Discos do Ano #06
“Push The Sky Away”: O mais sombrio dos Nick Cave
por Gabriel Innocentini
Artista – Nick Cave and the Bad Seeds
Álbum – “Push the Sky Away”
Lançamento – 18/02/2013
Selo – Bad Seed Ltd.
A idade bateu. Essa é a sensação que a audição de “Push The Sky Away” proporciona. Calma, isso não é ruim: Nick Cave se apresenta meditativo novamente (mas um pouco diferente do período 1997-2001) – e ainda plenamente capaz de oferecer algumas de suas mais belas canções em uma carreira que já ultrapassa três décadas. Cansado da violência sonora pós-punk, cinco anos desde a última colaboração com The Bad Seeds, Cave observa distanciadamente o mundo, a internet, as relações humanas: “It’s darker and closer to the end”.
Gravado em La Fabrique, mansão do século 19 em Saint-Rémy-de-Provence, na França, “Push The Sky Away” parece exigir do ouvinte o mesmo que exigiu de seus criadores: tempo para assimilar as minimalistas construções musicais. Nick Cave contou em entrevistas sobre o processo: o retiro no sul da França, a escrita das letras sem base prévia, a proposta de não realizar várias tentativas de gravar a mesma canção.
Seu décimo-quinto disco se beneficia da aparente falta de dinâmica: nenhuma canção é explosivamente diferente da outra, o que faz a atenção se voltar para as letras. Exceto pela faixa-título, Nick Cave não entrega nenhuma melodia excepcional, nenhuma balada que comova apenas pela sonoridade, como na abertura do já clássico “The Boatman’s Call”, cujos acordes iniciais de “Into My Arms” rendiam o ouvinte de imediato.
“We No Who U R” abre os trabalhos em tom elegíaco. Há algo de irremediável e ameaçador nessa canção de ninar com árvores imperturbáveis: “And we know who you are / and we know where you live / and we know there’s no need to forgive”. O baixo estrondoso e o lamento do violino em “Water’s Edge” apresentam o pregador da luxúria juvenil: “It’s the will of love / It’s the thrill of love / It’s the chill of love / Comin’ on”. “We Real Cool” também é levada por um baixo insistente, como uma ameaça que jamais se concretiza. A tensão é mantida e amplificada pelo arranjo de cordas. “We Die Soon”, diz o poema de Gwendolyn Brooks com título idêntico ao dessa canção. O tom obsessivo e opressivo deixa o ouvinte em cima de uma corda que jamais se rompe.
Até mesmo uma balada como “Wide Lovely Eyes”, sem força para se destacar dentro de um repertório que possui “The Mercy Seat”, “Straight To You”, “The Ship Song”, “Love Letter” e “Henry Lee” (entre tantas outras) apresenta imagens inquietantes: “They’ve hung the mermaids from the streetlights by their hair”. Mais interessante é “Mermaids”: “I believe in God / I believe in mermaids too / I believe in 72 virgins on a chain (why not, why not) / I believe in the rapture / For I’ve seen your face / On the floor of the ocean / At the bottom of the ray”. O que torna essa canção surpreendente é a imaginação sempre espantosa de Nick Cave: as sereias não cantam, apenas acenam e deslizam para o mar.
“Jubilee Street” fez algum barulho por causa do clipe. Numa rua em que o narrador se confessa assustado para andar no passado, há um caminho para a transcendência. A presença do riff persistente da guitarra ressalta a ausência de Mick Harvey, o ex-líder e multi-instrumentista dos Bad Seeds, e faz pensar na importância de Warren Ellis, com seus loops, nos arranjos. O papel de Ellis cresce aqui, remetendo às parcerias cinematográficas com Nick Cave (as trilhas sonoras de “A Estrada”, “O Assassinato de Jesse James Pelo Covarde Robert Ford”, entre outros). “Finishing Jubilee Street”, por outro lado, não soa tão inspirada em sua metalinguagem rasteira.
“Higgs Boson Blues” é a melhor canção que Bob Dylan não escreveu. Não é preciso ir longe para perceber o quanto ele influenciou Nick Cave. Para ficar nesta década, basta ouvir “Palaces of Montezuma”, do Grinderman. A colagem inteligente e inusitada de figuras históricas e artistas contemporâneos, a irreverência e a surpresa da união de elementos díspares, tudo isso compõe “Higgs Boson Blues”, um passeio pela mente atormentada de um motorista a caminho de uma Genebra impossível de ser alcançada. Há espaço para Miley Cyrus, Hannah Montana e Robert Johnson. Há espaço para missionários. E há espaço para uma meditação sobre o acelerador de partículas que provaria a não existência de Deus. Os oito minutos de duração são pouco perto da quantidade de tempo que essa alucinada jornada nos faz pensar.
A faixa-título encerra o disco em registro que fica ainda mais belo no show acompanhado de um coral infantil: “And if you’re feeling / You’ve got everything you came for / If you got everything / And you don’t want no more / You’ve got to just / Keep on pushing / Keep on pushing / Push the sky away”. Um testamento, uma marcha fúnebre, um disco que apresenta o mais sombrio dos Nick Cave (porque sem a demência maníaca de outrora), um disco para ficar na mesma prateleira de “Old Ideas” de Leonard Cohen e “Time Out of Mind” de Bob Dylan. O passado está aqui e veio para ficar, sussura Cave em “We Real Cool”. Cool é o que ninguém pode ficar ao ouvir “Push The Sky Away”.
– Gabriel Innocentini (siga @eduardomarciano) é jornalista e já escreveu para o Scream & Yell sobre Tom Waits (aqui), Thomas Pynchon (aqui), Charles Bukowski (aqui) e Jennifer Egan (aqui)
Semanalmente teremos um convidado no Scream & Yell escrevendo sobre o disco do ano
Especial Melhores de 2013:
– Disco do Ano #1: “Fade”, do Yo La Tengo, por Cristiano Castilho (aqui)
– Disco do Ano #2: “Random Access Memories”, do Daft Punk, por Rodrigo Levino (aqui)
– Disco do Ano #3: “…Like Clockwork”, do QOTSA, por Mariana Tramontina (aqui)
– Disco do Ano #4: “Shaking the Habitual”, do The Knife, por Tiago Ferreira (aqui)
– Disco do Ano #5: “The Next Day”, de David Bowie, por Carol Nogueira (aqui)
– Disco do Ano #7: “Dream River”, de Bill Callahan, por João Vitor Medeiros (aqui)
– Disco do Ano #8: “Foi No Mês Que Vem”, de Vitor Ramil, por Thiago Pereira (aqui)
– Disco do Ano #9: “Tooth & Nail”, de Billy Bragg, por Giancarlo Rufatto (aqui)
– Disco do Ano #10: “13?, do Black Sabbath, por Marcos Bragatto (aqui)
– Disco do Ano #11: “Estado de Nuvem”, de Bruno Souto, por José Flávio Júnior (aqui)
Leia também:
– Discografia Comentada: Nick Cave and The Bad Seeds, por Leonardo Vinhas (aqui)
– “Push the Sky Away”: Daqueles discos para se ouvir, ouvir e ouvir, por Mac (aqui)
– “Doce Miséria – A suavização de Nick Cave”, por Nick Hornby (aqui)
– “The Boatman’s Call”, um manifesto de um homem atormentado, por André Pagnossim (aqui)
– “The Abbatoir Blues Tour”, Nick Cave and The Bad Seeds, por Marcelo Costa (aqui)
– “Dig, Lazarus, Dig!!!” consegue unir o improvável: barulho e calma, por Marcelo Costa (aqui)
– Faixa a Faixa: “No More Shall We Part”, por Leonardo Vinhas (aqui)
– “Nocturama” transpira rock and roll, por Marcelo Costa (aqui)
Gosto do Cave a Partir de Henry’s Dreams (gosto pouco de Nocturama) e esse novo realmente “não bateu”. As letras cavenianas estão lá, tudo bem, mas sem a melodia pra mim não serve. Ouvi o album duas vezes e sei que jamais vou ouví-lo novamente. Letra por letra vou ouvir um poema ceclamado por Patti Smith, pelo menos ela não está me prometendo nenhuma melodia. Note que a capa também é deslocada na discografia do cara (embora suas capas nunca primaram por nada). Como eu já disse por aí, talvez ele ganhe um prêmio por aí de “disco do ano”, sempre detestei a lista dos vencedores.