por Marcelo Costa
Comédia romântica é um gênero cuja receita é simples, mas geralmente resulta em equivoco. Uma pitada a mais de açúcar, e o filme pode causar diabete. Duas pitadas a menos, pode se transformar num dramalhão com final feliz. Nos últimos anos, raros foram os casos em que o gênero foi valorizado em seus mínimos detalhes (para cada “Ele Não Está Tão A Fim de Você” uma dezena de “A Verdade Nua e Crua”, “Comer, Rezar, Amar”, “Sexo Sem Compromisso”, e outros), mas a diretora e roteirista Nicole Holofcener entra neste seleto grupo com “Enough Said”, que no Brasil ganhou o título bestinha de “À Procura do Amor” – releve.
Na trama escrita por Nicole, uma massagista divorciada se apaixona pelo ex-marido de uma de suas clientes. A trama acontece em paralelo, e, como toda boa comédia romântica, você sabe tintin por tintin o que vai acontecer em cena nos 93 minutos do filme logo após o décimo-terceiro minuto de projeção, mas consegue se manter firme na cadeira do cinema porque o roteiro não maltrata os neurônios do espectador e, de quebra, torna o filme um ótimo exemplo de como o tal app Lulu não pode dar certo.
Sério. Vejamos (e, caso você não tenha visto o filme, saiba que há spoilers, todos presentes no trailer disponível no final da página): Eva (Julia Louis-Dreyfus com todos os deliciosos cacoetes e caretas que a fizeram famosa como Elaine Benes, na série Seinfeld) é massagista, divorciada e mãe de Ellen (Tracey Fairaway, que atuou na versão televisiva de “Bling Ring”), uma adolescente que está prestes a deixar a casa rumo à faculdade. Acompanhando amigos em uma festa, Eva conhece Albert (James Gandolfini em uma de suas últimas atuações no cinema), e um desinteresse mútuo aproxima os dois.
Porém, na mesma festa em que conhece Albert, Eva se aproxima da famosa poetisa Marianne (Catherine Keener), que passa a ser sua cliente de massagem, amiga e confidente. Marianne também é divorciada, tem uma filha adolescente, Tess (Eve Hewson), e não guarda boas lembranças do relacionamento com a pai da garota. “Você devia gostar mais ou menos dele quando se conheceram”, pergunta a massagista. “Menos”, contemporiza a poetisa, que capricha em desenhar o ex-parceiro como estabanado na cama, repleto de manias odiáveis, irritante e, sobretudo, perdedor.
Em determinado momento da história, Eva está muito próxima da poetisa (“Eu não tenho amigos”, diz Marianne. “Você tem a mim e a Joni Mitchell”, responde a massagista), e começando a se apaixonar por Albert, quando percebe que o cara que sua amiga desdenha é exatamente aquele com que ela está saindo. Esse trio romântico revive meses antes do app Lulu despontar, e de forma brilhante, os problemas que aconselhamentos equivocados podem causar em um futuro possível relacionamento. “Ela é como uma Trip Advisor humana”, diz Eva para uma amiga, que responde: “Albert não é um hotel”, enquanto Eva contemporiza: “Se pudesse evitar um hotel ruim, não o faria?”. Sim ou não?
O que o roteiro esperto defende é que cada história é uma história, e cada pessoa, uma pessoa. Parece óbvio e lógico, e é, mas muita gente se esqueceu (inclusive Eva), e passou a entender os comentários da ex como se fossem a verdade máxima de um todo, quando são apenas uma opinião de uma pessoa sobre outra em determinado momento da vida das duas. Ambas podem ter mudado depois, ou não. Sobretudo, o que pode ser problema para uma pessoa, talvez não seja para outra. Sem contar que se o começo do relacionamento é cercado de elogios (“Ele é legal”, “Ela é inteligente”), o final é marcado, quase sempre, por mágoa e desaforos (claro, há exceções).
Nicole Holofcener não foca a história apenas na dor e na delícia de uma mulher se apaixonar pelo ex-marido de sua nova amiga, que cria tags fictícias para o ex como se tivesse avaliando um hotel ou um restaurante na internet, mas também na dificuldade de se viver um relacionamento na meia-idade. “Ele é meio flácido”, Eva comenta com uma amiga. “Apesar que eu também”, contemporiza. O primeiro encontro dos dois é deliciosamente cômico, com um tentando impressionar o outro, mas após dormirem juntos, Eva assume: “Cansei de ser bem-humorada”. No que Albert concorda: “Eu também”.
Leve, bem escrito e extremamente oportuno, “À Procura do Amor” se apoia em uma narrativa casual e verossímil sustentada por uma excelente dupla de atores. James Gandolfini e Julia Louis-Dreyfus soam tão à vontade em seus papeis que não parecem interpretar um roteiro, tamanha a química. O resultado é um pequeno grande filme que merece atenção, e é recomendado para todo mundo, mas, principalmente, para quem anda levando o app Lulu à sério. Depois não saia por ai dizendo que envenenaram seu futuro relacionamento, se quem decidiu beber o drink envenenado foi você mesma (o).
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne
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