por Marcelo Costa
“Fortune”, Damon & Naomi (20/20/20)
Para alegria dos corações românticos e melancólicos, eles estão de volta. Damon Krukowski e Naomi Yang (ambos ex-Galaxie 500) quebram um silêncio de quatro anos (o disco anterior, “False Beats and True Hearts”, saiu em 2011) com “Fortune”, um álbum lírico de 11 músicas (em 28 minutos) que nasceram como trilha sonora e narrativa para o filme (mudo) homônimo, uma colaboração de Naomi com o cineasta Nathaniel Dorsky, que conta a história do filho de um pintor de retratos que herda o trabalho do pai quando este morre, e precisa lidar com seus sentimentos sobre um homem que era um artista genial e um péssimo pai, e sobre sua própria arte. Acerto de contas pessoal, “Fortune” é inspirado nas relações de Naomi Yang com seu pai, um fotógrafo falecido recentemente. O sarcasmo do título, uma das marcas registradas da dupla (evidente num belo show que os dois fizeram em São Paulo quase uma década e meia atrás), é embalado pelo violão e pela voz de Damon, quase se desmanchando no ar em faixas como “The Seeker” e “Shadows”, e combina delicadamente com a doçura soturna da voz de Naomi, responsável ainda pelo piano e pelo harmonium. O clima embargado e reflexivo do projeto é antecipado já nos títulos das canções (“Hurt House”, “Amnesia”, “Sky Memories”, “Time Won’t Own Me”, “Reflections”), e o resultado é um trabalho onírico, sentimental, amargurado e “miseravelmente triste” que funciona sem o filme, um poema visual que parece um longo vídeo (disponível na integra logo abaixo), mas ganha amplitude nas imagens.
Nota: 8
Preço em média: R$ 45 (importado)
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“What a Terrible World, What a Beautiful World”, The Decemberists (Capitol)
Cronista genial, Lou Reed dizia que criava buscando unir textos como os de Chandler e Dostoiévski com rock. “Já imaginou unir literatura russa com guitarra? Nem eu, mas foi o que tentei realizar”, disse certa vez. Representante desta mesma linhagem literata, Colin Meloy conseguiu um feito num mundo cada vez mais supérfluo: cravar um disco do Decemberists, “The King is Dead” (2011), no número 1 da Billboard. Quatro anos depois, Colin retorna com “What a Terrible World, What a Beautiful World”, e logo na primeira faixa avisa o fã mais antigo, aquele que cortou o cabelo igual ao do baterista da banda no clipe: “Nós sabemos: nós pertencemos a você. Você construiu sua vida em torno de nós, e nós mudamos? Tivemos que mudar, um pouco, para continuar pertencendo a você”. Poucas vezes na música pop um artista soou tão sincero/direto. Se “The King Is Dead” era notadamente urgente, “Terrible/Beautiful” soa distanciado como um quadro de uma pessoa lendo um livro debaixo de uma árvore numa tarde de outono. Essa sensação está presente nos momentos mais “alegres”, como nas cativantes “Make You Better” (clipe impagável) e “The Wrong Year”, na bela “Cavalry Captain”, na pop song radiante “Philomena” e na deliciosamente rancheira (e autoexplicativa) “Anti-Summersong”, e se amplifica nas faixas mais lentas e visuais, como “Lake Song”, “Till the Water Is All Long Gone” e, principalmente, “Carolina Low” e “12-17-12”, de um disco repleto de camadas que devem ser ouvidas com a atenção de quem lê um livro.
Nota: 8
Preço em média: R$ 45 (importado)
Leia também:
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– “The King is Dead”, The Decemberists: um disco belo e atemporal (aqui)
– “Long Live The King”, The Decemberists: imperdível EP de sobras e raridades (aqui)
– Liberdade que faz do Decemberists uma das melhores bandas pode atrapalhar (aqui)
“Futurology”, Manic Street Preachers (Sony Music)
Em 2013, o Manics se enfurnou no mítico Hansa Studios, em Berlim, para gravar dois álbuns ao mesmo tempo. “Rewind the Film” (2013), o primeiro, era lírico e delicado. “Futurology” (2014), o segundo, é funk noir guitarreiro com o trio galês chocando influências de PIL, Neu e o Bowie e o U2 da fase berlinense. Para não assustar os fãs antigos, a faixa título abre o disco com guitarradas e refrão remetendo aos tempos de “Everything Must Go” (1996). O clima muda já na introdução do single “Walk Me to the Bridge”, uma batida de acento europeu que explode num refrão grandioso (numa letra que imagina pontes como mudanças e clipe inspirado em “Corra, Lola, Corra”, de 1998), e se concretiza na levada sincopada de “Let’s Go to War”, funk gélido com tecladões climáticos e letra que fala dos “ossos da classe trabalhadora e mentiras espalhadas em museus”. Da mesma safra ainda se destaca “Europa Geht Durch Mich”, com poderoso vocal em alemão da atriz Nina Hoss; “Sex, Power, Love and Money”, batida dançante com guitarras altas; a instrumental germânica “Dreaming a City (Hughesovka)” e a ótima “Misguided Missile”. Fogem do clima de dança sobre os escombros as baladas eletrônicas “Divine Youth”, que conta com belo vocal de Georgia Ruth e remete ao U2 de “Zooropa”, e “Black Square” (com clima “Heroes”). Na grande canção do álbum, “The Next Jet to Leave Moscow” (uma “Love Will Tears Us Apart” versão Manics), James Dean Bradfield provoca: “Eu sou o maior hipócrita vivo que você já viu”. Um ano, dois álbuns diferentes e excelentes. Que grande banda!
Nota: 9
Preço em média: R$ 45 (importado)
Leia também:
– Faixa a Faixa: “This Is My Truth, Tell Me Yours” (aqui) “Know Your Enemy” (aqui)
– “Rewind the Film” é um álbum estranho de uma banda estranha (aqui)
– Três discos: “Forever Delayed”, “Lipstick Traces” e “Lifeblood” (aqui)
– Manic Street Preachers ao vivo no Norwegian Wood Festival, Oslo (aqui)
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne