por Marcelo Costa
O ponto de partida do diretor irlandês Lenny Abrahamson em “Frank” (2014), seu quarto filme (seus três longas anteriores fizeram sucesso local lhe rendendo três vezes o prêmio de Melhor Diretor no Irish Film & Television Awards), é inusitado e interessante: um jovem músico olha o mar enquanto busca inspiração para compor uma canção. Acompanhando os pensamentos de Jon (o ótimo Domhnall Gleeson), como se estivesse dentro de sua cabeça (bela antecipação de ideia), o espectador é bombardeado por tentativas de canções que não vão a lugar algum.
A vida de Jon (que trabalha em um grande escritório corporativo e divide seus sonhos com poucos seguidores numa conta de Twitter) muda radicalmente quando, na beira do praia, ele presencia uma tentativa de afogamento. O homem em questão era o tecladista da banda indie psicodélica Soronprfbs, que, o espectador irá descobrir depois (e Jon também), soa como uma junção do lado psycho dançante dos Butthole Surfers com o Flaming Lips de início de carreira. Com o tecladista no hospital, Jon é convidado a tocar num show, e então tudo começa.
A Soronprfbs é liderada por Frank (Michael Fassbender), um homem que usa uma enorme máscara de papel mache, que ele não tira absolutamente para nada (desde os 14 anos!). A enorme cabeça remete ao U2 e ao Arcade Fire (do clipe “Reflektors”), mas, na verdade, é uma homenagem de Lenny Abrahamson ao músico e comediante britânico Chris Sievey, que em 1984 criou o personagem cabeçudo Frank Sidebottom, que fez aparições regulares na TV até início dos anos 90 tornando-se até mesmo repórter de Granada Reports.
Jon é convidado a entrar para a banda e praticamente sequestrado. O grupo parte para um retiro numa casa de campo que servirá de laboratório para o novo álbum que os Soronprfbs pretendem gravar. Em meio a gravações de folhas de árvores se mexendo, canto de pássaros, portas se abrindo e o barulho do rio, Jon sofre com a adaptação ao cotidiano de uma banda de rock cujo empresário é sexualmente viciado em manequins e a theremista Clara (Maggie Gyllenhaal), uma indie gótica ciumenta apaixonada por Frank, não vai com a sua cara.
Delicado, musical e inocentemente engraçado, “Frank” discute adequação e inadequação. Com as cartas na mesa, o roteiro trabalha com sutileza uma pequena jóia indie pop cinéfila. Jon tem lá sua musicalidade, e batalha para ser aceito pelos companheiros, que não dão muita bola. Suas tentativas de canções são lineares, diretas, com começo, meio e fim, enquanto o Soronprfbs é puro caos. Ao mesmo tempo, ele não entende porque Frank se esconde atrás de um enorme cabeção, e passa a questionar a sanidade do líder aos outros membros da banda.
O tempo vai passando, as barbas vão crescendo, e o disco não sai. Jon divide o cotidiano do grupo experimental com o mundo através de suas contas de Twitter e Youtube, o que acaba formando um séquito de fãs e chama a atenção de um importante festival alternativo dos Estados Unidos, que os convida para se apresentar e lançar o disco do Soronprfbs lá. Frank vislumbra uma possibilidade de sucesso, de aceitação, enquanto Clara prevê confusão. Jon, por sua vez, quer compor um hit, sem perceber que hits são a antítese do Soronprfbs.
Mais um ótimo filme que funciona como manual para bandas novas (tipo “The Commitments”, de Alan Parker), “Frank” também questiona (de forma delicada) o universo dos ‘likes’ em redes sociais e o fascínio do público pelo absurdo (filmada e postada no Youtube, uma briga que termina com uma canivetada transforma a banda em uma das sensações do festival), mas parte de seu encanto reside em exibir a poesia (talvez inocente) das bandas alternativas que estão pouco se fodendo para paradas de sucesso, porque a música é mais importante.
Com trilha sonora composta por Stephen Rennicks (músico que, nos anos 80, tocava em uma banda chama The Prunes e, em entrevista, diz que nesse tempo viu bandas muito mais malucas que o Soronprfbs na estrada – leia aqui e aqui) tendo como base Kraut-Rock e The Fall, e cantada por Maggie Gyllenhaal e Michael Fassbender (que recebe um rápido Peter Murphy no trecho final do filme), “Frank” aposta na bizarrice e na excentricidade para mostrar que a beleza pode estar em todos os lugares. Basta deixar de lado as convenções.
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne
Eu adoro como esse filme, Birdman e Ratatouille funcionam de forma meio dialética. O protagonista de Birdman é confrontado com duas teses. A Ratatouilleana de “talento pode vir de qualquer lugar” e a desse filme que, sem spoilers, seria algo como “talento pode vir de qualquer lugar. O que não quer dizer que vai vir de vc.”