Três livros: Chambers, Volpato e Terron

por Adriano Costa

“O Rei de Amarelo”, de Robert W. Chambers (Intrinseca)
Publicado pela primeira vez em 1895, “O Rei Amarelo” voltou à ordem do dia com a série “True Detective”, já que o roteirista Nic Pizzolatto se declarou apreciador do texto de Robert W. Chambers. No total, o livro reúne 10 contos, com os quatro primeiros habitando um universo fantástico e imaginativo e os dois do meio servindo como uma espécie de ponte para o quarteto final, que por sua vez adentra um mundo mais real e crível, ainda que o autor faça leves ligações entre as duas partes. O néctar está na primeira metade, com o horror em relação ao que não se conhece marchando escondido em palavras e diálogos através de uma ambientação rica que funciona como adendo para histórias de loucura, medo e apreensão. Após a leitura percebe-se as razões da estima de Neil Gaiman (o conto “A Demoiselle d’Ys” explica bem isso) e do mestre do terror H.P. Lovecraft (talvez a inspiração para “Necromicon” tenha nascido aqui). Já os contos finais, batizados informalmente de “quarteto das ruas”, soam um degrau abaixo, talvez por serem mais concretos, ainda que melhores escritos que os de abertura. Esta reedição da Intrínseca é muito cuidadosa: além de respeitar a formatação original, traz uma longa introdução, rica e elaborada, do jornalista e escritor Carlos Orsi, que não só insere o leitor no universo de Chambers como também no mundo do final do século XIX. Os contos também trazem pequenas notas com explicações e correlações que auxiliam bem na jornada da leitura, estimulante na maior parte do tempo.

“Pessoas Que Passam Pelos Sonhos”, de Cadão Volpato (Cosac Naify)
Numa primeira análise, dois homens completamente distintos: estilos de vida, profissões, pretensões, países. Rivoli é alto, quase um sueco, arquiteto, estudado e mora em São Paulo. Tortoni é de estatura média, comum, taxista meio por acaso, oriundo de família humilde e morador do subúrbio de Buenos Aires. Nada disso leva a crer que pode se formar uma amizade, mas a vida desses dois personagens se une no sexto livro de Cadão Volpato (primeiro romance), que os apresenta isoladamente no início, os ambientando em suas cidades, convicções, famílias, desejos e insatisfações, e depois os unindo numa viagem insólita. Essa jornada meio sem sentido rende momentos que variam entre o desesperador e o fantasioso e serve para moldar uma amizade instantânea. Dividido em três atos, o livro tem, na ditadura brasileira e argentina dos anos 60 e 70, um espírito do mal que, nas entrelinhas, influencia atos, define rumos e destroça aspirações. Com sentenças curtas e muitos detalhamentos, a narrativa em terceira pessoa se constrói pouco a pouco ao se espalhar por amigos e familiares, como também por desconhecidos quase delirantes. Cadão usa pessoas comuns e nada extraordinárias para arquitetar algo que não é fácil de ser lido ou digerido com rapidez, e o leitor precisará prestar atenção nos detalhes, nas leves convergências que a trama sugere, nos sonhos que vão sendo deixados no meio do caminho por cansaço, azar ou por fatos ríspidos do famigerado destino para apreciar um livro lírico e encantador.

“A Tristeza Extraordinária do Leopardo-das-Neves”, Joca Reiners Terron (Cia das Letras)
Um escrivão de polícia sexagenário, solitário, insone, acima do peso e cheio de manias e devaneios é o narrador deste sexto romance de Joca Reiners Terron, que mistura suspense, literatura policial e um bom quinhão de terror tendo como cenário um bairro tradicional e multicultural da capital paulista, com coreanos, judeus, gregos e bolivianos transitando pelas ruas. Personagens curiosos são criados: além do escrivão (que cuida do pai demente) há um deslocado jovem que trabalha como entregador em um mercadinho, um taxista apaixonado por cães e a Sra. X, que, numa casa quase abandonada, cuida de uma pequena pessoa que vive com todas as partes do corpo cobertas para esconder sua aparência. Do outro lado deste exótico universo está o animal que intitula o livro e vive no zoológico paulista em risco constante de extinção, um animal solitário, mortífero, cercado de folclore e lendas, e que passa por uma situação bem delicada. A maneira com que Joca une essas figuras tão peculiares (o escrivão e o animal) em cenários bastante distintos (quando analisados friamente) é louvável e muito hábil. Ali, escondido no meio das frases, o escritor insere leves críticas ao preconceito, xenofobia, mesquinhez humana e a sociedade de modo geral, principalmente no trato aos viciados em crack. Sua narrativa continua perseguindo o não convencional, o incomum, e, somada não só ao fato do livro fugir do usual como também manter a trama em constante crescimento, rende o melhor livro da carreira do cuiabano.

– Adriano Mello Costa (siga @coisapop no Twitter) e assina o blog de cultura Coisa Pop

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