por Lucas Guarniéri
Somos arquitetos por natureza. Construímos uma série de coisas ao longo da vida. São tijolos de afetos, vigas que sustentam amizades e pilares que suportam todo o peso das incertezas sobre a nossa existência. Ao se tratar da morte, o artífice não leva sua obra para o túmulo. Ela permanece com potencial de eternidade, se conservada pelos que remanescem. É disso que “Benji” se trata. O sexto álbum de Mark Kozelek – que no cartão de visitas se apresenta como Sun Kil Moon – traz uma fotografia borrada na capa, foi lançado pelo selo próprio Caldo Verde e trata do fim, maravilhosamente.
Há 11 músicas no conjunto. Quase todas falam da morte. Isso é ruim? Pelo contrário. São histórias narradas em uma espécie de álbum documental, com um violão tímido e uma voz rouca de pano de fundo, porque a sonoridade fica como alicerce auxiliar já que a grande protagonista da obra são as letras. “Carissa tinha 35 anos / Você não pode simplesmente criar dois filhos e tirar o seu lixo e morrer / Ela era minha prima de segundo grau, eu não a conhecia bem / Mas isso não significa que eu não estou aqui por ela ou que eu não posso dar-lhe a poesia da vida para se certificar que seu nome seja conhecido através de todos os mares” – é falando de sua prima que mal conhecia – Carissa, cujo nome também é título da faixa – e sobre a estranha maneira como morreu que Mark começa “Benji”.
A temática da perda continua em “I can’t live without my mother’s Love”. A honestidade com a qual a ausência é tratada humaniza o álbum. E parece transparecer na elaboração instrumental. Com poucos instrumentos, a perda é quase palpável. É como se para Kozelev, a morte fosse menos obscura. Em acordes descomplicados e delicados, o álbum segue leve em sonoridade e denso em sentimentos. “Minha mãe tem setenta e cinco / Um dia ela não vai estar aqui para me ouvir chorar / Quando chega o dia de deixá-la ir / Eu vou morrer como um limoeiro na neve”.
Além de tristezas, o compositor continua a abordar sua família quando fala dos ensinamentos de seu pai em “I Love my dad”. “E então meu pai me sentou, ele disse que você tem que amar todas as pessoas, rosa, vermelho, preto ou marrom (…). Eu te amo, pai”. E é ao falar de amizade que “Benji” atinge seu ápice. “Ben’s my friend” é a faixa mais destoante das demais. Arranjos de instrumentos de sopro e uma leve flertada com o hip hop, fazem parte do composto apetecedor da faixa que foi dedicada a Ben Gibbard – vocalista do Death Cab For Cutie e ex Postal Service. Aqui, o tom documental fica mais evidente do que nas outras faixas. Mark literalmente narra como conheceu Ben na faixa mais animada do álbum. Conta também um pouco de seu processo criativo de compor o álbum em uma espécie de metalinguagem, “Eu precisava de mais uma faixa para terminar meu registro / Eu estava me sentindo sem combustível e sem inspiração / Deitado na minha cama, também pendurado, um pouco para baixo, um pouco cansado”. A música segue, sem refrão e sem repetir uma frase sequer.
É quase perceptível que, aos 47 anos, Mark Kozelek está naquela fase da vida onde os questionamentos existencialistas e a percepção da fragilidade de sua existência o açoita sem piedade. O resultado direto disso é “Benji”, um álbum cuja temática – a mortalidade – não é dos assuntos mais originais, porém, poucos o trataram como ele o fez, lidando com seus demônios internos e transformando tudo em poesia. Mark Kozelek, pela alcunha de Sun Kil Moon, arquitetou e construiu uma obra cujo tempo vai decidir se permanece em memórias, ou se morre em uma similaridade com o tema em seu álbum. Quer saber: que seja eterno (enquanto dure).
– Lucas Guarniéri (@cemcruzeiros) é mineiro, estudante de publicidade e apreciador da boa arte