por Marcelo Costa
Título Original: La Grande Illusion (1937)
Título Nacional: A Grande Ilusão
Nascido em Montmartre, Paris, e filho do pintor Pierre-Auguste Renoir, Jean Renoir estreou no cinema mudo em 1924, chegando a vender quadros que havia ganhado de presente de seu pai para custear as produções de início de carreira. Sua fase mais prolífica começa nos anos 30 alcançando seu auge na segunda metade da década, período em que “La Grande illusion” é indicado ao Oscar de Melhor Filme (em 1939), sendo esta a primeira vez que um filme de língua não inglesa integrava a categoria (perdeu para “Do Mundo Nada Se Leva”, de Frank Capra – injustiça que a Academia iria repetir várias vezes com outros filmes). “A Grande Ilusão” é uma obra prima sobre a inutilidade da guerra. O ponto de partida do roteiro, assinado por Jean Renoir e Charles Spaak, é uma história de prisioneiros de guerra franceses que tentam escapar de um forte alemão na Primeira Guerra Mundial. Adaptado, o mesmo argumento serviu para que Billy Wilder fizesse “Inferno 17”, em 1953 (ele homenageia Renoir na citação do número do acampamento, o mesmo mostrado no início de “A Grande Ilusão”) e mesmo “Cinco Covas no Egito” (1942) usa elementos de “A Grande Ilusão”, porém, os dois juntos não alcançam a profundidade (humanista, crítica e sociológica) da obra do cineasta francês. “A Grande Ilusão” está na lista de melhores filmes de todos os tempos de Woody Allen, e Orson Welles disse que este seria um dos filmes que ele levaria numa arca consigo. Impecável e absolutamente indispensável.
Título Original: La Marseillaise (1938)
Título Nacional: A Marselhesa
Fruto do envolvimento do diretor com a aliança de esquerda Frente Popular Francesa em meados da década de 30, “La Marseillaise” é, como diz o subtítulo nacional, “uma crônica da Revolução Francesa” contada a partir dos olhos dos cidadãos de Marselha, que, sabendo da Queda da Bastilha, acontecida em 14 de julho de 1789 (um dos eventos que desencadeou a revolução junto à Assembleia Nacional Constituinte, reconhecida por Luís XVI cinco dias antes da Queda da Bastilha, e à Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, aprovada pela Assembleia no mês seguinte), marcha para Paris visando reivindicar mudanças. Se em “A Grande Ilusão”, dois oficiais (um alemão, outro francês) discutem suas funções no exército (que, concluem, está com os dias contados) frente à invasão de recrutados que mal sabem atirar e não estão preocupados com a nação, mas com a volta pra casa, “A Marselhesa” opta por valorizar um grupo de pessoas comuns que decide se alistar e partir para a guerra civil. Boa parte da trama foca na força dos trabalhadores, que, mesmo desajeitados, conseguem depor o Rei e mudar a história da França (e do mundo). A incrível caricatura de Luís XVI (interpretado magnificamente pelo irmão de Jean, Pierre Renoir), sempre faminto e meio abestalhado, é surreal e hilária assim como o personagem de Maria Antonieta (Lise Delamare) soa muito mais contundente que a infeliz versão de Sofia Coppola. Uma aula de história.
Título Original: La Règle du jeu (1939)
Título Nacional: A Regra do Jogo
O maior fracasso comercial de Jean Renoir é apontado, por muitos, como seu melhor filme. Na última atualização (2012) da lista de Melhores Filmes de Todos os Tempos da revista Sight and Sound, “La Règle du Jeu” aparece na 4ª posição atrás de “Um Corpo que Cai”, “Cidadão Kane” e “Era Uma Vez em Tóquio” – mas já foi 2º nas votações de 1972, 1982 e 1992, tendo caído para 3º em 2002. “A Regra do Jogo” também aparece na listinha pessoal de Woody Allen, e o coro só aumenta. Aqui, Renoir satiriza a alta classe francesa no período pré-Segunda Guerra. Enquanto exércitos marchavam pela Europa, um grupo aristocrático totalmente a parte dos destinos (cruéis) do mundo se junta numa grande fazenda para brincar de teatro, caçar e divertir-se em romances frugais. A frase “existem regras” aparece aqui e ali, muito mais como adereço. Já a maneira como a alta sociedade é retratada por Renoir causou tamanho alvoroço a ponto do governo francês banir o filme, que foi retirado dos cinemas, configurando um grande fracasso financeiro para o diretor. Durante os bombardeios da Segunda Guerra, o negativo original foi destruído, mas o filme voltou a circular em 1956 com uma cópia restaurada e aprovada por Renoir (passando de 81 minutos da versão editada em 1939 para 106 na versão restaurada) – que é a que se conhece hoje. “A Regra do Jogo” é um retrato magnifico de época, que deve enlouquecer defensores dos direitos dos animais (embora a carnificina da caça fosse ser reencenada nos anos seguintes, e de forma mais cruel, por Hitler) tanto quanto provoca ao igualar empregados, patrões e heróis nacionais numa trama shakespeariana – a alta classe se apaixona com mais facilidade que os personagens de “Sonho de Uma Noite de Verão”. No fim, a tragédia – tão tipicamente francesa – bate a porta. É a regra do jogo. Os mais fracos… Ainda que clássico, opinião pessoal, “A Grande Ilusão” é melhor.
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne
Leia também:
– Filmografia comentada de Billy Wilder (aqui)
– “Maria Antonieta”, a versão de Sofia Coppola (aqui)
– “Renoir”, um filme elegante, artístico e bonito (aqui)
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