por Adriano Costa
Chico Buarque não lançava um novo livro desde “Leite Derramado”, de 2009, onde, mesmo construindo um bom romance, estancava sua ascensão como escritor iniciada com “Estorvo” (1991), passando por “Benjamim” (1995) e por aquele que é seu melhor trabalho até então, “Budapeste” (2003). Esse silêncio literário terminou no final do ano passado quando a Companhia das Letras colocou no mercado as 240 páginas de “O Irmão Alemão”.
Para construir a nova obra, o autor usou a história real de um meio-irmão alemão. Seu pai, o acadêmico e intelectual Sérgio Buarque de Holanda, morou em Berlim nos anos de 1929 e 1930 e de lá saiu antes da subida de Adolf Hitler ao poder deixando para trás um filho que nunca conheceu, proveniente de uma aventura amorosa na cidade. Posteriormente até ajudou, de determinada maneira, esse filho, chamado Sergio Ernst, contudo os sete filhos que teve no Brasil nunca o conheceram, assim como sua esposa.
Em um dia no longínquo ano de 1967, na casa do poeta pernambucano Manuel Bandeira, Chico Buarque soube da existência do “filho alemão do seu pai” junto com Tom Jobim e Vinicius de Moraes. Desde então começou a se interessar pelo assunto, e esse interesse cada vez mais crescente resultou no livro. Documentos antigos foram surgindo para dar novas nuances a escrita assim como uma extensa pesquisa, coordenada tanto na Alemanha quanto no Brasil, serviu de matéria prima ao romance.
Porém, “O Irmão Alemão” não é um livro somente com fatos verídicos, bem longe disso. Chico usa sim muitos fatos da própria família e história para atravessar os turbulentos anos 60, assim como retornar ao passado e finalizar a obra nos nossos dias, mas, esses fatos são misturados com abundância com outros inventados e imaginados pelo autor, resultando assim em um trabalho que mescla realidade e ficção, como também devaneia por caminhos hipotéticos.
Esse artifício de sobrepor realidade e ficção não é novidade na literatura do escritor, todavia, a intensidade aqui ambiciona ser maior, com a soma de prováveis destinos, outras passagens e a inserção de um sonhar ilusório. No livro, o jovem Francisco de Hollander sabe da existência do irmão mexendo em um livro da gigantesca biblioteca do pai, que dá mais atenção aos livros do que a família, e quando direciona um pouco de tempo a isso sempre busca o irmão mais velho.
Quando toma conhecimento desse fato, Francisco (também chamado de Ciccio) empreende uma busca febril, ousada e com pífios resultados atrás desse irmão que não conhece. Enquanto isso não ocorre, vai aumentando a própria cultura caindo de cabeça em autores dos mais diversos quilates e estirpes, além de iniciar suas buscas amorosas e etílicas sempre a sombra do irmão que serve de alavancagem para uma grande parte das decisões que toma, inclusive a de procurar saber o que aconteceu com Sergio Ernst.
Chico Buarque domina a escrita, a língua portuguesa e, não é novidade para quem já o leu, a utilização de palavras pouco usuais no nosso dia a dia tanto quanto variações linguísticas mais experimentais. Em “O Irmão Alemão”, esse expediente soa um exercício pretensioso que não auxilia a trama muito menos a caracterização dos personagens. Em quantidade bastante elevada na narrativa, esses floreis desnecessários mais atrapalham a leitura do que ajudam.
A construção da narrativa ainda esbarra em argumentos óbvios como o antagonismo criado entre os irmãos Hollander, visando adicionar o interesse pelo meio-irmão alemão, e depois o surgimento de um fato maior (a ditadura brasileira) para amenizar essa relação, mesmo que a distância. Com capítulos onde as pausas são raras, Chico Buarque constrói em “O Irmão Alemão” um livro mais interessante que seu antecessor, porém levemente perdido entre o excesso de confiança e a insipidez. “O Irmão Alemão” ainda está distante do grande livro que sempre se espera de Francisco Buarque de Holanda.
– Adriano Mello Costa (siga @coisapop no Twitter) e assina o blog de cultura Coisa Pop
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