por Marcelo Costa
Após um começo de século claudicante representado por três filmes abaixo da marca do mestre (“O Escorpião de Jade”, de 2001, “Dirigindo no Escuro”, de 2002, e “Igual a Tudo na Vida”, de 2003), o cinema de Woody Allen encontrou o caminho nos anos 2000 com o bom “Melinda & Melinda” (2004), e tornou-se clássico com “Match Point” (2005), um dos melhores filmes de toda a sua carreira (e um dos menos Woody Allen).
De lá pra cá, o número de filmes bons (“O Sonhos de Cassandra”, 2007, “Vicky Cristina Barcelona”, 2008, e o maior êxito comercial de sua história cinematográfica, “Meia-Noite em Paris”, 2011) se sobrepõe a quantidade de filmes dispensáveis (“Scoop”, 2006, e “Você Vai Conhecer o Homem dos Seus Sonhos”, 2010), e mesmo “Para Roma Com Amor” (2012) é mais decepção por expectativa do que um filme totalmente ruim (há duas boas histórias ali).
Dito isto, nada justifica a histeria e o frenesi da crítica internacional diante de “Blue Jasmine”, representante de 2013 na carreira do cineasta (desde 1977, com “Annie Hall”, Woody lança metodicamente um filme por ano – esse é seu 46º longa-metragem), um ótimo filme que serve de escada para uma atuação consagradora de Cate Blanchett, mas que não é a 7ª Maravilha do Cinema de Woody Allen, como muita gente anda falando por ai.
O mundo da crítica cinematográfica é deverás engraçado: um cão late, e todos os demais começam a latir. No caso de Woody Allen, nem um rosnado teria sentido porque o cineasta não estava vivendo uma crise criativa como as do começo dos anos 90 e 00, apenas tinha ampliado sua área de atuação e deixado Nova York de lado em busca de inspiração (e apoio financeiro) na Europa – mas ainda sim filmou “Tudo Pode Dar Certo” na cidade em 2009.
“Blue Jasmine”, que se passa em São Francisco e Nova York, é ótimo e até pode ser descrito como um dos grandes filmes norte-americanos de Woody Allen no novo século, mas está longe da recepção calorosa que vem recebendo. Woody Allen ergue a história nos primeiros 10 minutos e passa os 88 minutos seguintes distribuindo peças do quebra-cabeça Jasmine: presente, flashback, presente, flashback, presente, flashback. Não há clímax, mas sim uma história linear que ganha contornos dramáticos a cada fotograma.
O filme começa focando Jasmine (Cate Blanchett), que monologa empolgadamente com uma senhora na primeira classe de um voo. A câmera acompanha a protagonista e sua parceira até a esteira de bagagens, onde elas se separam. A senhora encontra uma pessoa, que pergunta: “Com quem você estava conversando?”. E ela explica: “É uma mulher que estava falando sozinha na poltrona ao lado. Respondi achando que era comigo, e ela me contou sua vida”.
Jasmine, o espectador ficará sabendo nas próximas cenas, era casada com um ricaço em Nova York que fraudava impostos, foi pego e levou a família à bancarrota. Não é só isso, há mais peças que Allen irá distribuindo durante o filme, mas já basta para situar o personagem na história. Jasmine está falida (apesar de voar de primeira classe e de sua bolsa Louis Vuitton), e procura refugio na casa da irmã, a simplória Ginger, em São Francisco.
Entra em cena aqui um interessante choque de cenários: a socialite que vivia passeando pela Europa, frequentava lojas caras e organizava algumas das “melhores festas de Nova York” precisa recomeçar a vida em um apartamento simples de São Francisco, as volta com os dois filhos barulhentos da irmã e seu namorado mecânico, o tosco Chili (o impagável Bobby Cannavale, grande destaque da série Boardwalk Empire, como Gyp Rosetti).
Há certa semelhança/inspiração entre “Blue Jasmine” e “Um Bonde Chamado Desejo”, a peça de Tennessee Williams adaptada para o cinema por Elia Kazan. Como Blanche, Jasmine quer recomeçar a vida e apagar todo seu passado. Ela também se protege em uma redoma de fantasia e virtudes, da qual a irmã, Ginger, nunca fará parte – “por ser menos inteligente” (ainda assim, ela tentará ajuda-la, sem sucesso). E Chilli é o Stanley Kowalski da vez.
Woody Allen filma com simplicidade ímpar um personagem que não aprende com seus próprios erros, mas não é uma pessoa ruim: na tentativa de recomeçar a vida, Jasmine trabalha como recepcionista de um dentista (antes, em Nova York, ela tinha sido vendedora em uma loja de sapatos atendendo pessoas que recebia nas festas em sua casa) e estuda computação porque quer tirar um diploma de Decoradora de Interiores via internet.
Mimada e inocente, Jasmine, mesmo decadente, se veste bem e mantém uma postura superior. Seus surtos, porém, a acompanham, e ela se lembrará constantemente da primeira vez que viu o ex-marido, e contará para quem estiver à sua frente (“Você conhece ‘Blue Moon’, a música? Claro que sim, todo mundo conhece”), como quando ciceroneia os dois pequenos sobrinhos numa lanchonete, e explica para eles as vantagens do choque elétrico – uma cena hilária.
Amparada por um personagem movido à vodka, Martini e Xanax, Cate Blanchett brilha (o uso constante do “presente / flashback” valoriza a atuação) em um filme delicado e sutilmente profundo que fotografa com suave ironia a triste decadência de uma mulher (rica), que começa o filme sentada na 1ª classe de um voo e termina sozinha em um banco de parque, tal qual um Forrest Gump contando histórias (no caso dela, sempre a mesma), mas sem uma caixa de bombons, apenas lembranças de um tempo bom que se foi. Narcisa não vai curtir isso.
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne
Leia também:
– Sobre todos os filmes de Woody Allen de 0 a 10, por Marcelo Costa (aqui)
mesmo sendo do grande Woody, não sei se quero ver esse filme no cinema.
a crítica me deixou meio confuso, parece bom mas não do tipo “preciso assistir logo”.
vou acabar indo ver os outros 2 filmes criticados recentemente no blog nessa semana, depois quem sabe esse.
Eu sempre quero ver os filmes no cinema, até os mais sem graça 🙂
Esse tem o atrativo ainda de ter São Francisco de fundo, e a fotografia valoriza isso. É um grande filme, só não é o melhor Woody Allen dos últimos 20 anos com algumas pessoas tão dizendo por ai. Isso é o tipo de coisa que acaba aumentando a expectativa e funcionando contra o filme. Mas Cate já tem uma vaguinha garantida entre as cinco indicadas ao Oscar do ano que vem. Fácil.
Bem colocado, Mac. Assisti ontem e saí feliz da sessão justamente por não ter lido nenhuma crítica sobre ele antes. Precisamos controlar nossas expectativas, senão todos os filme viram ora “surpreendentes” ora “desapontadores”, e o Cinema é bem mais que isso, convenhamos. Cate Blanchett está realmente fantástica, e dos que vi até agora, ninguém merece mais o Oscar do que ela (se bem que eu ficaria hiper mega feliz de ver a Greta Gerwig ganhando por Frances Ha – tudo bem, tudo bem, sei que é impossível! rs).
Então, Leandro, a Cate tava em primeiro na lista até eu ver o “Gravidade”, ontem. Agora estou bem dividido entre ela e a Sandra Bullock… 🙂
Eu fui assistir sem ter lido nada a respeito. Imaginava que seria uma comédia de costumes sobre uma ex-ricaça em meio aos pobretões. Pra mim foi, sim, um dos melhores filmes do Woody Allen em muito tempo (ainda que Match Point seja grande, mas um tanto parecido com Crimes e Pecados). Ainda sinto na garganta o sabor amargo do filme.
Um filme sobre futilidade e superficialidade. Patético.
Vc não entende nada de cinema. Pessoas fúteis também merecem filmes.
Nunca assisti um filme tão ruim, tão sem nexo e com um final que nem parece fim. Horrível, odiei, perdi meu tempo.