por Marcelo Costa
Para infelicidade de muitos, Nick Hornby segue firme em seu processo de amadurecimento. Por mais que essa constatação possa assustar os pobres adultescentes que transformaram “Alta Fidelidade” (1995) em uma bíblia pop, e assimilaram seus outros livros como se fosse cerveja na beira da praia em dia de sol, o anúncio da maturidade do escritor só fez bem ao seu texto, como comprova “Funny Girl” (2014, edição nacional da Companhia das Letras), seu sétimo romance (excluindo “Febre de Bola”, de 1992, um genial diário biográfico romanceado), ainda que não vá ser agora que a ala intelectual vá abraçar o escritor.
Os sinais já estavam pelo caminho, como pequenas entradas na lateral da testa anunciando uma provável futura calvície, sensação que mais denota o passar do tempo do que adianta um futuro Telly Savalas: partindo de uma trilogia impecável que focava as dúvidas do homem pop moderno frente aos relacionamentos e a monogamia (“Alta Fidelidade”, 1995; “Um Grande Garoto”, 1998) para, enfim, declarar amor à família (“Como Ser Legal”, 2001), Nick Hornby parecia ter esgotado o tema, e precisava se reinventar.
O livro seguinte, “Uma Longa Queda”, de 2005, soava dividido em dois: na primeira parte, tendo como mote uma reunião de candidatos a suicidas (repleta de certeiras piadas inglesas), Hornby discutia inadequação, mas do ponto de vista pessoal, de quem acorda, olha para o espelho e não se reconhece no mundo que construiu (ou que construíram) para si. Na segunda metade, a história se amplia (e a inadequação também), discute fama, jornalismo de celebridades, e a narrativa se perde diante da vontade de abraçar o mundo restando uma conclusão brega.
“Slam” (2007) foi ignorado, e ainda que o tema fosse (seja) relevante (gravidez adolescente), Hornby trafegava perigosamente entre a discussão (disfarçada, o que faz muito bem) de questões morais com a sensação de autoajuda. Era preciso se reinventar, e nada melhor que voltar ao universo pop que tanto conhece, mas com um sorriso malicioso no canto dos lábios: “Juliet Naked” (2009), o brilhante livro seguinte, sacaneava de forma certeira todos aqueles que elevaram Hornby ao status de grande escritor pop em “Alta Fidelidade”.
“Juliet Naked” foi o primeiro sinal de que algo estava mudando no universo de Nick Hornby, e ainda que a autocritica (cheirando a vingança) pudesse soar como um acerto de contas com alguns personagens de seu romance mais famoso (todos no centro de um alvo para deleite de intelectuais com dardos nas mãos em um pub), o livro abria novos caminhos para o escritor, o que influencia diretamente “Funny Girl”, ainda que o dilema moral (mais uma vez) esteja entrincheirado nickhornbyanamente nas entrelinhas da história.
“Funny Girl” homenageia o filme homônimo de William Wyler, que rendeu um Oscar de Melhor Atriz para Barbra Streisand em 1968. A trama de Hornby também se passa nos anos 60 e tem como personagem principal Barbara, uma garota sonhadora do nordeste (da Inglaterra), mais precisamente Blackpool, que planeja se mudar para Londres e ser uma comediante tão famosa quanto Lucille Ball, a atriz norte-americana que fez fama no sitcom “I Love Lucy”, série de sucesso que ficou no ar entre 1951 e 1960.
Para conquistar seus sonhos, Barbara precisa enfrentar as artimanhas do pai e um “grande problema” pessoal: ela é bonita “demais”, o que faz produtores a procurarem para anúncios de biquíni, e reclamarem quando ela diz que quer atuar – o trecho em que uma colega descreve o que faria para ficar com um pouco de sua beleza é sanguinariamente hilário. Felizmente, Barbara encontra sua turma em Londres e estrela uma sitcom de sucesso na BBC, para desespero da ala intelectual.
Não espere profundidade, dilemas morais e grandes revelações da personagem central (ainda que a grande deixa das mais de 400 páginas do livro seja de um pensamento crítico dela). Nick Hornby distrai o leitor de forma inteligente focando nas dúvidas da equipe de roteiristas, do diretor, do empresário, do crítico, de Jim (o par romântico de Barbara na série de TV é o homem pop da vez assustado com a monogamia) e de outros personagens enquanto Barbara curte uma lua de mel descompromissadaconsigo mesma vivendo a vida que sempre sonhou.
Um dos momentos luminosos de “Funny Girl” se passa num “programa sério” de TV, em que um crítico intelectual e fã de Shakespeare tenta arrasar o produtor da série de sucesso de Bárbara em um debate (da mesma forma que tentaria fazer com Nick Hornby diante do sucesso de “Alta Fidelidade”, trinta e poucos anos depois). Em entrevista ao Guardian (traduzida pela Folha), Hornby provocou: “Não quero que o crítico no livro tenha razão, e ainda acredito que ele esteja errado sobre muito do que diz, mas algumas das coisas estão certas”.
De forma delicada (e nickhornbyanamente genial), ele parece ter escrito um livro para discutir (e entender) a si mesmo, como se as palavras colocadas no papel o fizessem refletir melhor sobre sua função de escritor, no particular, e a do entretenimento no mundo moderno, em geral – e os sentimentos de Barbara em relação ao tema são tanto um alento quanto um risco, pois alimentam a dúvida sobre os limites do que é ou não criticável e aceitável na cultura de massa (num momento da história em que absolutamente tudo é mercadoria).
Não deixa de ser interessante Hornby optar por uma série televisiva (dos anos 60, ok) como mote de análise de discurso exatamente no momento em que as séries são o que de melhor a indústria cultural produz criticamente na atualidade – já que a música pop parece refém de uma acelerada linha de montagem que não permite aprofundamento (optar por um disco soa culpadamente deixar de ouvir outros 200, 300, a fila não para), os livros de autoajuda se multiplicam como praga e o cinema (anglo-saxão) tropece em suas próprias fórmulas de sucesso e legitimação (antes que alguém erga a voz: sim, há exceções).
Leve e ilusoriamente descompromissado, “Funny Girl” mantém a literatura de Nick Hornby em uma posição de destaque (no momento em que o escritor parece se dedicar mais a roteiros de cinema do que a livros: ele escreveu “Educação”, em 2009; “Livre”, em 2014, e “Brooklyn”, que estreia nos Estados Unidos em novembro deste ano), o que não deixa de ser elogioso para um escritor que está comemorando 20 anos de seu livro de maior sucesso. Mais do que isso, “Funny Girl” abre possibilidades temáticas interessantes para o futuro do escritor, mas isso o leitor terá que aguardar: Nick Hornby amadurece lentamente. Segue o jogo (play nas séries)…
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne
Leia também:
– “Uma Longa Queda”, de Nick Hornby, incomoda muito mais do que diverte (aqui)
– Falando sobre Nick Hornby e “Alta Fidelidade”, por Marcelo Costa (aqui)
– “Uma Longa Queda”: no fim das contas, o filme supera o livro (aqui)
– “Febre da Bola”, o filme: a versão americana com Jimmy Fallon e Drew Barrymore (aqui)
– “Febre da Bola”, o filme: a versão inglesa com Colin Firth (aqui)
– “Um Grande Garoto” é romance urgente, daqueles que retratam uma época (aqui)
– “Um Grande Garoto”, o filme, surge poético em algumas partes e patético em outras (aqui)
– “Como Ser Legal”, de Nick Hornby, é uma extensão da “teoria das calcinhas velhas” (aqui)
– Guilherme Weber fala sobre a peça “A Vida é Cheia de Som e Fúria” (aqui)
– “Howdy!”, do Teenage Fanclub, por Nick Hornby (aqui)
– Doce Miséria – A suavização de Nick Cave, por Nick Hornby (aqui)
Li todos os livros do Hornby. Algo tem me chamado a atenção desde sempre. O universo dele é sempre pela busca da redenção através da família, dos valores familiares. Tipo, só se pode ser feliz se tivermos uma famllia, um núcleo familiar, É assim em Slam, Juliet, longa queda, grande garoto etc…em determinados momentos ele chega a soar extremamente conservador (O grande garoto é o maior exemplo disso). De qualquer forma, acho que em Slam e Juliet ele conseguiu sair de uma certa letargia…