por Daniel Tavares
Você já ouviu falar de Dan Mulligan e Gretta? Não? Bem, Dan já foi sócio de uma gravadora, lançou muitos rappers de sucesso, mas hoje em dia dorme com os pés sujos e paga por uma cerveja oferecendo o nariz para um soco. Gretta, por sua vez, é compositora, tem uma linda voz, dentes desarrumados e levou um fora do namorado com quem dividiu a vida e as canções por cinco anos. A vida, definitivamente, não é fácil.
Os nomes Gregg Alexander e Danielle Brisebois também não devem dizer muito pra você. A diferença entre a dupla do primeiro parágrafo e a segunda é que apenas a última é de gente real. Gregg é o principal nome por trás dos New Radicals, banda norte-americana que teve uma carreira curta e lançou apenas um álbum, “Maybe You’ve Been Brainwashed Too”, em 1998, e fez certo sucesso conquistando a atenção de fãs (alguns ilustres).
The Edge, guitarrista do U2, chegou a declarar que “You Get What You Give” era “a música que mais lhe causou inveja e que adoraria tê-la escrito”. Já Marylin Manson e Courtney Love, chamados de falsos na letra, não devem ter gostado nada da canção. Após a dissolução do New Radicals, em 2000, Gregg focou sua carreira em escrever músicas para medalhões como Rod Stewart, Enrique Iglesias e Belinda Carlisle (“Game Of Love” fez um grande sucesso num dueto de Santana com Michelle Branch), entre outros.
Agora a parte feminina: Danielle Brisebois nunca foi muito conhecida como cantora. É dela a voz em algumas faixas de “Maybe You’ve Been Brainwhashed Too” e algumas canções suas foram sucesso na voz de Kylie Minogue, Donna Summer, Kelly Clarkson, entre outras, mas seu trabalho como atriz, ainda que discreto, chegou de forma mais direta ao público (incluindo uma ponta como cantora no premiado “Melhor é Impossível”, de James L. Brooks).
Assim como Gregg e Danielle, a personagem Gretta é, principalmente, uma compositora. São suas algumas das principais músicas interpretadas por Dave Kohn (Adam Levine, do Maroon 5 e The Voice) em um filme que já teve três nomes em poucos meses (todos péssimos): “Begin Again” (nome oficial), “Can a Song Save Your Life?” (nome anterior, que inclusive está em algumas cópias em cartaz no Brasil) e “Mesmo Se Nada Der Certo” (esquecível nome do filme em português).
Do começo: Dan (Mark Ruffalo) e Gretta (Keira Knightley ) se encontram num bar (enquanto ele enche a cara e ela canta sem que ninguém preste atenção) e passam a interferir positivamente na vida um do outro. Ele a convence a cantar suas próprias canções e a gravar um disco em vários pontos da cidade de Nova York. Ela, por sua vez, ajuda na recuperação da autoestima dele, do seu emprego e até do respeito de sua filha adolescente com tendência a periguete (Hailee Steinfeld, de “Bravura Indômita”), do pai e por si própria.
Até aqui, “Mesmo Se Nada Der Certo” (“Begin Again”, 2014) é só mais um filme de redenção, mas é no processo de realização do disco de Gretta que a trama se valoriza mais como homenagem à música do que como uma despretensiosa comédia romântica. Cada faixa (boa ou não) ganha alma, uma identidade própria como aquele grupo de músicos que se reúnem pelos mais diferentes motivos (completam a banda no filme dois nerds, dois músicos de estúdio contratados, um tecladista que deixa um emprego medíocre ao saber que Dan Mulligan está envolvido no projeto, o melhor amigo de Gretta, um músico de rua que coleta objetos de estúdio descartados e até mesmo a filha de Dan, considerada uma péssima guitarrista).
Os rappers Mos Def (ou Yasiin Bey, como queiram) e CeeLo Green (outro jurado do The Voice norte-americano) também aparecem no filme em papeis coadjuvantes. Mos Def é o sócio de Dan, com quem dividiu uma capa da revista Time na época áurea da gravadora e toma a decisão de demitir o amigo após suportar sua apatia por anos. CeeLo é Trouble Gum, um artista revelado anos antes por Dan, que tem um mordomo branco e um assessor que anota todos os seus pensamentos e é capaz de conseguir vender milhares de discos com um tuíte (outra grande sacada do filme).
Mark Ruffalo está bem. Não é uma atuação digna de Oscar – passa longe disso, alias –, mas vive bem o antes vitorioso e agora fracassado produtor. Keyra Knightley, por sua vez, surpreende ao cantar. Sua voz é doce, delicada e só ao ver a ficha técnica (ela canta seis canções da trilha) é que acreditamos que ela não está apenas dublando. Por sua vez, Adam Levine não compromete ao atuar – até porque boa parte de suas cenas o mostram fazendo o que sabe fazer.
O nome por trás de toda essa história é John Carney, também responsável pelo elogiado “Apenas Uma Vez” (“Once”, 2006), cujo argumento é até parecido e abre margem para muitas comparações. “Once” chegou a ganhar o Oscar de Melhor Canção em 2008, com “Falling Slowly”, parceria com Glen Hansard (The Frames). A trilha sonora tem a cara do New Radicals soando até como um segundo lançamento da banda (embora não seja).
Destacam-se as versões de “Lost Stars” (que também aparece no novo álbum do Maroon 5 e até joga uma luz sobre o disco: será que eles deixaram de ficar preocupados em se mover como Mick Jagger e decidiram criar música como ele?) e “Tell Me If You Wanna Go Home” (Rooftop Mix), com o tímido – porém poderoso – solo de guitarra e Hailee Steinfeld, além de “A Step You Can’t Take Back”, uma canção que pode salvar uma vida. Na trilha sonora, as músicas creditadas a Cessyl Orchestra são, na verdade, cantadas por Gregg Alexander, sendo o nome da tal Orquestra nada mais que um pseudônimo.
Com um orçamento de apenas US$ 10 milhões e bilheteria de cinco vezes mais que isso (US$ 52 milhões em todo o mudo), “Mesmo Se Nada Der Certo” é um bom filme que consegue fugir da obviedade, embora não escape de alguma pieguice. Eis uma história para assistir prestando atenção na trilha sonora. Aqui é a música o personagem principal, e, além de emocionar, é ela que tem, ao final, que viver feliz para sempre.
Ps: É sempre bom lembrar: quem tem bom gosto, gosta de Leonard Cohen.
– Daniel Tavares (Facebook) é jornalista, mora em Fortaleza e já escreveu sobre Amadou Diallo e Bruce Springsteen (aqui), Nando Reis (aqui) e Roberto Carlos (aqui)
Daniel, assisti ao filme essa semana, obrigado amavelmente por citar Danielle Brisebois e Gregg Alexander, eu sou um grande super fã de longa data de ambos, e é quase impossível encontrar alguém no Brasil que admire o tranalho dos dois, desde o fim da banda New Radicals. E graças à eles, eu cheguei ao filme, que é lindo e tem uma trilha sonora poderosa, que claro, 99% das canções compostas por eles!
Muito bom! Ganhei meu dia após ler este post e sai com uma trilha sonora maravilhosa pra ouvir durante a semana e todas as boas lembranças que a voz do Greg Alexander me traz. Concordo demais com o Jan Kleber acima.
Obrigada pelo excelente post!
Se todos os filmes fossem maravilhosos com os ‘PADROES’ exigidos sempre pelos críticos seria tão maravilhoso, mas a filmes mais simples que mostram muito mais poder ao assistir do que aquele que você vê e em 30min nunca mais lembra do filme…Prefiro filmes simples como este e que traga uma mensagem positiva ou reflexiva de qualquer assunto….filmes caros ou ‘ACLAMADOS PELA CRITICA’ quase sempre não mão dadas comprometimento mas sim o o retorno financeiro que as vezes merece, adoro o blog difícil ver algo tão ruim aqui!