Texto, foto e vídeos por Marcelo Costa
Demorou 26 anos, mas, enfim, o Hüsker Dü chegou ao Brasil. Uma usina de barulho que ousava misturar metal e punk de forma quase inaudível no começo dos anos 80 em Minneapolis, o Hüsker Dü foi amaciando seu som conforme o trio (Grant Hart, Bob Mould e Greg Norton) aprendia a tocar e produzir, alcançando o auge de popularidade em dois álbuns lançados pela Warner: “Candy Apple Grey” (1986) e “Warehouse: Songs and Stories” (1987). E então a banda acabou.
O repertório do Hüsker Dü foi moldado por um choque entre o lado sentimental do baterista e vocalista Grant Hart com o teor politizado das letras do guitarrista e também vocalista Bob Mould, e assim que a banda se separou, cada membro foi para um lado seguindo uma carreira solo errática (cada um a seu modo) e que chega agora ao Brasil: Grant Hart se apresentou sozinho num domingo à tarde em São Paulo enquanto Bob Mould aterrissa no país em outubro para três shows no Sesc Pompeia (saiba aqui como foi o show).
Mantendo um relacionamento apaixonado com as drogas (a palavra “viciado” se encaixa bem, já que Hart necessita de metadona para aliviar a necessidade por drogas mais pesadas), Grant Hart montou a banda Nova Mob após o fim do Hüsker Dü (lançando dois discos: “Last Days of Pompeii”, de 1991, e “Nova Mob”, de 1994) e optou pela carreira solo no final dos 90, quando compôs um de seus melhores trabalhos, “Good News for Modern Man” (1999). Em 2013 colocou nas lojas “The Argument”, álbum duplo inspirado no poeta britânico John Milton.
Todas estas facetas de Grant Hart estiveram presentes no começo da noite de um domingo refrescante em São Paulo, em que os ex-baterista do Hüsker Dü, munido apenas de voz, guitarra Gisbon semi-acústica, um par de pedais e de amplificadores, repassou 30 anos de carreira em uma apresentação memorável. Ainda que a entrada fosse gratuita (o evento integrava o calendário do MCI: Més da Cultura Independente), pouco mais de 200 pessoas tomavam os cerca de 300 lugares do auditório da Galeria Olido, no centro da cidade.
No repertório, hinos do Hüsker Dü como “Don’t Want To Know If You Are Lonely”, “She Floated Away”, “Back From Somewhere” e “It’s Not Funny Anymore” foram colocados lado a lado com canções emocionais da carreira solo como “Barbara”, “Is The Sky The Limit?”, “My Regrets” e “You’re the Reflection of the Moon on the Water”. De muito bom humor, Grant brincou com a audiência antes de “What’s A Little Angel Doing So far From Heaven”, pedindo para que quem tivesse cão ou gato imitasse seu bicho de estimação (“Se eu consigo fazer isso com vocês, imagina um presidente”, sacaneou após ouvir os miados e latidos vindos do público).
Pedidos dos fãs foram atendidos de bate pronto. “Não estou usando uma afinação para tocar essa”, comentou quando pediram “No Promise Have I Made”, do álbum “Candy Apple Grey”, do Hüsker Dü, mas mesmo assim a tocou. Antes de “Diane”, canção presente no EP “Metal Circus” (1983), do Hüsker Dü, com letra baseada na história real do assassinato da garçonete Diane Edwards a partir da perspectiva de seu assassino, avisou que não há tocava há muito tempo, pois não se sentia confortável com a letra (“Não suporto ficar colocando a máscara de um monstro toda noite”, contou em uma entrevista).
O som sujo que saia dos amplis remetia ao melhor do punk rock tanto quanto esbarrava no folk e no country, para alegria dos presentes, e do próprio compositor, que voltou duas vezes para o bis, numa delas apresentando “Green Eyes”, outra grande canção de sua antiga banda. Ao fim do show, fez questão de sacanear seu ex-parceiro Bob Mould: “Depois mandem um abraço para… como é mesmo o nome dele?”, e saiu para o saguão para conversar com o público e autografar discos e CDs (já havia feito isso antes do show).
No mesmo dia em que o “Rock” in Rio celebrava seu dia Pop (in Rio), Grant Hart fazia um show emblemático para uma plateia de sortudos em São Paulo, numa pegada lo-fi que remete aos primeiros anos do Hüsker Dü, quando o grupo era apenas um segredo barulhento bem guardado em Minneapolis. Durante 1h40 e umas 30 canções, o compositor levou os presentes para um passeio por sua história musical indo dos primeiros registros nos anos 80 até coisas novíssimas presentes em seu mais recente trabalho. Apenas um homem, suas histórias e suas canções. E foi emocionante.
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne
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rapaz…esse show deve ter sido excelente…
Que bela transformação de sentimentos em palavras, Mac. Aquele domingo realmente teve gosto de segredo espalhado para poucos, mas com muita euforia.