Para uma pauta de Flávia Durante publicada na revista Dufry World
A quais festivais de música no exterior você já foi?
Espero que eu não esqueça nenhum: Rock Werchter e Cactus Festival, na Bélgica; T In The Park, na Escócia; Isle of Wight e I’ll Be Your Mirror, na Inglaterra; Primavera Sound e Festival de Benicàssim, na Espanha; Norwegian Wood, na Noruega; Best Kept Secret, na Holanda; Coachella e New Orleans Jazz Festival, nos Estados Unidos; Personal Fest, na Argentina; Primavera Fauna, no Chile. Neste ano devo ver mais três diferentes: Oya Festival, na Noruega; La Route Du Rock, na França; Stockholm Music & Arts, na Suécia.
O que leva você a correr o mundo atrás de festivais?
A paixão pela música: o bacana de um grande festival é que você tem a oportunidade de ver diversas atrações diferentes de uma vez. Isso é sensacional e é algo que estamos experimentando apenas agora, com o Lollapalooza. Minhas viagens são sempre pautadas por shows: tento ir de uma cidade para a outra (principalmente na Europa) sempre encaixando o show de um artista que quero ver. Nos Estados Unidos, por exemplo, quando fui ao Coachella em 2011, que acontece na Califórnia, saindo dali voei para Chicago a fim de ver dois shows do Arcade Fire com o National, e dali para Columbus, Ohio, ver o Decemberists. O roteiro mais maluco que fiz foi o de 2012, em que vi Zombies, Elvis Costello, Big Star e o festival I’ll Be Your Mirror em Londres, fui para Barcelona conferir o sensacional Primavera Sound, e dali passei por Paris (Guns n’ Roses… porque um amigo queria ver, risos), Luxemburgo (Lou Reed), Cork (Tom Petty), voltei para Barcelona para ver Stone Roses, fui para Trieste, na Itália, conferir Bruce Springsteen e terminei em Amsterdã, onde o Afghan Whigs iria se apresentar. É cansativo, mas acabo indo a lugares sensacionais atrás de shows, provavelmente cidades que eu não iria normalmente.
Qual história mais interessante ou engraçada você já viveu em uma dessas viagens?
São muitas. Desde confundir um trem na Bélgica (“Leuven e Louvain, same name”, me disse o cobrador do trem na Bélgica para explicar que duas cidades belgas tem o mesmo nome, um em flamengo, outro em francês, mas eu estava indo para a errada. Eu deveria ir para a cidade com nome em francês, mas acabei quase na divisa com a Holanda do outro lado do país – não precisa muito, afinal o país é pequeno, mas o casal de amigos que estava me esperando para o Rock Werchter achou estranho de não chegarmos no horário combinado). O interessante é observar costumes locais. A comida creole do New Orleans Jazz Festival deverá ser, eternamente, uma das melhores comidas que já experimentei em festival. No Coachella não se pode consumir bebida alcóolica no meio do festival, apenas em áreas cercadas; por sua vez em Bruges, no Cactus Festival, havia umas 10 cervejas diferentes ofertadas ao público. Minha mulher comprou hambúrguer de carne de avestruz no Isle of Whigt, e percebi no primeiro momento que a carne era mais densa, estranha, mas depois ela me mostrou um cartaz na barraquinha em que comprou fazendo comparativos sobre carne saudável. Na Holanda, era mais barato comer dentro do festival do que fora (algo inimaginável no Brasil), e eram pratos mesmo, comida para sustentar a pessoa para oito, dez horas de shows. Em Benicàssim, para fazer amizade com os barmans, pedíamos em espanhol: “Una caña, por favor”, e eles puxavam papo, agradeciam por pedirmos em espanhol e reclamavam dos hooligans britânicos que causavam no evento. Uma das histórias que mais gosto de lembrar em festival aconteceu exatamente no Benicàssim, e descrevi assim no meu blog (sempre faço diários):
A primeira coisa que fiz ao entrar no FIB foi ir direto comer um taco numa barraquinha de comida mexicana. Facada: 10 euros, mas valeu, estava bem bom. E estou eu lá, no meio do prato, quando cola uma menina ao lado: “Você fala inglês ou espanhol?”. E eu: “Não falo bem nem um nem outro, mas diga”. Ela: “Cara, estou com muita fome, você pode me dar um pouco da sua comida?”. O nome dela era Roxanne, era francesa e depois de duas garfadas – cujo sabor deu para perceber em seus olhos – se despediu: “Como se diz bon appetite em português?”
Já tinha acontecido algo assim no primeiro dia, antes mesmo de eu pegar a pulseira do festival. Do lado de fora, uma barraca vendia copos de cerveja de 1 litro por 6 euros. Com o sol a pino, decidi encarar. Uma inglesa colou em mim no balcão e desembestou a falar. E eu: “Calma, calma, devagar”. E ela: “Você é alemão? Fala inglês?”. E eu: “Mais ou menos”. E ela: “Legal, você me entende. Me empresta 2 euros para eu comprar um kebab?”. O atendente, espanhol, comentou: “Você devia ter dito que não sabia falar inglês”. (risos)
Qual dica você dá para “marinheiros de primeira viagem”?
Aproveitar os percalços que surgem pelo caminho porque tudo é aprendizado. E, sobretudo, respeitar a tradição local. Uma vez em Istambul peguei o barco que segue pelo Bósforo alternando paradas, de um lado no Oriente, do outro no Ocidente. O ponto final era numa cidadezinha quase na entrada do Mar Morto. Vi um restaurante simples assando peixe fresco numa grelha e decidi sentar para comer. Pedi uma cerveja, e fui informado que eles não tinham. Enquanto minha mulher esperava na mesa, fui a uma vendinha e comprei duas latas de cerveja e voltei para a mesa. Quando ia abrir a primeira, o rapaz do restaurante voltou e me informou: “Nós não temos cerveja porque nossa religião não nos permite consumir nem vende-la, e por isso pedimos que nossos clientes não consumam aqui”. Na hora fiquei contrariado, mas guardei a cerveja na mochila e percebi que eu estava na terra dele, na casa dele, e deveria respeitar suas tradições. Mark Twain tem uma frase que adoro, e que resume isso: “Viajar é fatal para o preconceito, a intolerância e as ideias limitadas. Não se pode ter uma visão ampla, abrangente e generosa dos homens vegetando num cantinho do mundo a vida inteira”. Acredito nisso.