por Marcelo Costa
Marc Tourneuil é um carreirista. Aproximou-se do presidente de um grande banco, Jack Marmande (Daniel Mesguich), ganhou sua confiança, uma sala e atribuições confidenciais. Quando o presidente é diagnostico com câncer, Tourneuil é o primeiro nome cotado para substitui-lo, iniciando um jogo entre o conselho do banco, que poderá determinar a sua demissão ou sua coroação, e seus sonhos confusos que tem como foco apenas duas coisas, correlatas: dinheiro e poder. Eis um conto de fadas das grandes corporações.
Empossado como presidente do banco Phenix, Marc Tourneuil começa a arquitetar seu plano de dominação, que consiste em acalmar os investidores norte-americanos, gananciosos, sem escrúpulos e prontos para passa-lo para trás na primeira oportunidade, e ganhar a confiança da matriz francesa e dos mais de 100 mil funcionários empregados. Seu primeiro desafio é demitir cerca de 10% da equipe, e ele o faz com tanto brilhantismo maquiavélico que consegue enxugar a folha de pagamento e aumentar o valor das ações do Phenix na bolsa.
Aos 80 anos, Constantin Costa-Gavras (o homem por trás de “Z”, um dos maiores filmes políticos da história, filmado em 1969 e laureado com o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro daquele ano) impressiona com um thriller político (e econômico) vigoroso, sem brechas e direto em sua ideologia: os bancos (e os banqueiros) estão enriquecendo às custas do endividamento da classe média, e isso inevitavelmente vai explodir em algum momento (já explodiu em alguns países, mas um quebra global é cada vez mais iminente).
Embora o título remeta a obra de Karl Marx, que criticou severamente o capitalismo em 1867, Gavras inspirou-se no livro homônimo de Stéphane Osmont, lançado em 2004 – o filme começou a ser rodado em 2008. Em entrevista à Folha, Gavras disse que seu filme, assim como o tratado de Marx, fala “do dinheiro e do perigo da sua acumulação, mas o filme não é uma condenação ao capitalismo, apenas ao modelo atual”. O diretor entende que o capitalismo europeu não é tão agressivo quanto o norte-americano (do qual o Brasil descende), “mas a Europa se tornou um grande supermercado”.
Entre os grandes valores de “O Capital” (Le Capital, 2013) está a estupenda direção de atores, com Costa-Gavras fazendo Gad Elmaleh render muito no papel do executivo Marc Tourneuil, um Robin Hood às avessas, que rouba dos pobres para dar aos ricos, e precisa tomar muito cuidado em um ambiente cujo ato de “puxar o tapete” é tão comum quanto um aperto de mãos. A edição insere rapidez à trama, e a subida vertiginosa do novo CEO do banco Phenix é pautada pelas contradições de um personagem profundo e atualíssimo, que ascende financeiramente enquanto declina moralmente.
Em uma das grandes passagens de “O Capital”, Marc participa de um almoço familiar e é severamente criticado por um tio esquerdista: “Você fode a mesma pessoa três vezes porque ela é funcionária, cliente e cidadã. O dinheiro contamina tudo”. Em resposta, Tourneuil defende que a internacionalização buscada pelos esquerdistas no passado é real no atual plano econômico mundial: “O dinheiro não tem fronteiras, o trabalho, tampouco”. O capital, então, é mais importante que o indivíduo e está acima de governos – e da ética. Costa-Gavras soa exemplar em um filme crítico e deliciosamente cínico.
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne
Leia também:
– Três filmes -> Costa-Gavras: “Z” (1969), “Amem” (2002) e “O Corte” (2005) (leia aqui)