por Adriano Costa
O poeta e escritor escocês Robert Louis Stevenson classificava o casamento como uma longa conversa entremeada por disputas. Se, na verdade, é isso ou não, o livro “Garota Exemplar” (“Gone Girl”, 2012) deixa mais um atestado no caminho dessa afirmação. É o primeiro trabalho da jornalista e escritora Gillian Flynn a ser publicado no Brasil (os inéditos são “Sharp Objects”, de 2007, e “Dark Places”, de 2010), depois de passar por mais de 20 países e ter alguns milhões de exemplares vendidos. A Editora Intrínseca é a responsável pelo lançamento tupiniquim (leia o 1º capítulo), que conta com tradução de Alexandre Martins e 450 páginas.
Em “Garota Exemplar”, o leitor é convidado a entrar na vida do casal Amy e Nick Dunne. Ela é uma mulher de metrópole, criada em Nova York, com pais que fizeram fortuna com uma série de livros infantis e juvenis baseados na própria filha, onde a protagonista exala todo e qualquer tipo de perfeição que possa existir. Já o marido é um crítico cultural, com gostos meio simplórios e comuns, que acabou perdendo o emprego na revista em que trabalhava devido a transposição do mercado para a internet e a consequente reforma que isso iniciou na segunda metade da década passada.
Por um desses encontros e desencontros da vida os dois se interessaram um pelo outro, preenchendo (pelo menos momentaneamente) algumas lacunas necessárias e se casam. No ponto em que o livro começa estamos no dia do aniversário de cinco anos de matrimônio do casal e as coisas já não andam lá tão bem. A fortuna de Amy foi se esvaindo aos poucos, Nick continuou desempregado e por uma questão que aliou problemas familiares e necessidade pessoal, o casal mora agora em uma casa situada nas margens do Rio Mississippi, longe de tudo aquilo com que se acostumaram.
Gillian Flynn alterna os capítulos individualmente de cada lado e entrecorta presente e passado na primeira parte do livro. Essa construção é necessária para que o leitor entre em uma zona de conforto e ache que já é senhor da trama, para que mais lá na frente sinta o baque e seja convocado a se levantar e deixar essas primeiras impressões de lado. Assim, os dois personagens são bem construídos, expondo suas imperfeições e defeitos, sendo que nesse momento é bem mais fácil se agradar com Amy do que propriamente com o lado masculino do par.
Uma das grandes vantagens de “Garota Exemplar” é deixar seus personagens com um lado ambíguo e duvidoso, optando em navegar em áreas cinzas ao invés do tradicional preto ou branco. Ambos têm coisas para se odiar. Quando Amy simplesmente desaparece na manhã do aniversário de casamento e a procura da polícia começa a apontar para o envolvimento de Nick (deixando de lado a opção de sequestro), isso fica mais transparente, com tons mais traiçoeiros e capciosos onde as demais pessoas envolvidas no caso (família, amigos e público em geral) partilham entre si também dessa faceta dúbia e se entregam facilmente aos seus interesses pessoais.
Mesmo com a tarja estampada de “milhões de cópias vendidas”, que pode assustar o leitor mais exigente por se imaginar o enquadramento como uma literatura banal, “Garota Exemplar” esquiva-se dessa provável regra e é uma boa e surpreendente exceção. Gillian Flynn não escreve linhas muito lisonjeiras sobre a instituição casamento e “Garota Exemplar” acaba por lembrar afirmações como a do ex-presidente norte-americano Abraham Lincoln que definia o casamento como “nem o paraíso e nem o inferno, apenas o purgatório”.
– Adriano Mello Costa (siga @coisapop no Twitter) e assina o blog de cultura Coisa Pop
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