por Bruno Leonel
Não bastasse ser o frontman de uma das bandas mais populares da atualidade, em pleno ano de 2014 – ano em que tempo se tornou algo raro, e caro de se investir – Dave Grohl surpreende com mais uma empreitada “original” e lança um disco com o Foo Fighters, gravado em estúdios de oito diferentes cidades dos EUA (Austin, Chicago, Los Angeles, Nashville, Nova Orleans, Nova Iorque, Seattle e Washington, DC). Entre viagens e sessões de estúdio o álbum foi registrado entre novembro de 2013 e julho de 2014, totalmente influenciado por impressões que a banda teve de cada cidade, assim como das histórias que cada um dos estúdios guardava.
Quase como um road movie, o registro não apenas mostra uma nova faceta ainda mais “rock” do que já havia sido explorada no disco anterior do grupo (“Wasting Light”, de 2011) como também revisita, de certa forma, grandes medalhões da música norte-americana. Road Movie mesmo: uma serie homônima, em vídeo, também foi feita documentando todo o processo de gravação. A série, exibida na gringa pela HBO, ganhou edição no Brasil pelo Canal Bis, que está mostrando (as 20h30 dos domingos) cada uma das músicas registradas nas cidades mencionadas acompanhando o tracklist do disco.
A gravação não apenas buscou levar o som da banda a novas dimensões, como bebeu das inspirações de cada um dos estúdios visitados, seja pelo clima das cidades em si, ou até pela certa aura que permanece nos lugares, decorrentes de “lendas vivas” (ou não mais tão vivas) que registraram clássicos nos mesmos estúdios. Não apenas um disco de rock, rock – como se costuma falar hoje em dia – mas também uma grande homenagem aos ícones da música americana, que tanto fizeram pela arte nos últimos 50 ou 60 anos. Empreitada bem original em Sr. Dave?
Bem, nem tanto assim…
Corta para 1988: Não bastasse ser frontman de uma das bandas maiores bandas do fim dos anos 80 – período, aliás, em que o mercado norte-americano ainda parecia uma barreira intransponível para bandas do Velho Mundo –, Bono Vox (do U2, lembra dele?) armou uma verdadeira empreitada para arrombar a porta do mercado musical na terra do Tio Sam na esteira do imenso sucesso do álbum “The Joshua Tree”: o filme/disco “Rattle and Hum”. O U2 daquele tempo vinha em uma curva ascendente e era saudado no mundo todo como uma das grandes bandas em atividade, no entanto, o mercado norte-americano só havia abraçado a banda com “The Joshua Tree”, seu quinto álbum. Como manter a chama acesa? O que fazer para que norte-americanos com um respeito quase religioso pela música do próprio país engolissem a veia européia dos irlandeses? Tentar educar os novos ouvintes? Ou vestir o som da banda com um verniz “americanizado” num viés de homenagem à música dos tais “ícones” norte-americanos? A banda abraçou a segunda opção.
Usando o country, a música gospel e até gravando parcerias com B.B King e Bob Dylan – nunca foi divulgado quanto a banda precisou gastar pelas participações “especiais” –, “Rattle and Hum” somou um total de 20 músicas (apenas 17 no vinil e no CD) que homenageavam os EUA. Misturando canções inéditas, gravações ao vivo e também covers, o disco expande o som da banda além de prestar tributo às suas raízes e influências no Novo Mundo. O filme, lançado simultaneamente, mostra um registro aparentemente despojado (aparentemente, ok?) dos bastidores das gravações, exibindo conversas com os convidados especiais além de takes de shows do período. Entre uma canção e outra, integrantes da banda comentam sobre a referência que ícones como Elvis, Dylan e Cia representavam para o som do grupo até então e até gravam no Sun Studio. Morderam a isca! O disco foi um sucesso comercial, e serviu pra fazer uma boa guinada da imagem do grupo no país.
No entanto, ainda que tenha atingido a marca de mais de 14 milhões de discos vendidos, foi o verdadeiro fim da picada pra muita gente que seguia o U2 na época – enquanto tentavam “homenagear os ícones norte-americanos”, Bono e companhia acabaram cometendo a indulgência de se colocar junto a tais ícones, quase como se quisessem ser adotados pelo país e pela música estadunidense como um todo. Com um olho na música e outro no mercado, o U2 emocionava em canções como “Angel of Harlem” e “All Along the Watchtower”, de e com Bob Dylan. Vale lembrar que a própria politização do grupo no período já causava controvérsia, e isso definitivamente não melhorou com a entrada da banda nos EUA, ainda que o líder da banda tenha escolhido a dedo os temas que a banda deveria abordar (a questão Israel/Palestina, por exemplo, foi “ignorada” por Bono).
Guardadas as devidas proporções, “Sonic Highways” nada mais é do que um “Rattle and Hum” atualizado, mas que em essência foi concebido sobre o mesmo propósito. É uma tentativa de se “estabelecer” entre os tais ícones norte-americanos enquanto maquiam de homenagem os tais ícones. Ao invés de forçar ouvintes a ouvir novas impressões – se em 1988 era difícil, imagine hoje em dia – Dave (assim como Bono) busca identificação, pois sabe que o ‘mimetismo’ com outros grandes nomes pode acabar gerando interesse em gente que nunca deu a mínima pra sua banda.
Há algumas diferenças óbvias entre os trabalhos, claro. O Foo Fighters já é um grupo com “jogo ganho” nos EUA, vivendo uma fase de profundo prestígio no país. Desta forma, a empreitada de “Sonic Highways” deve apenas sedimentar a moral da banda e até angariar novos ouvintes. O disco do Foo Fighters também traz medalhões (alguns desconhecidos aqui, mas idolatrados na terra do Tio Sam) como Rick Nielsen (Cheap Trick), Joe Walsh (Eagles) Gary Clark Jr. e a Preservation Hall Jazz Band, mas Dave evitou (sabiamente) os covers, concentrando-se em material totalmente inédito. O conceito, porém, não tem nada de inédito.
Essa reciclagem do Foo Fighters deixa a impressão de que as ideias (não só deles, mas de todo o mercado) estão se esgotando. Disco após disco, Dave Grohl cria um universo paralelo cuja narrativa acaba chamando mais atenção – senão sendo até mais importante – do que o conteúdo do álbum em si. Foi assim com o disco épico/duplo (“In your Honor”, de 2005), com a volta aos dias de garagem (“Wasting Light”, de 2011) e agora com “Sonic Highways”, mas, ok, as turnês andam esgotando e o público compra os discos, o que sinaliza acerto nas escolhas do Foo Fighters. Porém, uma vez que as músicas acabam sendo cada vez menos o item principal, o que esperar a seguir da banda? Se perguntado sobre, Bono talvez dissesse: uma hora a fonte de ideias (e reciclagens) seca, Achtung Baby…
– Bruno Leonel é jornalista e já entrevistou Sergio Dias e Siba para o Scream & Yell.
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Esse é o tipo de texto que mostra o preço que Dave Grohl paga por ser um cara bacana demais. A crítica adora ídolos atormentados, antissociais e escrotos, e quando se depara com alguém talentoso mas sem nenhum traço desabonador, simplesmente não tem outra reação a não ser procurar defeitos. “As ideias estão se esgotando”. Será mesmo? A única impressão que tive sobre o Foo Fighters nesse sentido foi quando saiu One By One, disco feito nas coxas e mal quisto até pelo próprio Grohl, que admitiu ter tido pressa demais de entregar algo novo. E ainda assim rendeu um dos maiores hits da banda. Se é o Foo Fighters, ou The National, ou até mesmo o Pablo do Arrocha utilizando esse pretexto do “road album” para se desafiar e pensar em algo com mais significado, qual é o problema? Existem discos cheios de boas intenções e composições ruins. Foi esse o caso aqui? Não ficou claro. Eles já estão com jogo ganho? Significa que só poderiam ter feito algo do tipo na época do Colour and the Shape? Deu-se tantas voltas pra comparar a banda com o U2 – algo que é curioso mas não guarda a menor correlação direta – que você sequer conseguiu escrever Rattle & Hum certo em todo o texto. Um abraço e melhor sorte na próxima vez.
Umas das coisas que mais gosto desses textos aqui no site é ver as fanzocas arrancando os cabelos. parabéns, Bruno, se elas arrancam o cabelo é pq vc tem razão.
Foo Fighters reciclando ideias dos outros desde 1995…
O Foo Fighters nunca me enganou! A única coisa boa e inteligente que a banda já fez foi o videoclipe de “Everlong”: http://1001videoclips.com/0115-foo-fighters-everlong/
Formiga, há formas e formas de desqualificar um trabalho, não interessa de que artista for. O próprio Mac já escreveu sobre o FF com as devidas ressalvas de forma mais inteligente em outras ocasiões. Daí a você publicar algo só pra dizer “Foo Fighters imita U2 em Rattle and Run (sic)” sem uma motivação mais consistente é dose. Fechou então o formato? Se fosse o Fountains of Wayne fazendo a mesma coisa estava todo mundo aqui com os cabelos do suvaco eriçados de tanta ansiedade. Enfim. Don’t feed the trolls, não é mesmo? Abraços.
o U2 tem um grande disco que foi subestimadíssimo, mas que envelheceu muito bem o ” Zooropa “
Marcelino, acho que a questão que o texto propõe é: Dave Grohl é um reciclador, de ideias (como escreveu o João Paulo), e o exemplo do texto é eles copiarem a ideia do U2. Ainda não vi a série pq não tenho Bis, mas vi o Mac falando e fiquei interessado mais pelo caráter histórico do que pela banda, que nasceu reciclando o Nirvana e, 20 anos depois, segue reciclando tudo que vê pela frente. Não tinha visto ninguém comparar Rattle and Hum com Sonic Highways, e achei o paralelo excelente. É fácil ser um cara bacana usando as ideias dos outros.
Mas aí é que está (e agora estamos entrando num debate saudável): o que é que se espera do Grohl? Que tipo de originalidade? Os Rolling Stones não estão há 25 anos reciclando as mesmas ideias? E o AC/DC? Os discos do Queens of the Stone Age são tão diferentes assim um do outro? Exige-se dessas bandas alguma variação, inovação ou ideia fora da caixa, ou a mesma competência de sempre fazendo o que sabem fazer?
Sei que você e talvez outros tenham achado que foi só um chilique de fanboy, mas o que defendo é que o Foo Fighters faz um rock simples e direto com uma competência e sinceridade que vejo pouco por aí. O Oasis era uma banda assim, ainda que com matriz diferente. Muita gente pode dizer que “isso não basta”, mas discordo em enxergar o Grohl como um mero decalcador de ideias. E ainda acredito que se ele fosse mais pau no cu, com o Kurt era, talvez fosse visto com outros olhos. Não sei se isso é bom ou ruim.
Aliás, Sonic Highways, o disco, tem só 8 músicas e quase todas escapam do verso-refrão-verso de 3 ou 4 minutos dos discos anteriores. Até falei outro dia: 2014 foi um ano tão maluco que o Pink Floyd lançou um disco de 18 músicas curtinhas e o FF lançou com menos de 10, com cada uma durando de 5 a 7 minutos em média. Eu acho que dentro da zona de conforto deles, foi um passo interessante. E se for pra ampliar os horizontes, eu gostaria de estar vendo mais Rattle and Hums sendo feitos por aí. Filmes de bastidores de gravação, quando feitos por gente que tem tesão em gravar, são muito interessantes, não importa o gênero.
Marcelino, entendo que o Bruno Leonel tenha feito um contraponto estritamente entre a forma de produção de disco/documentário feita pelo Foo Fighters agora e o que o U2 fez com Rattle and Hum, sem necessariamente comparar as bandas nos aspectos de som, letras etc.
Acho a ideia do Sonic Highways muito boa e tenho assistido ao documentário, que é ótimo, ao contrário do disco, que acho apenas bom. Aí há um risco, se grande ou não, mas importante e citado pelo autor do texto. Quando a forma de se apresentar um trabalho como gravado, entrevistas com produtor, músicas etc, torna-se mais interessante que o próprio conteúdo (o disco) que sairá daqueles estúdios.
As críticas não tão favoráveis ao Foo Fighters e Dave Grohl, em minha opinião, não se relacionam ao cara gente boa, super simpático, amigo de grandes nomes da música que ele é, mas simplesmente pelo som feito que não emociona, não seja tão relevante, independente de vender discos ou não, ganhar prêmios ou não. No caso deles, bastante.
E também não acredito que o disco de um artista tenha de ser totalmente diferente um do outro, mas que traga algo genuíno (embora cheio de influências), que emocione, que tenha várias músicas acima da média. Pegando o seu exemplo, QOTSA e Oasis e ainda Radiohead, Arcade Fire, têm isso em mais de um disco, o que eu não enxergo no Foo Fighters e, de novo, não pelo fato de Dave Grohl ser o cara simpático que é, mas pelo som sem identidade, mais do mesmo, só que irrelevante, em minha opinião.
Marcelino, espera-se de todo artista o tipo de originalidade que não permita textos como esse. O Foo Fighters nasceu como uma depuração do lado melódico do Nirvana, mas não muito pesado para não deixar de tocar em FMs e na MTV, que na época era bastante forte. E oito discos depois eles não avançaram um milimetro que seja de ser um rascunho pobre do Nirvana. Os Stones, que você citou, por exemplo: se essa discussão estivesse sendo feita em 1967, você teria total razão, porque eles passaram seus primeiros anos reciclando Beatles, Chess Records e bluesmans americanos. A partir de 1968 eles começam a criar algo novo, que irá ser retrabalhado durante os anos seguintes. E se você acha que eles sempre fizeram os mesmos discos não conhece a carreira da banda. Diferente de um monte de bandas que você citou, o Foo Fighters não construiu um som próprio, mas trabalha com o que sobrou de algo que outro construiu. E, pior, continua pegando ideias dos outros, como essa série roubada do U2.
Entendi seu posicionamento, mas respeitosamente discordo. Fica parecendo que é obrigação do Foo Fighters soar totalmente diferente do Nirvana ou superá-lo no que eles foram enquanto existiam. Pra mim é outra banda, que tem que ser analisada simplesmente pelo que são. Não vou me estender mais porque já disse o que queria dizer, mas sigo acreditando que essa muleta de comparação nubla a visão de muita gente. E tem uma porrada de artista por aí tão ou mais derivativo que FF que conta com muito mais boa vontade por serem mais “trendy”.
Imagino se o Paul Weller fizesse um documentário tipo o Sonic Highways. Ia chover links na indiesfera, e ninguém pra citar o quão aquilo era mais ou menos relevante do que a carreira no Jam ou Style Council.
A fase de destaque/renovação dos Stones que você citou durou, sendo bonzinho, até o Tattoo You. Daí pra frente tem uma porrada de discos dos quais você pinça umas 2 ou 3 músicas, no máximo, que ficam pra história, sempre revirando o que a banda já fez. É uma comparação que chega a ser esdrúxula até porque o tempo de carreira é muito maior, mas volto a dizer: nada de novo. E olha que eu gosto bastante do A Bigger Bang.
Marcelino, também acho a comparação do Foo Fighters com o Stones esdruxula, mas quem a fez foi você, só peguei o que você falou e comparei. Quanto a imaginar o que aconteceria SE esse ou aquele artista fizesse algo como o Foo fez (que foi copiar o U2), deixo para a sua imaginação. O que a gente tem aqui é algo real, e ficar conjugando o “SE” é tirar o foco do real: o Foo Fighters é um grupo mequetrefe.
Será que o Foo Fighters um dia lançará um álbum (duplo) tão bom quanto Achtung Baby ( e Zooropa)? Aguardemos. Eu aposto que não, hehe.