por Lucas Guarniéri
Uma das coisas mais frustrantes sobre “Sound & Color” (2015), o novo trabalho do Alabama Shakes, é a impossibilidade de ouvir a voz de Brittany Howard pela primeira vez de novo. A novidade, porém, fica por conta da forma encantadora pela qual os integrantes do grupo superaram os desafios de lançar um segundo álbum.
A qualidade e maturidade de “Boys & Girls” (2012), o disco de estreia, praticamente isentou a banda de precisar provar qualquer coisa a qualquer um. Um álbum acima da média não só em seu próprio gênero, mas também no contexto onde ele se encaixa, que, felizmente, encontrou um público: 500 mil cópias vendidas os levando ao sexto lugar do Hot 200 da Billboard.
Howard e Cia estão acostumados a quebrar barreiras. A primeira delas foi a regional ao se desvencilharem do fardo de ficarem enclausurados apenas no estereótipo característico do southern. Não dá pra não dizer que a região sul dos Estados Unidos onde cresceram não tenha reflexos em seu trabalho, mas é mais correto afirmar que eles parecem se sentir estrangeiros em sua própria casa. Seus empregos diários – Cockrell trabalhava como veterinário, Fogg pintava casas, Johnson dava duro em uma usina nuclear, Brittany era carteira – podem parecer hoje uma realidade distante, mas é dali que veio toda a força e modéstia necessária para evitar a queda no buraco profundo do hype e afogar-se em seu próprio pastiche.
“Sound & Color” é mais confiante e abrangente que seu antecessor. Ainda que não tenha algo com o mesmo impacto de “Hold On”, cujas primeiras frases continham uma potência impressionante (“Bless my heart, bless my soul / Didn’t think I’d make it to 22 years old”), o que veio a seguir seria algo mais caleidoscópico, como a canção de sete minutos “Gemini”, uma jam psicodélica desacelerada na qual o vocal de Howard é acompanhado de badalares de sinos e riffs momentâneos. O produtor do álbum, Blake Mills, contou em entrevista que a vocalista se sentiu incapaz de terminar a letra da música: “Ela pincelou várias frases, misturou e as distribuiu aleatoriamente”.
“Gemini” é o exemplo mais proeminente da experimentação de “Sound & Color”, mas basta dar o play e ouvir a música título para saber que não há, em todo o conjunto, a aura de “isso de novo?”. O que se segue são músicas que vão desde ritmos barulhentos (“The Greatest”) ao blues suave (“Dunes”) e jams de soul psicodélico (“Future People”). Um caldeirão de referências de deixar qualquer ouvido com fome por mais. Causa espanto pensar que o grupo possui apenas dois discos próprios, pois parecem veteranos, transitando entre o tradicional e o atual, ora unificando-os, ora inserindo elementos de outros gêneros.
A faixa que mais mede forças com o grande hit do álbum anterior, “Hold On”, é, sem dúvidas, o primeiro single “Don’t Wanna Fight”, que antecipou o clima do álbum quando lançada em 10 de fevereiro. Howard começa “gritando em silêncio”, como se sua voz não quisesse emitir som algum e deixar a contemplação a cargo da melodia R&B. Agora mais mansa, ela lembra um pouco Prince e, por mais que o refrão seja repetitivo, não parece ser artifício mercadológico para fixar a música na cabeça dos ouvintes. Funciona mais como elemento de contexto, em que a banda pensou fazer sentido para a faixa. O resultado é a vontade incontrolável de interromper a audição completa do álbum e colocar a faixa no repeat.
“Gimme All Your Loving” também é um ponto alto do disco que quase não possui oscilações. Aqui, a faixa sintetiza toda a atmosfera de “Sound & Color”, uma vez que as misturas de gêneros trabalham quase como paradoxos que, de repente, resolveram se unificar em prol de um bem maior. O mix de Blues, Rock, Soul e Pop somado a voz agora pesada de Brittany – que transmite um sofrimento enorme por meio de seu timbre – pincela lirismo e uma solidez que, por pouco não se torna literal e se materializa e nos atravessa.
“Sound & Color” é um segundo disco em que o deslumbre passou longe dando lugar a pluralidade e ao escapismo do lugar comum. Os desafios continuam para o Alabama Shakes, que, sem dúvida, serão vencidos com a mesma facilidade na qual Howard alcança as notas mais altas.
– Lucas Guarniéri (@cemcruzeiros) é paulistano, publicitário e inquieto cultural
Esse disco mostra uma banda singular no cenário atual, o ouvinte sente a sinceridade dos músicos, a vontade de unir forças para fazer um som simples e direto, sem firulas e estrelismo toda a atenção é voltada para a música.
O que seria o “escapismo do lugar comum”?