas com o morcego nos últimos anos. Transformando Batman em Scrooge, o autor mostra um herói raivoso que há muito tempo deixou de lado a nobreza e entrou em uma caçada cega contra o mal, desvirtuando assim seus princípios e ações. Quando começa a perseguir um dos capangas do Coringa no Natal, ele recebe a visita dos três “fantasmas” – aqui travestidos de Robin, Mulher-Gato e Superman – e a jornada de redenção é construída. “Batman: Noel” apresenta uma arte rica e exuberante, além de um roteiro que usa a obviedade como força para edificar uma história com significados e emoções.
Nota: 9
“Kirby: Genesis”, de Alex Ross e Kurt Busiek (Mythos)
“Marvels” chegou às bancas em 1994 com roteiro de Kurt Busiek e arte de Alex Ross. A série foi um sucesso mostrando um alto nível de qualidade e perspectiva diferente do que se via na época, alavancando a carreira de ambos e até hoje ganhando republicações. A talentosa dupla se reuniu novamente para criar uma obra baseada em conceitos e personagens de Jack “King” Kirby, um dos maiores nomes dos quadrinhos de todos os tempos. “Kirby: Genesis” acumula esse trabalho compreendido originalmente entre as edições 0 a 8, que terminaram em 2011 nos EUA com a publicação da Dynamite. Além de Busiek e Ross, dois brasileiros fazem parte e dão importante contribuição ao trabalho: Jack Herbert na arte e Vinicius Andrade nas cores. No suntuoso encadernado lançado no Brasil pela Mythos Editora, com direito a diversos extras (esboços, textos, layouts e capas alternativas), o leitor é apresentado a uma clássica aventura de ficção científica, em que a Terra de repente recebe a visita de duas enigmáticas figuras pairando nos céus. Sabe-se depois que a culpa dessa visita é de uma sonda enviada ao espaço levando uma mensagem ostentando exatamente a imagem dos estranhos recém-surgidos. Somado a isso, outras aparições acontecem ao redor do globo e um intricado cenário se monta com interesses múltiplos, inclusive a salvação do planeta. “Kirby: Genesis” é uma esplêndida homenagem a um mestre, e tanto utiliza personagens já conhecidos (Capitão Vitória e Estrela Prateada) como cria algo novo a partir de ideias primárias e, mais importante, consegue exibir brilho próprio.
Nota: 9
– Adriano Mello Costa (siga @coisapop no Twitter) e assina o blog de cultura Coisa Pop
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