Os tablóides, o Hype e a estreia do Savages
por Bruno Leonel
Nova York, 2001 – Um banda de rock, formada por jovens de classe alta da cidade, começava a atrair grande atenção da mídia especializada. A banda supostamente mostrava uma roupagem de renovação com um verniz que atualizava estilos como o garage rock de nomes como o velvet Underground pra um contexto mais próximo dos anos 2000. Não tardou muito algumas vozes passaram a chamar a banda de novos “salvadores do rock” – título patético esse que já implicava alguma injusta condição de risco iminente, considerando, de fato, que algo em perigo precisava ser salvo. Surgia uma das grandes antecipações dos anos 2000, o alarde sobre os Strokes.
De lá pra cá vários outros “hypes” ocorreram (e, claro, antes também). Porém, se o alarde em cima dos novaiorquinos fez muita gente torcer o nariz e jogou nas costas deles uma quantidade perigosa de expectativa, muito tempo depois a história foi capaz de absolvê-los. Se, de fato, eles não foram “salvadores do rock” pra muita gente, ao menos conseguiram construir uma discografia de qualidade e se estabelecer como referência para uma serie de outras bandas responsáveis pelo “revisionismo” do rock de garagem dos anos 2000.
O tempo passou e várias outras promessas vieram sobre a mesma ditadura da repercussão, antes mesmo que o próprio som da banda fosse ouvido pelas massas. O que em certos casos pode gerar um “boom” interessante pra divulgação, mas que em outros (na maioria deles aliás) pode acabar fazendo com que certos grupos acabem desmoronando antes de ter uma base sólida, e de ter tempo para estabelecer um conjunto de sua obra. Muitas “febres” depois, eis que em 2013 surge um nome cercado pelo mesmo alarde. De Londres para o mundo, surge o quarteto inglês Savages.
De climas soturnos e uma urgência absurda no som, a banda formada inteiramente por mulheres é tida por muitos como o grande nome do momento. O grupo bebe de referências como Suede e PJ Harvey além do pós-punk de grupos como Siouxsie and the Banshees, e apresenta uma sonoridade dark e carregada de enxurradas de guitarras. Liricamente as letras esbanjam um peculiar olhar feminino sobre temas como conflitos, relacionamentos e dramas existenciais. É válido notar que o som do Savages não é algo exatamente novo, embora explore de um jeito bastante criativo certos elementos já conhecidos.
O que a banda das garotas londrinas demonstra é um apanhado de referências já estabelecidas na memória dos ouvintes de rock, refeito sobre um olhar renovado. Isso aliado a um visual peculiar e a competência musical das integrantes – sem dúvida, mérito das próprias – bastou para a imprensa começar o incêndio. Em 2012, o EP “I Am Here” antecipou o estardalhaço que o grupo causaria. O trabalho habilidoso da guitarrista Gemma Thompson é um caso a parte. Com riffs dissonantes e texturas etéreas, Gemma é descendente direta de Will Sergeant, John McGeoch e toda uma escola do pós-punk inglês.
A trajetória segue a cartilha do hype a risca: a banda formou-se em 2011, e chamou atenção devido a shows pequenos no circuito independente. Logo, veio um burburinho maior seguido de críticas entusiasmadas em sites “referência” – pra quem ainda acredita nisso, ok – como o NME e o até o cabeçudo Pitchfork (que definitivamente não pode ser chamado de publicação musical saudável). Esse último, aliás, semeou uma demanda sem tamanhos sobre o nome do jovem quarteto. O disco de estreia, “Silent Yourself”, lançado em Maio, foi colocado para audição inteiro no site, alcançando um grande número de pessoas além de uma curiosidade em muita gente que sequer havia ouvido falar do grupo. Verdade seja dita: o disco é ótimo – com produção caprichada assinada pelos pouco conhecidos Johnny Hostile e Rodaidh McDonald. Há excelentes melodias como as boas “No Face” e “Strife” (digna da melhor fase dos Banshees), interpretações nervosas da vocalista Jehnny Beth como em “She Will”, “Hit me” e… só.
É um grande apanhado de canções, sem dúvida, mas ao ouvi-lo constata-se que não há, de fato, nada nele que justifique o tamanho auê. São sintomas de um momento em que, cada vez mais, buscar “ondas” novas se tornou mais importante do que conhecer sons em si. Você já (ou)viu essa história antes, e ela irá durar o tempo que for preciso desde que continue mantendo a rede aquecida e adequada para continuar vendendo tablóides, discos e gerando repercussão. A grande verdade é que o próprio conjunto de publicações e canais cria uma demanda para que eles mesmos possam continuar sendo referência.
Os tablóides não divulgam artistas, divulgam apenas a eles mesmos, e uma vez que tais nomes não são mais interessantes, tratam de gerar mais repercussão destrutiva sobre a “decadência” ou decepção (como costumam falar) que as mesmas “grandes bandas” fizeram após lançarem algum disco considerado abaixo da média ou desapontarem com um passo equivocado (na visão deles) na discografia. Citando novamente a banda do começo do texto, vamos pensar… Você deve ter ouvido bastante gente detonando o último disco do Strokes, “Comedown Machine”, certo? A regra parece clara. Onde está seu Deus agora, quando você não é mais novidade, e por consequência, o “salvador” de nada?
Publicações, como o jornal The Guardian, chegaram a citar que ouvir o single de estreia da banda (no caso “Husbands”) provoca algo parecido com o que sentiram pessoas que ouviram P.I.L., Magazine e Joy Division na época da estreia destas bandas. De fato, esse tipo de comparação, embora estabeleça um campo comum de sons para situar ouvintes, acaba por alçar a banda à uma pesada condição de percursores de algo. Clima difícil, especialmente porque é cedo ainda para considera-las percursores de alguma coisa. Até o momento apenas existem a tempo o suficiente para serem herdeiros. Ainda assim, a banda parece passar por uma fase ótima, mas vale pensar com será a trajetória das Savages daqui pra frente. É parte daquele velho esquema, carne nova que alimenta o mesmo moedor industrial de procurar “novas tendências”e gera todo esse caos frenético de buscar incessantemente por algo de bom que pode estar sendo feito em algum porão fora do “mainstream”.
O que o Savages fez foi lançar um grande disco. Entretanto, é bom duvidar do estardalhaço que certos veículos provocam. Embora possa empolgar os mais ávidos por novidades, tal tipo de expectativa pode ser nocivo para o amadurecimento de uma banda promissora. Essa coisa de antecipar e de achar a próxima tendência pode prejudicar o próprio grupo e rachar com degraus importantes de uma escalada, pela qual uma banda precisa passar para se estabelecer como nome relevante.
Essa história toda acaba derivando numa geração de pessoas que não parece como fãs de música, mas, sim, de especulação sobre a próxima grande febre ou o eventual “salvador” de algo. Efetivamente são pessoas que se esquecem de que, em arte, não há vencedores e no fim das contas o que importa mesmo são sensações que uma determinada obra provoca em um individuo (catarse, lembra dela?) e não os gostos moldados por tablóides, publicações e outros canais, que cada vez menos estão preocupados com arte em si. Às vezes o novo é apenas novo e ok, sem ser salvação de nada, especialmente, porque não precisa ser… E isso é ótimo. Tente ouvir “Silent Yourself” sem expectativas. A surpresa pode ser boa.
– Bruno Leonel é colaborador da webradio Alma Londrina.
Leia também:
– “Is This It”, a estreia dos Strokes, é realmente importante?, por William Alves (aqui)
– Tentando entender os comportados anos 00 (e o mundo), por Marcelo Costa (aqui)
Juro, que já passado alguns bons meses, ainda não consegui entender o que o mundo viu no Savages.
Citando a matéria, acho que nem um grande disco, elas conseguiram fazer, muito pelo contrário, o trabalho apresentado é cheio de referências mais do obvias, “climas” simplesmente não existem, é um rock pra lá de básico, com um baixo marcado e só.
Parece aquela banda do bairro que cresceu tocando Green Day e agora procura fazer algo a mais.