texto por Marcelo Costa
fotos por Liliane Callegari
Idealizado em meados dos anos 90 para promover o intercâmbio cultural entre Brasil e Reino Unido, o Festival Cultura Inglesa debutou com estilo em 2011, ano em que completou 15 anos, aumentou consideravelmente o tamanho e comemorou a data com shows de Gang of Four e Miles Kane. No ano seguinte foi a vez de The Horrors e Franz Ferdinand subirem ao palco e, em 2013, Kate Nash e Magic Numbers fizeram as honras. Para 2014, a extensa programação que incluía cinema, espetáculos, bate-papos e exposições, entre outros eventos, teria como celebração os shows dos galeses do Los Campesinos e dos ingleses do Jesus and Mary Chain no Memorial da América Latina, em São Paulo.
Se a ideia era promover um intercambio entre Brasil e Reino Unido, o tempo nublado que tomou a capital paulista já na manhã de sábado foi um belo acréscimo ao festival, que perdeu em público (cerca de 19 mil ingressos foram requeridos – ou gratuitamente em postos de distribuição ou ao preço de R$ 5 pela internet – sendo que 12 mil estiveram presentes ao festival), mas ganhou em charme (e fez a festa dos vendedores de capas de chuva). A chuva, na verdade, foi o menor dos problemas, principalmente para quem chegou cedo e sofreu com Monique Maion interpretando canções de Amy Winehouse em arranjo minimalista (piano, baixolão e voz) e desastroso/tedioso que, talvez, funcionasse em um pub. Talvez…
Na sequencia, o sexteto Los Campesinos focou o repertório em “No Blues” (2013), quinto álbum e mais recente da banda, responsável pela abertura da noite – com a ótima “As Lucerne/The Low” – e mais quatro canções “menores” (“What Death Leaves Behind” funcionou bem ao vivo, mas “Cemetery Gaits”, por exemplo, não honra a citação direta aos Smiths). Porém, as canções mais “antigas” (o primeiro disco é de 2008), como “Romance Is Boring” e a popísima “We Are Beautiful, We Are Doomed”, melhoraram o show, que terminou em clima alto astral com o single “You! Me! Dancing!” (em versão compacta) e a ótima “Sweet Dreams, Sweet Cheeks”. Um show correto, ainda que o som da banda soe um tiquinho derivativo.
Fechando a programação, o Jesus and Mary Chain provou por a + b como é uma banda cujo show é indicado apenas para fãs, pois só eles para entenderem e aceitarem um grupo que erra três canções do próprio repertório (incluindo o hit “Just Like Honey”, com o vocalista Jim Reid se confundindo entre o retorno baixo no palco e as caixas despejando um som potente na frente do gargarejo) e toca canhestramente hinos do quilate de “Head On”, uma canção tão foda lançada em 1989 a ponto de Frank Black, apaixonado, regrava-la com o Pixies no álbum “Trompe Le Monde”, dois anos depois, e que ao vivo em São Paulo lembrou um Eddie Cochran desmotivado tocando com um amplificador com os alto falantes furados nos anos 50.
Ainda assim houve momentos de brilho, como em “Far Gone and Out” e “Between Planets”, que surgiram corretas e com o guitarrista William Reid não errando a ponto de desconcentrar os outros quatro presentes no palco. Aparentemente bem humorado – ele agradeceu desajeitadamente algumas vezes e até mandou um beijo para a plateia, o vocalista Jim Reid lamentou antes de “Blues From a Gun”: “Parou de chover…”. Algum santo roqueiro piadista não perdeu a deixa, e bastou o hino “Happy When It Rains” ecoar pelas caixas de som (em versão robusta e comovente) para que a chuva retornasse ao Memorial, batizando aqueles que, confiantes, haviam rasgado suas capas de chuva.
Mantendo o padrão de shows curtos desde sempre (pouco mais de uma hora num set list de 16 músicas), o Jesus and Mary Chain fez um show… Jesus and Mary Chain: do meio pra frente, Jim ficou muito incomodado com o desleixo do irmão, e erros se sucederam (além de “Just Like Hpney”, “Sidewalking” e “Halfway to Crazy” também foram reiniciadas – o público contribuiu ovacionando as duas batidas no bumbo do começo de “Some Candy Talking” achando que fosse “aquela” canção do filme “Lost in Translation”), mas a versão potente de “Reverence”, deliciosamente alta e suja, fez valer a falta de cerveja, a chuva na cabeça e o tempo sofrido com Monique Maion. Pode parecer pouco (e realmente é), mas ainda assim teve gente que deixou o Memorial não só de corpo molhado, mas também de alma lavada. Os santos do rock n’ roll entendem.
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne
– Liliane Callegari (@licallegari) é arquiteta e fotógrafa. Veja mais fotos do festival aqui
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– Relançamentos: todos os discos do Jesus and Mary Chain em edições triplas (aqui)
– Quatro mixtapes sobre o Jesus and Mary Chain: hits, covers, raridades e influenciados (aqui)
O cachorro-quente de 15 reais merecia uma citação 😛
Hoje vou ver o show do Jesus and Mary Chain aqui no Rio. Fiquei animado com essa resenha, aumentou ainda mais minha ansiedade, rs.
João, as barraquinhas de comida eram as mesmas da Feirinha Gastronômica (com exceção da de Fish and Chips, que foi montada para o evento), e seguiram os preços de lá. Achei a oferta variada de comida boa, e qualquer coisa era só sair na frente do evento e comer um hot dog tradicional de porta de show por R$ 10, né.
Far Gone and Out é do Honey’s Dead. Corrige aí o lance da dobradinha.