Discos do Ano #09
“Tooth & Nail”: o tempo que torna todos os homens contemplativos
por Giancarlo Rufatto
Artista – Billy Bragg
Álbum – “Tooth & Nail”
Lançamento – 18/03/2013
Selo – Cooking Vinyl
Nunca fui um grande fã de Billy Bragg. Para ser exato, tenho apenas uma coletânea dupla que cobre toda sua carreira, “Must I Paint You Picture?”, que comprei num saldão – e desta eu só gosto muito da canção “The Price I Pay”. Mesmo assim, sempre me identifiquei com a pessoa Billy Bragg, um ingênuo lutando pra não ser ingênuo. Além disso, via na carreira de Billy o que as pessoas viam nas minhas músicas: a eterna ausência de uma banda por de trás de um cantor. O uso de músicos de apoio era muito tímido, mesmo quando se tratava de um guitarrista do Smiths (Johnny Marr) ou dos caras do R.E.M. (Peter Buck e Michael Stipe). Eles não eram nada perto da voz áspera do ativista cantor. Isso foi regra até o dia em que Billy chamou os caras do Wilco para gravar o primeiro disco da série com canções perdidas de Woody Guthrie, “Mermaid Avenue” – o que deu inicio à uma sequência de trabalhos fundamentais que encaro como “a vida do homem comum, segundo Billy Bragg”.
“Tooth & Nail” foi lançado no macio e no gostoso dia da loja de discos e passou despercebido no meio de centenas de lançamentos românticos que comemoravam a data. Só fui descobrir o lançamento do álbum por acompanhar a carreira de Joe Henry, cantor, compositor e produtor musical que carrega alguns Grammys nas costas, e que produziu o disco que mais amo dos anos 2000: “Don’t Give Up On Me”, álbum que resgatou a carreira de Solomon Burke. A sonoridade dos trabalhos produzidos por Henry nos anos 2000 se tornou uma obsessão a ser seguida e então volta e meia dou uma olhada na Wikipedia do homem, o que me levou ao “Tooth & Nail”, de Billy Bragg. Num disco gravado ao vivo que só levou cinco dias para ser feito e conta com a participação de músicos que acompanham gente badalada como Bon Iver (Greg Leisz) e Lana Del Rey (Patrick Warren), Joe Henry amaciou as canções de Bragg, deixando-as na linha entre o folk e o blues. Vale dizer que este disco tem a minha canção favorita de 2013: “Handyman Blues”, uma música com slide choroso sobre pais de família que não sabem trocar lâmpadas.
Descobri “Tooth & Nail” mais ou menos no momento em que minha filha nascia e eu precisava urgentemente aprender a ser pai, responsável e lidar com a vontade de continuar fazendo música pop tosca entre os horários em que um bebê dorme. Claro, não estou no Reino Únido, onde qualquer um pode sobreviver de música, mas caras comuns são caras comuns em qualquer lugar do mundo e entre os caras comuns com guitarras, Billy Bragg é o maior deles. Outros artistas envelheceram e passaram a ver com dureza o relógio do tempo ou vender outras coisas além de música – Bruce Springsteen, por exemplo, passou a vender entretenimento puro em seus shows. Billy Bragg chega aos 55 anos, lançando um dos melhores álbuns de sua carreira vendendo sua verdade, mesmo que esta verdade seja o tempo que torna todos os homens frágeis e contemplativos para com o passado.
– Giancarlo Ruffato (@rufatto) é músico (http://giancarlorufatto.blogspot.com.br/) e assina o tumblr 50 Discos Para Cecília
Semanalmente teremos um convidado no Scream & Yell escrevendo sobre o disco do ano
Especial Melhores de 2013:
– Disco do Ano #1: “Fade”, do Yo La Tengo, por Cristiano Castilho (aqui)
– Disco do Ano #2: “Random Access Memories”, do Daft Punk, por Rodrigo Levino (aqui)
– Disco do Ano #3: “…Like Clockwork”, do QOTSA, por Mariana Tramontina (aqui)
– Disco do Ano #4: “Shaking the Habitual”, do The Knife, por Tiago Ferreira (aqui)
– Disco do Ano #5: “The Next Day”, de David Bowie, por Carol Nogueira (aqui)
– Disco do Ano #6: “Nocturama”, de Nick Cave & The Bad Seeds, por Gabriel Innocentini (aqui)
– Disco do Ano #7: “Dream River”, de Bill Callahan, por João Vitor Medeiros (aqui)
– Disco do Ano #8: “Foi no Mês Que Vem”, de Vitor Ramil, por Thiago Pereira (aqui)
– Disco do Ano #10: “13”, do Black Sabbath, por Marcos Bragatto (aqui)
– Disco do Ano #11: “Estado de Nuvem”, de Bruno Souto, por José Flávio Júnior (aqui)
Leia também:
-“English, Half English”, Billy Bragg: mais política do que amor (aqui)
– “Must I Paint You A Picture?”, Billy Bragg: uma coletânea obrigatória (aqui)
– “Mr. Love and Justice”, Billy Bragg: mais amor do que política (aqui)
– SXSW 2013: Billy Bragg critica Partido Nacional Britânico e Hollywood (aqui)
por isso q eu leio tudo q posso do rufatto. belíssimo texto.
Belo disco. Está no meu top 5 de 2013 também. O texto só melhora o álbum.
Excelente disco. “No One Knows Nothing Anymore” é uma das minhas músicas prediletas do ano.