por Leonardo Vinhas
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A rua é um espaço de muitas possibilidades e interpretações. Na boemia mais autocomiserativa de Charles Bukowski, nas crônicas de espírito leve de Rubem Braga, na observação cotidiana de Paul Auster, em teses de sociologia e urbanismo, e tantas outras premissas: já se usou muito papel e tinta de impressão para lembrar que a rua é onde a vida tende a acontecer com mais plenitude, pois leva a acolher diferenças, a respirar melhor (mesmo com o ar cheio de fuligem), a encontrar o que não se conhece. E não precisa ser muito idoso para se recordar de uma época onde a rua era espaço de brincadeiras, esportes e, claro, arte – principalmente em cidades de pequeno e médio porte.
Tendo isso, e também outras coisas, em mente, uma turma de artistas e produtores gaúchos criou um evento para levar a música às ruas e praças de Caxias do Sul e outras cidades da região serrana do Rio Grande do Sul. O Festival Brasileiro de Música de Rua foi idealizado pelas produtoras De Guerrilha e Varsóvia, e é realizado por ambas em parceria com o SESC-RS, com recursos captados via Lei de Incentivo e Cultura junto à prefeitura de Caxias do Sul e governo do Estado do Rio Grande do Sul. Em sua quarta edição, ocorrida entre os dias 17 e 26 de abril, trouxe pela primeira vez nomes do cenário latino-americano, diversificando a oferta musical, que já era ampla graças à participação de músicos de outros Estados.
A primeira metade do festival ocorre em sete cidades da Serra, notórias pela beleza natural, pela arquitetura tradicional e pela manutenção das raízes culturais dos colonos europeus. Então seria de esperar algum choque cultural pela presença dos neopsicodélicos pernambucanos do Tagore, pela combinação de ritmos latinos e eletrônica do duo Finlândia ou até pelo folk assumidamente “anglofilizado” do Spangled Shore. Mas o mundo, felizmente, não é mais o mesmo.
Dia 17 – Antônio Prado
O município de Antônio Prado, com cerca de 13 mil habitantes, é daqueles em que difícil é encontrar quem não saiba falar o dialeto vêneto, oriundo da Itália. A arquitetura local reflete a linguagem: a bela praça Garibaldi concentra a Igreja Matriz, a Prefeitura e os principais escritórios públicos em pequenos edifícios bem preservados, como se fosse uma vila italiana. Assim, não era de estranhar que, às 18h de uma sexta-feira, o caxiense Gabriel Balbinot, vulgo Spangled Shore, abrisse oficialmente o festival tendo uma plateia de poucos mais de 20 pessoas. Valendo-se de banjo, bandolim e uma percussão comandada pelos pés, tocou um set curto e empolgante, conquistando passantes desavisados e conseguindo adesão do público, com palmas e até tímidas dancinhas de uma ou outra espectadora.
A venezuelana Yoyo Borobia não usou bem a deixa: com problemas no som, ficou desconfortável e fez uma apresentação acidentada, falando muito entre uma canção e outra. O som de seu cuatro (instrumento típico de seu país natal) mais parecia o violãozinho sem graça da Clarice Falcão, e passou meio batido. Com o “palco” transferido para o centro da praça, Nicolás Molina, do Molina y Los Cósmicos, veio com os vocais cheios de efeito e com o violão algo abafado, deixando seu folk mais espacial do que em disco, o que funcionou especialmente bem na noite que já caíra, mesmo com o uruguaio mostrando uma timidez pouco comum a um músico em ascensão.
A essa altura, os antoniopradenses já estavam sentados no chão da praça, ou em cadeiras de praia, cuias de mate no colo. Veio então Tagore Suassuna (foto acima), acompanhado de João Cavalcanti no baixo e Caramuru Baumgartner na percussão e vocais. Desfalcado da guitarra, que não se entendeu com o sistema de som, pegou emprestado o violão de Molina e deixou a pedaleira de lado, comprovando, como que para não restar dúvidas, a enorme influência que Alceu Valença, Belchior, Ednardo e outros tiveram em sua formação. Performer endiabrado, levou a música do “Brasil brasileiro” ao “Brasil italiano”, com facilidade e alegria. O show termina, as pessoas vêm conversar com os músicos, e sorrisos aparecem tanto nos garotos que decidem tomar uma cerveja em frente à igreja ouvindo Black Sabbath, nas famílias que vão à pizzaria de algumas quadras à frente ou naqueles que retornam direto as próprias casas.
Dia 18 – Nova Petrópolis
O sábado de feriadão teve Spangled Shore em São Marcos às 11h da manhã e Cuscobayo, a grande aposta caxiense, em Vacaria às 18h, mas o movimento maior era em Nova Petrópolis, uma espécie de Gramado sem a exploração turística ostensiva. Na Praça das Flores (nome auto-explicativo), repetiria-se o line-up do dia anterior: o pernambucano Adiel Luna, escalado para vários dias do festival, simplesmente cancelara sua apresentação de última hora, e Tagore, que originalmente não tocaria aqui, foi reescalado em seu lugar.
Sorte dos neopetropolenses, que viram a versão trio da banda pernambucana ainda mais psicodélica que na apresentação anterior. Resolvidas as incompatibilidades eletrônicas, a guitarra deu o caminho para uma chapaceira guiada pelo baixo preciso e sinuoso de João Cavalcanti, pelos efeitos guitarrísticos do homem que dá nome à banda e pela percussão de Caramuru Baumgartner. O resultado fez efeito mesmo nas sinapses não adulteradas quimicamente: este repórter ocultou-se voluntariamente no labirinto vegetal da praça, aspirando o aroma da planta que serve de parede para o mesmo, ouvidos focados no som que saía das caixas… Acredite, foi das experiências que se leva para a vida.
Antes dos pernambucanos, os outros três artistas fizeram apresentações superiores às do dia anterior. Yoyo Borobia deixou sua voz assumir o protagonismo. Spangled Shore manteve o pique e encerrou seu show chamando Nico Molina (foto acima) ao palco, para uma versão conjunta de “En El Camino del Sol”, e o uruguaio prosseguiu, com mais confiança e carisma.
O público era maior do que na sexta, ainda que mais contido – “coisa de alemão”, na avaliação de uma porto-alegrense que havia viajado a Nova Petrópolis para assistir ao show. Talvez, já que foi impagável ver, antes de qualquer show, um típico “alemão da Serra” observar a passagem de som, se aproximar do filho adolescente e dizer, com forte sotaque: “não é sempre que vêm esses malucos pra aqui”. Após longo silêncio, completou: “É bom que venham”.
Bom mesmo.
Dia 19 – Flores da Cunha
O município de Flores da Cunha, o maior produtor de vinhos do Brasil, é outra das belas cidades italianas da Serra. Mas “tá parecendo Recife”, diz Tagore ao pôr do sol, ao ver o grande público que se achegou desde o primeiro show da tarde na Praça da bandeira. Gente participativa, food trucks (convidados pela organização do festival) de comida mexicana (Cartel Andante) e cerveja artesanal (Salvador Brew Kombi, com uma bela Witbier de fabricação própria e a impecável Melonhead APA, da Baldhead), algumas das gaúchas mais lindas que muitos olhos já viram, e sol e calor. Quer dizer, alguém até consegue reclamar, se quiser. Mas tem que ser algum com “pobrema” sério para procurar encrenca num dia tão bonito.
Os quatro que já haviam se apresentado até então atuaram à altura: Molina e Yoyo (foto acima) contaram com a participação do saxofonista caxiense João André, que improvisou e trouxe ares diferentes às composições dos estrangeiros (e ainda teve a seus pés seu cão Spock, que levou seu carisma para o palco). “Pequeñas Cosas”, do uruguaio, mudou até de sentido com o sax, e “Blues del Rechazo”, da venezuelana, ganhou corpo e sofisticação no novo arranjo, apesar de algumas trombadas no andamento. Gabriel Balbinot incorporou com galhardia o personagem Spangled Shore e Tagore fez outra grande apresentação, mesmo que com o baixo e os vocais de Caramuru Baumgartner em volume imperceptível.
Houve mais nomes agregados ao line-up: o violonista Valdir Verona e o acordeonista Rafael De Bonna trouxeram chamamés e milongas instrumentais reverentes à tradição, sim, mas arejadas o suficiente para sua tradição transparecer. E a banda caxiense Cuscobayo, com vocação para Onda Vaga (vide os vocais em uníssonos, a predominância de arranjos acústicos e as letras “do bem” e andarilhas), mostrou domínio do público e de suas composições, trazendo uma espécie de chamamé roqueiro, mais urbano que campeiro, com poética simples (simples demais, talvez) e apelo aos “veinteañeros”. Em show, funciona , mas letras menos juvenis não fariam mal à banda.
Tudo terminou cedo, e sobrou tempo para um lanche gigantesco no Banana Pink (uma disputada lanchonete com mais opções de vinho que de cerveja no cardápio), e para sair com a certeza de que Flores da Cunha é um lugar para onde vale voltar.
Trívia: quando você sabe que uma banda é muito boa? Resposta: quando mesmo depois de assistir a três shows consecutivos dela, chega em “casa” (no caso, seu alojamento) e coloca o álbum da mesma para ouvir. O relato deste dia foi escrito ao som de “Movido a Vapor”, de Tagore, na madrugada do dia 20.
Dia 20 – Caxias do Sul “extraoficial”
Uma tempestade iniciou a manhã e se transformou numa daquelas chuvas intensas que não vão embora. Por isso, a primeira leva de shows em Farroupilha, com Yoyo Borobia e o Quarteto New Orleans, de Caxias do Sul, foram transferidos para o concorrido dia seguinte.
Fora da programação do festival, Tagore, Molina, Yoyo Borobia, os caxienses Bob ShuT se juntaram a vários músicos de Caixas (alguns deles, organizadores do evento; outros, participantes das edições anteriores) para uma série de jams no Zarabatana Café, um dos atrativos do belo Centro de Cultura Ordovás. Luciano Balen, do Projeto Ccoma e gestor do festival, assumiu a bateria com Yoyo Borobia e injetou swing em “Mundo Virtual”, da venezuelana; Molina, com Spangled Shore e quatro ótimos músicos locais, se soltou como nunca no palco e cometeu uma versão inesquecível de “En El Camino del Sol”; Marcelo Birck (Graforreia Xilarmônica) puxou uma espécie de “dub folk”, e assim o “palco livre” ia se sucedendo. Em dado momento, perdeu-se a razão de registrar quem tocava com quem: era música acontecendo fora da rua, mas com o espírito mais “callejero” e contagiante possível. A comida era ótima e acessível, a bebida era boa e a situação parecia se recusar a terminar. Evidentemente, uma hora chegou ao fim, mas estávamos todos felizes demais para perceber.
Dia 21 – Farroupilha e Bento Gonçalves
O sol que veio nas primeiras horas do dia se mostrou enganoso, e uma chuva fina e fria veio para abaixar as temperaturas do feriado de Tiradentes na Serra Gaúcha. As condições climáticas e o dia livre deixaram as ruas de Farroupilha, com sua curiosa mistura de casas antigas (muitas de madeira) e pequenos prédios novos, pouco ocupadas. Assim, quando o Quarteto New Orleans saiu, às 15h, em cortejo pelas ruas centrais, levou muitas famílias a janelas e varandas, mas poucas se animaram a seguir o excelente quarteto caxiense em procissão até a Praça da Emancipação, onde um número maior de pessoas já assistia o Homem-Banda, atração de Porto Alegre trazida pelo SESC Farroupilha, parceiro do festival na etapa local. Enquanto isso, alguns quilômetros à frente, no Parque dos Pinheiros. Molina e a dupla Verona e De Boni se apresentavam.
Em todo festival há o momento de se escolher uma atração em detrimento da outra. Optei por seguir na praça e ver as Meninas Cantoras de Novas Petrópolis (foto acima), em vez de ir ao parque. O nome talvez o faça pensar – como eu preconceituosamente pensei, reconheço – que seria um daqueles corais condescendentes, mais simpáticos que interessantes. Mas não bastasse o repertório surpreendente – que vai desde canções sérvias à “Cada Voz”, de Tulipa Ruiz – os arranjos de banda (há um trio que acompanha as cantoras) e as nuances das vozes das 18 cantoras criam um espetáculo imperdível, que ganhou atenção incondicional da audiência, que bravamente resistia ao frio. Uma recriação de “Jorge de Capadócia” provocou arrepios nos pelos já eriçados de frio. Psicodelia vinda de um coral de adolescentes? Pois é. E no mesmo festival que trouxe baião psicodélico a um labirinto vegetal.
O duo Finlandia, formado pelo argentino Mauricio Candussi e o brasileiro Raphael Evangelista, mal pôde fazer sua estreia no festival: no meio da segunda música, a chuva voltou, encerrando a apresentação e a etapa farroupilhense bruscamente. Enquanto isso, em Bento Gonçalves, Spangled Shore, Yoyo Borobia e o Quarteto New Orleans davam início às apresentações na Praça São Bento (a do cartão postal clássico da cidade, com a igreja em forma de barrica de vinho). Chego em tempo de ver o final do New Orleans, ainda mais festivo que nas ruas de Farroupílha, e ainda vejo Molina fazer dois temas com segurança e precisão de veterano (ele, que começou o festival tímido e algo inseguro) antes de ceder espaço para Tagore, ainda em formato trio, botar o grande público serrano para dançar (ou alucinar).
Cuscobayo aproveitou a plateia aquecida para fazer um show mais intenso que a de Flores da Cunha. Para lavar a frustração da apresentação interrompida, o Finlandia (foto acima), que não estava escalado para Bento, fechou a etapa serrana do festival. Com o escurecer do céu, o cello de Raphael e o acordeão de Mauricio ficaram ainda mais graves, porém os beats e o swing da banda, afiados como nunca no recente álbum “Mundo Rural” (2015), são usados a favor da dança. A combinação deu certo? O duo só conseguiu encerrar sua apresentação depois de dois bises…
Mesmo com a grande tarde em Flores da Cunha, é justo dizer que não houvera até então público mais animado e participativo que o de Bento, que pedia canções, aplaudia, dançava e conversava com os músicos após suas apresentações. Se seria o ambiente, o vinho, a qualidade das apresentações, tudo isso junto, ou outro fator não cogitado aqui, não dá para saber. Assim como não dá para entender como a chuva nem se avizinhou, mesmo sendo a cidade tão próxima de Farroupilha. O frio, por sua vez, não dava trégua, mesmo com o céu aberto, e beber vinho era uma questão de auto-preservação (ok, havia alternativas não-alcoólicas, mas estávamos em Bento Gonçalves, e assim…).
Antes de nos despedirmos (tristemente) das praças da Serra, fomos – artistas, produtores, equipe técnica – nos encantar com os opulentos lanches do Sierra Burger. O sanduíche que dá título à casa, com 150g de carne, creme de gorgonzola e cebolas caramelizadas, entra na categoria “depois deste, todos os que vierem depois podem empalidecer em comparação”. Ainda que alguns caxienses presentes tenham declarado que era “gourmet demais” e que “bom mesmo é xis”. Certas tradições são difíceis de derrubar.
Dias 22 a 26 – Caxias do Sul
Na quarta-feira, a programação não incluiu shows, mas a música seguiu como o tema central, com Leonardo Salazar, autor do livro e do blog Música Ltda., discorrendo sobre a viabilização comercial de músicos, produtores (musicais e culturais) e demais profissionais ligados a esta arte. Raphael Evangelista (Finlandia), Nicolás Molina e este repórter foram chamados ao palco para falar também sobre o tema. As charlas continuaram no dia seguinte, com a produtora cultural Marta Carvalho falando sobre o negócio da música – mais especificamente, sobre leis de incentivo e organização de eventos. Na sequência, Marta se juntou aos participantes da noite anterior para um bate-papo sobre os rumos da música, comandado por Luciano Balen.
O dia 23 ainda viu muita música: a local Bob ShuT (foto acima) “jogou em casa” abrindo a etapa caxiense do festival tocando sob a entrada da Casa de Cultura, já que a chuva voltou a aparecer. Acústico (à exceção do baixo plugado), a banda se aproxima muito mais do “folk montanhês” que almeja do que em sua versão elétrica: no violão, suas boas melodias conquistam com mais facilidade, e os trechos cantados em coro pelo baixista Douglas Trancoso e pelo baterista Juliano Mengatto parecem ressoar em algum lugar entre Kleiton & Kledir e Teenage Fanclub. “Get Back Home” e “De Vez em Quando”, em especial, foram muito representativas dessa identidade mais pessoal que apenas se insinua em sua versão elétrica. E “Não Quero Anoitecer” é uma daquelas canções lindas e simples, que com poucos versos e notas se multiplica em sensações e sugestões no ouvinte. Foi até sintomático que aparecesse durante o show um grande grupo de alunos de um colégio que estava visitando a Casa de Cultura, e ali ficasse para ver o show. A Bob ShuT tem vocação para falar com adolescentes, e quando sua proposta sua assim bem resolvida, o faz sem alienar adultos.
Que viesse na sequência o gaiteiro Araju Haas com seu espetáculo “Descendência”, também foi sintomático, mas de outra questão ainda mais importante: a confirmação de que o festival não se prende a nenhum gênero musical. É ainda pouco comum no Brasil que a uma banda de indie pop se suceda um músico que traz um show calcado no folclore gaúcho, mas que também acena para os Balcãs (em muitos momentos, foi possível lembrar de A Hawk and a Hacksaw). Uma apresentação bastante intensa e bonita, capaz de confundir a cabeça de quem olhasse para aquela dupla (um violeiro o acompanhava), pilhada como se para um show em um CTG (Centro de Tradições Gaúchas), e desse de cara com a ousadia interpretativa da dupla.
Às 15 na Estação Ópera, uma longa parada de ônibus de arquitetura peculiar, Spangled Shore (foto acima) fazia com que até os pedreiros de uma obra em frente parassem para assistir o show mais longo que fizera até então, que ainda incluiu excelentes releituras de “I Fought The Law” (Bobby Fuller) e “New England” (Billy Bragg). No Zarabatana Café, já à noite, o Finlandia vinha com seu show completo, e foi uma amplificação do encantamento que se vira em Bento Gonçalves.
O fim de semana ainda traria muitos shows: as versões “banda completa” de Tagore e Molina y Los Cósmicos, Jêf (o ganhador do Breakout Brasil), Cuscobayo, Kleiton e Kledir, o multi-instrumentista peruano Carlos Carty, um tributo a Teixeirinha conduzido por seu neto e outros, todos na Estação Férrea de Caxias, que receberia ainda oito food trucks, um bazar comandado pela casa noturna Paralela, entre outras atrações. Isso sem falar de ações como um show da Cuscobayo na APAE, o “serrotista” Marco Binatti tocando para as crianças na Biblioteca Pública e tantas mais (foram quase 70 shows ao todo).
Por motivos pessoais, não pude permanecer na cidade para cobrir os do final de semana (“a vida tem dessas coisas”, dizia certo hit oitentista). Porém, saí com a certeza de que a proposta do Festival Brasileiro de Música de Rua resgata muito do potencial de surpreender que é inerente à música, com uma mistura de gêneros que funciona bem tanto para esvaziar preconceitos quanto para unir públicos diferentes. Mais que isso, congrega pessoas e dá às ruas, as mesmas ruas pela qual as pessoas passam todos os dias, a dimensão gregária e encantadora que elas podem ter.
E na forma com que a logística do evento permitiu esta cobertura, entraram experiências que somente a condição de jornalista proporciona em um festival como esse. Coisas que não têm a ver com suposta camaradagem do artista para com o repórter ou adulação deste com o artista, e sim com a oportunidade de passear pelos corredores do alojamento do festival e testemunhar Nicolás Molina compondo; escrever um texto enquanto, no quarto ao lado, Carlos Carty repassa seu repertório; entender as influências do Spangled Shore ou discutir as possibilidades comerciais da música com o escritor e empresário Leonardo Salazar e o duo Finlandia. É, sim, um privilégio, e que talvez não caiba em uma reportagem, mas certamente transforma o entendimento da música e do ambiente que a cerca para o repórter. Permite uma profundidade e uma visão “desde adentro”, como diriam os vizinhos, que não se consegue em outras oportunidades mais formais.
O exemplo do Música de Rua, em organização, alcance e curadoria, é único no Brasil. E que ele se expanda a cada edição, e nesta tenha atingido um padrão de referência para as que virão, prova sua viabilidade, tanto do ponto de vista cultural quanto financeiro. Basta a combinação – difícil de obter, é verdade – entre planejamento, bom uso de recursos, curadoria e vontade. E, claro, ótimos artistas.
– Leonardo Vinhas (@leovinhas) assina a seção Conexão Latina (aqui) no Scream & Yell.
Leia também:
– Finlandia: A gente dá prioridade a coisas que não são tão “for export” (aqui)
– Prata da Casa 2014: Tagore fecha com chave de ouro projeto do Sesc Pompeia (aqui)
– Projeto Ccoma: ‘Hoje, qualquer lugar com Internet é uma janela para o mundo” (aqui)
– Molina Y Los Cosmicos: “Me importa fazer a música que quero fazer” (aqui)
– Download gratuito: baixe a coletânea “Somos Todos Latinos” (aqui)
– “Somos Todos Latinos”: compare as versões originais com as da coletânea (aqui)
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