por Leonardo Vinhas
Com o coração no passado e a mente (e os instrumentos, o estúdio…) no presente, a banda The Broken Toys vem fazendo bons discos, shows ainda melhores e construindo uma reputação sólida não apenas em sua Argentina natal, mas também em outros países da América – sim, não só a parte latina do continente, já que tiveram uma passagem de sucesso pela Canadá, além de duas pelo Chile e outras duas pelo Brasil (em 2008 e 2011).
Mc Fly (voz, violão e guitarra), Ariel Vercesi (guitarra e vocais), Sebastián Delfino (baixo acústico e vocais), Sebastián Cudos (bateria), Ignácio Rotondaro (sax tenor e sax barítono) e Alejandro McHiuker (sax tenor e trompete) iniciarão em breve sua terceira turnê em solo brasileiro, dessa vez com oito cidades no roteiro: São Paulo, Marília, Araçatuba, Piracicaba, São José do Rio Preto, Londrina, Botucatu e Campinas (infos completas aqui). O disco que move a tour é “Sobre Tu Cadaver”, um álbum de 2013 no qual a base rockabilly recebe, mais que nunca, influência de outros gêneros, como country, surf music e swing, tudo passado por um filtro mais moderno que retrô.
É inegável que os Broken Toys se inspiram visual e sonoramente no rockabilly dos anos 1950 e no psychobilly do começo da década de 1980. Mas já em uma audição superficial se revela uma gama de influências que faz da música desses rosarinos mais que um simpático revival cantado em espanhol para sonorizar barbearias hipsters ou encontro de admiradores de carros antigos. O clima é o de uma Sin City, tal a do filme de Robert Rodríguez e Frank Miller, em estado de movimento permanente, com os momentos acelerados de violência e êxtase, e outros mais lentos e reflexivos.
Essa alternância de climas se apresenta bem produzida e resolvida no disco recente, mas vale também garimpar boas canções nos anteriores, “Noches & Pecados” (2005) e “Del Lado Equivocado” (2010). O vocalista McFly contou ao Scream & Yell porque “Sobre tu Cadaver” é diferente – e especialmente mais sombrio – que os anteriores, e aproveitamos para falar sobre a turnê brasileira, a inadequação a rótulos (mesmo estando inescapavelmente inseridos em uma cena) e outros bons temas.
O punk parece ser um referente constante para jovens artistas de rockabilly, folk e country, e com The Broken Toys não é diferente: anos atrás, vocês tinham uma banda punk, N.E.D.P., o baixista Seba vem da cena hardcore… Você acha que o punk fatalmente te leva às raízes primitivas do rock?
O punk é o regresso do rock aos seus primórdios, aos sons primitivos, esse impulso natural e selvagem que te leva a gritar uma canção, isso de poder tocar mesmo sem saber mais que um punhado de acordes, como Elvis ou como os Sex Pistols… Crescemos escutando punk rock e aprendemos a tocar nossos instrumentos tirando canções dos Ramones, pensando que não era necessário ser o Eddie Van Halen se pudesse tocar com atitude.
O grande diferencial da música do The Broken Toys é que ela é muito variada: existe a estética predominante, mas as canções podem ir do mais sexy ao mais sombrio, com muitas possibilidades entre um extremo e outro. Então imagino que, mesmo que tendam a rotulá-los como “rockabilly” e estando inseridos nessa cena, acredito que vocês têm uma visão mais ampla do que fazem, que não cabe apenas nesse rótulo, não?
Desde o momento em que montamos a banda, e também a cada vez que fazemos uma canção nova, vem a ideia de não nos fecharmos nunca a somente um estilo musical. Acreditamos que fazemos um crossover, e que as influencias pessoais “de fora” do rockabilly de cada integrante são as que fazem da nossa música o que ela é e a enriquece. Nunca pensamos em fazer rockabilly purista, sempre foi nossa intenção misturá-lo com tudo o que passa pela nossa frente. Viajamos muitíssimo, sempre juntos, e estamos sempre mostrando discos uns aos outros, escutando e dizendo: “ah, deveríamos fazer alguma coisa que soe assim”.
Vejo muitas matérias que se referem à banda como algo vintage, mas me parece que a estética vocês mistura o que se fez nos anos 50 com releituras mais contemporâneas, como os filmes de Quentin Tarantino e Robert Rodríguez, as produções da Third Man Records (selo de Jack White)… Dá para dizer que The Broken Toys estão mais focados em fazer algo moderno com referências antigas, ou o som do passado é algo que vocês realmente buscam?
Não existe definição melhor que essa. Buscamos justamente que essa referência vintage esteja presente em todo momento, mas que esteja “fresca”, que tenha muita atualidade. Amamos a estética e a música dos anos 50, porém não negamos que nascemos e crescemos 50 anos depois [disso tudo] e que nas cinco décadas que sucederam esse período também há coisas maravilhosas que foram gravadas, filmadas ou aconteceram, e nós gostamos delas e buscamos refletir isso em nosso som. Tarantino e Rodriguez encabeçam uma longa lista de diretores favoritos e suas trilhas sonoras são parte indispensável de nossas vidas. Sua influência é inegável.
Já que estamos neste tema: percebe-se a intenção de fazer uma música muito visual em vocês, do tipo que possibilitaria fazer um clipe pertinente para cada canção.
A única razão pela qual não existe um vídeo para cada canção é econômica. Temos muitíssimas ideias visuais sobre como poderia ser cada canção que fazemos e sempre falamos sobre elas, caso pudéssemos financiá-las. No começo, pensamos nisso para nosso último disco, “Sobre Tu Cadaver”, que é conceitual, mas realmente precisaríamos de um orçamento do qual não dispomos. O cinema é uma influência direta para nós, muitas letras estão inspiradas em histórias de filmes. O cinema é a única razão pela qual passaria duas horas da minha vida olhando fixamente para uma tela.
As letras de “Sobre Tu Cadaver” estão mais sombrias que as dos álbuns anteriores, assim como a arte de capa. O que os levou por esse caminho?
A vida mesmo nos levou por aí. Muitas vezes isso é a consequência de ser parte de uma banda de rock’n’roll, hahaha. Todos (os membros) passamos por diferentes situações difíceis em alguns momentos da criação deste disco e decidimos canalizar dessa forma. Ariel, o guitarrista, apareceu com a primeira canção, que se chamava “Sobre Tu Cadáver”, e em seguida entendemos que todo o disco deveria passar por aí, por esse conceito. A partir disso, todos começamos a escrever pensando nisso e utilizando nossas experiências negativas como fonte de inspiração. Gravamos 18 canções, mas escolhemos as 13 mais sombrias por termos decidido que se tratava de um disco conceitual do início ao fim. Tivemos a sorte do Gonzalo Duarte (quadrinista e colorista argentino) se interessar pelo disco, ele também estava passando por um momento difícil, e sua arte era o que faltava para que o conceito fechasse melhor. Estamos fascinados com seu trabalho e com o que ele fez para o disco.
O gênero rockabilly tem uma relação com excessos, com a noite… Você acha que é possível usar o gênero para tratar de outros temas? Vocês se interessariam em fazê-lo?
Ainda nessa semana estávamos falando desse assunto [entre nós]. Eu dizia aos caras que precisávamos fazer um disco novo urgentemente, gravar as novas canções e terminar todas as ideias que estão indo e vindo, e que o desafio seria justamente fazer letras diferentes, tratar de falar de coisas das quais o rockabilly não costuma falar. É impossível evitar de falar sobre os excessos, porém eu adoraria romper alguns esquemas e escrever sobre coisas que não são comuns neste estilo, um estilo que muitas vezes te prende em um clichê atrás do outro.
O rockabilly e suas variantes formam uma cena geralmente pequena, mas que é ao mesmo tempo muito ativa, com muito intercâmbio entre cidades, estados e até países diferentes. Para isso, não basta apenas ter vontade: é preciso viabilizar essa movimentação com condições logísticas e financeiras. Seria essa cena mais organizada que outras?
Não sei se é mais ou menos organizada, mas é, sim, muito ativa e cheia de gente que ama o rockabilly e se esforça para mantê-lo vivo, e com pessoas que são muito fanáticas pela música e que gosta de acompanhar as bandas sempre. Por isso, é possível que um artista possa se permitir fazer boas viagens e organizar bons shows em sua cidade com bandas que estão em turnê pela América do Sul. Sempre que pudemos organizamos shows e fazemos algo em nossa cidade. Dividimos shows com bandas amigas e também bandas das quais gostamos muito, já tivemos a sorte grande de tocar com pessoas que admiramos. Tratamos também de tocar com grupos de todas as cenas possíveis, de não ficarmos fechados apenas na nossa, e mostrar o que fazemos para todo aquele que quiser nos escutar.
Essa não é a primeira visita de vocês ao Brasil, mas é a que tem mais datas e cidades. Como é a relação de vocês com o público daqui?
Sempre que estivemos por aí, nos divertimos muitíssimo. Essa vai ser a turnê mais longa até agora, mas a anterior já tinha tido muitas cidades. O primeiro show vai ser o único que faremos em São Paulo, que é onde somos mais conhecidos. Em geral, sentimos que a receptividade é muito boa, e os shows foram ótimos. Esperamos que o público venha às nossas apresentações com muita vontade de dançar e de escutar o novo disco.
Pensam em variar o repertório a cada show? Afinal, são oito cidades…
Com certeza. Nunca conseguimos ficar quietos e fazer o mesmo toda vez, isso simplesmente não rola. É lógico que temos uma lista de canções que não podem faltar, porém não vamos com um set list estipulado, escolhemos e dispomos as canções de acordo com o que sentimos em cada show. Gosto de deixar isso meio ao acaso, inclusive tirando ou acrescentando canções de acordo com a reação do público.
Como anda a cena aí na Argentina?
Está ativa como sempre, às vezes um pouco melhor, outras nem tanto. Neste momento, está difícil tocar rock em geral em todo o país, exceto o caso dos grandes shows internacionais. Mas sempre acontecem shows de rockabilly, há algumas bandas que já somam anos e anos de carreira, os discos continuam saindo e dá para dizer que já existe ao menos uma banda do estilo em cada uma das maiores cidades daqui, o que permite que se fale de rockabilly por todos os lados e que possamos todos viajar para tocar, gerando um crescimento conjunto.
Depois de dez anos com a banda, quais são as expectativas para o futuro?
Como te disse, a primeira expectativa é a de gravar um novo disco, se possível lançando-o em vinil. Depois dessa turnê pelo Brasil, espero realmente poder organizar uma boa pelo México, que é uma grande pendência da banda. Espero poder completar outros 100 anos com The Broken Toys, indo a qualquer lugar do universo onde exista um palco em que possamos tocar.
– Leonardo Vinhas (@leovinhas) assina a seção Conexão Latina (aqui) no Scream & Yell.
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