por Adriano Costa
A cada ano que passa fica mais comum para cada pessoa se pegar pensando na idade, no passar do tempo, nas escolhas feitas e no que ainda virá pela frente. Mesmo aqueles que focam sempre o futuro tendem a, pelo menos durante um breve momento, tecer considerações mentais sobre essas questões. É normal e inerente ao processo de envelhecer, e irá acontecer, em maior ou menor proporção, a cada um de nós em seu devido momento.
O escritor Paul Auster passou incisivamente por isso em 2011, então com 64 anos, e o resultado foi “Diário de Inverno” (“Winter Journal”, no original), que foi publicado nos Estados Unidos em 2012 e ganha agora edição nacional pela Companhia das Letras. O trabalho tem 214 páginas, tradução de Paulo Henriques Britto e mostra um autor completamente tranquilo e sem medo de se desnudar na frente de seu público.
Para quem já conhece livros anteriores de Auster, “Diário de Inverno” tem sentido em explicar agruras, realizações e fatos marcantes da sua vida. Para quem ainda não leu nada escrito por ele (uma lacuna que necessita ser preenchida, cabe ressaltar), o livro é uma declaração poética, gradualmente bem-humorada e com uma boa carga de dor e de arrependimento que serve para validar toda uma existência, como também é uma reflexão sobre o envelhecimento, sobre a afirmação de certezas e o surgimento de dúvidas.
Paul Auster já havia feito algo do tipo em seu “A Invenção da Solidão”, seu primeiro livro de prosa publicado em 1982, e que lhe trouxe bastante fama. Nele, Paul refletia sobre o pai (e seu falecimento) e sobre o filho, além de outros ensaios. Nessa nova coleção de memórias o foco se concentra mais na mãe e na esposa (a também escritora Siri Hustvedt). Para isso, Paul regressa a infância e passa por baques, quedas e cicatrizes dessa época da mesma maneira que viaja para episódios mais recentes, como o acidente de carro em 2002 que quase vitimou a esposa e a filha com ele ao volante (e que o atormenta até hoje).
A maneira encontrada para contar esses fatos reais é como se o autor estivesse conversando consigo mesmo, como em um exercício de meditação e ponderação, um estilo que pode até sugerir ficção se o leitor se descuidar um pouco. Paul Auster aborda levemente questões como preconceito, aborto e política, acrescentando a isso suas experiências pessoais, que passam igualmente pela virgindade perdida no Queens, pela época em Paris nos anos 70 convivendo entre o amor e as prostitutas, pela carreira de diretor de cinema, além dos diversos lugares em que morou (mais de 20) e que rememora de maneira bem distinta e amável durante as páginas da obra.
O que impressiona em “Diário de Inverno” não é somente a costumeira destreza que o autor tem em posicionar palavras no papel, mas a escolha em transportar de modo bem peculiar histórias pessoais e visões sobre si mesmo, como essa: “Uma pessoa perfeita e machucada, um homem que tem uma ferida aberta dentro de si desde o início (senão, porque teria passado toda a vida adulta sangrando palavras numa página?)”. O tempo não compra passagem de volta, e Paul Auster sabe disso, mas apesar da finitude da vida lhe assustar vez ou outra, ele transforma esse sentimento em mais um bonito livro e mostra que, no seu caso, a velhice está longe de ser um naufrágio.
– Adriano Mello Costa (siga @coisapop no Twitter) e assina o blog de cultura Coisa Pop
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