por Pedro Salgado, de Lisboa
Uma amena tarde de outono e um hambúrguer da moda, no bairro de Campo de Ourique, em Lisboa, serviram como pretexto para uma conversa com o líder da Nicotine´s Orchestra. Carlos Ramos, mais conhecido como Nick Nicotine, é um músico no sentido mais amplo da palavra. O festival Barreiro Rocks (na margem sul de Lisboa), do qual é diretor, tem recebido boas repercussões internacionais e é aclamado como o mais importante evento de garage rock da península ibérica. Para além de ser gerente dos Estúdios King, agrupando talentos da cidade do Barreiro, Nick é também o fundador de um dos mais antigos selos de rock em Portugal, o Hey! Pachuco.
O selo funciona como quartel-general das suas bandas, projetos e de grupos amigos. A sua junção com o festival Barreiro Rocks e o reconhecimento dos trabalhos dos conjuntos resultaram em uma evolução do selo. No entanto, o Hey! Pachuco não se comporta como uma gravadora normal, ele funciona mais como um estado-maior onde não há trabalho de promoção diário. “Não temos estrutura para comportar esse tipo de tarefas, que ajudariam a um maior destaque e fariam com que o Hey! Pachuco tivesse um trabalho mais autônomo, ultrapassando o âmbito do festival”, explica Ramos.
Act Ups ou Los Santeros são algumas das bandas onde Carlos Ramos canta e toca guitarra, mas a expressão maior do seu talento evidencia-se na Nicotine´s Orchestra. O projeto começou em 2006, com o mini-álbum “6 Songs”, no qual cantou e tocou todos os instrumentos. Quatro anos depois, já acompanhado ao vivo pela Mystical Orchestra, Nick gravou o disco “Ghosts & Spirits”, onde a voz grave e enérgica que sempre o caracterizou deu corpo a canções memoráveis. Destacando-se o blues sério e lamacento de “Mighty River” ou o rock’n roll com um pé na fronteira entre os Estados Unidos e o México de “Time”.
Criando uma autoralidade própria, a partir da assimilação de linguagens como o rock, soul, doo wop ou o blues, Nick Nicotine e a sua orquestra renovam-se e assumem diferentes estados de espírito a cada registo musical. “Quando estou gravando, as canções assumem a estética ou a sonoridade que tenho em mente naquele momento”, diz. A ideia de canção, enquanto expressão de um momento irrepetível, define “Adios, Conchita”, incluída no disco “Gipsycalia”, transformando o começo narrativo da faixa num exercício melódico, que abraça finalmente o rock dos anos 50.
A coletânea “77 13” (baixe aqui: http://optimusdiscos.pt/discos/destaques/77-_-13), percorre os seis anos de atividade do projeto solo de um homem versátil, criativo e fiel às suas raízes roqueiras. “O futuro da música é um aspecto que desperta a minha curiosidade”, refere o autor de “Hit Me Like The First Time”, e prossegue: “Até onde poderemos ir brincando com o som, seja na rádio ou em outros meios mais marginais?”, Nick conclui apontando uma data inspiradora: “Adoraria saber como será a música em 3025. Embora já não seja vivo (risos)”. De Lisboa para o Brasil, Nick Nicotine conversou com o Scream & Yell sobre o seu trabalho na Nicotine´s Orchestra. Confira:
Os temas de “Ghosts & Spirits” destacam-se na coletânea “77 13” pela sua originalidade e visceralidade. Partilha da mesma opinião?
Em relação à visceralidade, eu iria mais atrás e, se calhar, não seria a palavra que eu utilizaria. Mas reconheço que são temas um pouco mais ásperos (tal como as faixas do primeiro disco, “La Trahison Des Sons”). Talvez tenham nascido de uma forma intensa, como a maior parte das minhas músicas, e a falta de polimento dá-lhes essa característica. De “Ghosts & Spirits” em diante comecei a ter um cuidado maior com os aspectos da produção e também da própria composição, mas sem exageros. Sim, é uma fase de transição entre o formato one-man band e a configuração de banda completa. A tua interpretação faz sentido.
Para “Oh, Night!”, você arriscou uma incursão no universo musical de Elvis Presley. Sente que ainda faz sentido recuperar o rock clássico?
O título “Ghosts & Spirits” estava muito ligado a esse conceito. Na realidade, as nossas referências musicais estão habitadas por fantasmas e, no presente, temos o peso do passado nos ombros e do que foi feito posteriormente. Eu cresci ouvindo muito desse rock, desde os álbuns que os meus pais tinham, passando pelos meus discos, e é difícil renegar determinadas influências. Por isso é razoável que esses fantasmas estejam presentes faça eu o que fizer. Quanto à linguagem ou à estética musical em si, desenvolvo variações e aí podem-se sentir as marcas de Elvis ou Roy Orbison. É algo que nunca me preocupou e tento ler esses idiomas de uma forma atual ou não. “Oh, Night!” incorpora o rock clássico, doo wop e a soul sem ser premeditado.
Recuperando os “fantasmas”, os sons não audíveis que escutou em shows e incorporou na sua música são recorrentes ou esporádicos?
Os fantasmas eram recorrentes quando eu trabalhava no formato one-man band. Quando me referi a esses sons, não sei se eles estariam ligados a reverberações no estúdio. Enquanto tocava guitarra, bateria com os pés e cantava (fazendo tudo isso ao mesmo tempo), aquilo soava-me de uma determinada forma. E ao escutar as gravações de um show os sons não estavam lá. Daí o fato de eu falar em fantasmas que habitavam a minha música. No disco “Ghosts & Spirits” comecei a escutá-los mais atentamente e a preenchê-los no vazio que aparecia nas gravações. A partir daí, utilizei mais instrumentos e adotei um formato de banda convencional.
Você trabalhou com Alexandre Kassin e Marcelo Camelo no álbum “Gipsycalia”. Qual é o seu balanço das parcerias estabelecidas?
Excelente! Para além de ter conhecido pessoas que sempre admirei, o fato de terem participado num disco meu foi maravilhoso. No caso do Marcelo Camelo, eu já tinha escrito a parte que ele cantaria em “Tropic Of Capricorn”. A música falava de desgostos de amor e fazia sentido que ocorresse uma desconstrução do tema pelo meio. Senti que era importante a presença de uma voz divina, quase teatral, do outro lado do Atlântico. Falei com Fred Ferreira (baterista) sobre a possibilidade de um de nós cantar com sotaque brasileiro para fazer o referido trecho. E o Fred me disse: “Porque não convidamos o Marcelo Camelo?”. O Marcelo gostou da canção e interpretou aquilo que lhe enviei. Relativamente ao Alex Kassin, o processo foi diferente. Como faço em todos os discos, pré-gravei o álbum com os instrumentos todos. E na faixa “Sunny Day” incluí uma guitarra slide. Mais uma vez, Fred Ferreira contou que Kassin tocava muito bem a guitarra havaiana e que se podia substituir a slide pela havaiana. Acabei por retirar a pista e o Kassin teve toda a liberdade para preencher o tema com esse instrumento. Para além da sua capacidade técnica, foi ótimo conhecê-lo quando tocou com o Orelha Negra no Rock In Rio Lisboa, em 2012.
A inédita “Luna Loca” parece apontar novos rumos sonoros para a Nicotine´s Orchestra…
Ela foi feita de uma forma espontânea, como a maior parte dos meus temas, sem nenhuma preocupação especial. A canção foi gravada apressadamente para entrar na coletânea. No entanto, o meu pensamento, na época em que a gravei, foi o de finalizar um ciclo. Quando começar a preparar o próximo disco (embora tenha o baú cheio de ideias), vou compor faixas no momento e só nessa altura é que saberei para onde levarei a minha música. Atualmente, os três últimos temas que fiz remetem outra vez para o rock. Mas ando encantado com uma balada triste e acústica. O fato de ter várias canções e atribuir-lhes a estética que pretendemos é um pouco verdade e é o que acontece. Quando fizer o próximo trabalho, as faixas vão ficar limadas, serão coerentes e a interligação entre elas será bem sucedida.
Em que registro se encontra o verdadeiro Nick Nicotine?
Os verdadeiros Nick Nicotine (risos). Preocupa-me sempre mais a canção, a sua estrutura e letra do que propriamente o registro e a forma. Não posso te dizer se sou mais autêntico no rock, soul, Brasil ou hip hop. Sinto-me bem com a minha música e não devo nada a nenhum estilo. Agrada-me “vestir” a canção com a roupa que eu tiver nesse dia. É um pouco como fazemos no momento em que saímos de casa.
– Pedro Salgado (siga @woorman) é jornalista, reside em Lisboa e colabora com o Scream & Yell contando novidades da música de Portugal. Veja outras entrevistas de Pedro Salgado aqui
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