por Leonardo Vinhas
“Cheguei Bem a Tempo de Ver o Palco Desabar” é um livro cheio de conclusões – sobre a música, sobre seu mercado, sobre nossa relação com ela e sobre a carreira de seu autor, Ricardo Alexandre, ex-editor da Bizz e de diversas outras publicações. É também um livro sobre abandonar as ilusões mais poderosas, daquelas que fazem com que a imaginação juvenil viva se atropelando coma realidade inescapável, estraçalhando ingenuidades e demolindo espíritos menos resistentes. É, ainda, um livro sobre o que fazer com sua vida quando essa ficha cai, e não lhe resta nada a não ser pagar o preço de viver, sem parcelamentos ou descontos.
Ricardo (também autor dos livros “Dias de Luta” e “A Vida e o Veneno de Wilson Simonal) é, como autor, um personagem contraditório, que vilipendia executivos de sapatênis e gel no cabelo ao mesmo tempo que reconhece sua necessidade de se adequar aos ditames do mercado para poder sobreviver; é um cristão que acredita que sua fé é mais contracultural que a música que o apaixonou, capaz de enxergar (justificadamente) conformismo em Charlie Brown Jr e Los Hermanos, e não tão propenso a identifica-lo no ideário religioso no qual vive. Isso só torna o livro mais interessante, e seus dilemas mais humanos. Entre a precisão do jornalista apaixonado pelo ofício (o que inclui a apuração exaustiva) e a imprecisão necessária à boa crônica, Ricardo cunhou um livro obrigatório para os cinco mil (número provável) fãs ainda dispostos a pensar sobre música (e pagar por coisas relacionadas a ela), mas que não faria mal se disseminado entre estudantes de jornalismo, historiadores interessados no contemporâneo e jovens relutantes em (ou mesmo pouco propensos a) aceitar que objetivos dependem de muita ralação e não raros fracassos, e que mesmo o fato de “fazer tudo certo” garante que os sonhos, esse câncer que cura e mata ao mesmo tempo, se realizarão.
Não faltam no livro histórias de insider de quem passou pelos bastidores da indústria fonográfica, e esteve presente na trincheira mais famosa do jornalismo musical quando este se encaminhava para a irrelevância. É necessário frisar que este era um tempo de grandes esperanças, de altas apostas emocionais, de gente virando sua vida no avesso para fazer seus desejos acontecerem – enfim, era um tempo de sonhos, e havia a ilusão de que muitos sonhavam juntos. Porém, como você já deve percebido, o mundo rumou para um individualismo extremado, com o velhusco dito “pouca farinha, meu pirão primeiro” virando lema de muita gente, mesmo quando a farinha é abundante.
Neste trajeto, você fica com visões bastante interessantes para a decadência criativa d’O Rappa pós Marcelo Yuka, a adoração afetada e o culto radical pelos Los Hermanos, a mão de chumbo de Rick Bonadio no pop recente, entre outras tantas histórias. E terá munição farta para aprender a lição que o jornalista André Forastieri ensinou ao autor: os artistas sempre vão nos decepcionar. E verá também que podem surpreender. Pergunte ao Ricardo Alexandre sobre a Pitty (ou melhor, leia o capítulo sobre a baiana) para entender esse último caso.
São “causos” saborosos, sim, e valem seus caraminguás (mesmo que eles sejam ganhados quando você veste sapatênis e usa gel no cabelo). Entretanto, a reflexão que o livro causa toca em questões mais profundas. Há uma interseção com “Everyone Loves You When You’re Dead”, do norte-americano Neil Strauss, no sentido de que ambos são trabalhos de um jornalista amante da cultura pop que usa sua experiência escrevendo sobre música e afins para chegar às suas conclusões pessoais, que falam sobre seu meio de vida, e também o transcendem, discutindo nossas relações com trabalho, família, arte e futuro. Sendo este último provavelmente o mais assustador de todos.
O que o livro de Ricardo Alexandre mostra é que o futuro está logo ali, e esse passado que tanto amamos (ou desprezamos, em certos casos), foi construído por gente tão passível de falhas, tão insegura e mesquinha, tão capaz e dedicada, quanto nós podemos ser. Ou melhor, quanto nós escolhemos ser. Porque, no fim, tudo se trata de escolhas: escrever sobre música ou sobre viagens, trabalhar como caixa do banco ou brigar pela gerência da empresa, ouvir Los Hermanos ou ignorar sua existência, trabalhar de bermudão no quiosque de praia ou de camisa polo no escritório “muderno” – são escolhas, ou ao menos consequências de nossas escolhas.
Pode parecer óbvio, mas é algo muito difícil, que vai ficando mais penoso para cada nova geração. Para quem você acha que os portugueses do Deolinda compuseram “Parva que Sou”? Ou sobre quem cantam os argentinos El Mató Un Policía Motorizado na já clássica (para o underground argentino, claro) “Más o Menos Bien”?. Se não foi para eu e você, estimado leitor… O que estas (e outras) canções não debatem é: o que fazer quando o palco no qual você esperava passar sua vida desaba? Ricardo Alexandre traz as reflexões dele. É hora de cada um fazer a sua.
– Leonardo Vinhas (@leovinhas) assina a seção Conexão Latina (aqui) no Scream & Yell
Leia também:
– Podcast: Ricardo Alexandre fala de “Cheguei Bem a Tempo” ao O Resto é Ruído (aqui)
– Ouça o podcast sobre o livro com Ricardo Alexandre, Miranda e Alexandre Matias (aqui)
– Entrevista: Ricardo Alexandre fala sobre o livro “Dias de Luta” (aqui)
– Livro -> “Everyone Loves You When You’re Dead”: olhando os ídolos de perto (aqui)
2 thoughts on “O novo livro de Ricardo Alexandre”