A estreia solo de João Cavalcanti (ou “O Mal de Jakob Dylan”)
por Jorge Wagner
A busca por novos desafios, novos horizontes, é (quase) sempre uma iniciativa louvável para um artista. Sair da zona de conforto, experimentar, abrir o leque, no lugar de simplesmente dar ao público aquilo a que ele já se habituou, no entanto, é um desafio perigoso. O novo caminho será, afinal, um passo além ou um retrocesso? Conquistará novos públicos ou desagradará ao antigo? “Placebo”, a estreia de João Cavalcanti como artista solo e um dos bons discos de 2012, esbarra nestas – e em outras – questões.
João não é nenhum principiante. Há 11 anos, o carioca nascido em 1980 é um dos nomes à frente do Casuarina – grupo que, com os discos homônimo, de 2005, “Certidão”, de 2007, e “Trilhos – Terra Firme”, 2011 (além do ao vivo “MTV Apresenta”, de 2009), foi apontado como um dos grandes nomes do samba contemporâneo, ganhando prêmios e garantindo shows cheios e sempre elogiados. Ainda no mesmo território, foi compositor finalista do Concurso Nacional de Marchinhas por dois anos consecutivos, garantindo o segundo lugar em 2007 com a “Marcha da Descompostura”, e o terceiro em 2008, com “Maria do Cabelo Bom”.
Com “Placebo”, entretanto, João Cavalcanti enfrenta um dilema: ao tentar se desvincular, ao menos em partes, da imagem de compositor sambista / chorão / carnavalesco – buscando, para tanto, novas referências no rock, no tango e no frevo –, o músico se aproxima de trabalhos já feitos por nomes como Lula Queiroga e Lenine. O que não seria problema algum, não fosse um detalhe: ser filho do segundo.
Ter um pai com carreira consagrada no meio musical é algo delicado. “Por mais que isso abra inúmeros caminhos e portas, as cobranças e comparações devem ser imensas”, já observava o jornalista Adriano Mello Costa em sua crítica ao disco “Women + Country”, segundo trabalho de Jakob Dylan – filho de você sabe quem – sem o Wallflowers, banda com a qual também galgava de uma posição confortável, tendo montado “um trabalho de boa qualidade” e alcançado “certo sucesso por méritos próprios” – justamente por, musicalmente, buscar outros elementos que não aqueles presentes na música de seu pai. Por melhor que soasse, era inevitável: ao adentrar no terreno do folk e do country, onde o velho Bob Zimmerman é lenda, Jakob descia alguns degraus. E é esse o problema de “Placebo”: o mal de Jakob Dylan.
Trata-se de um grande disco. Um grande disco com grandes canções, como o tango “Demônios”, ou o samba de ótima letra calcado em sopros, pandeiros e violão que dá nome ao álbum, ou ainda em “Mulato” – três faixas que conseguem se distinguir do trabalho feito por João ao lado do Casuarina sem, contudo, provocar alguma forma de estranhamento. Por outro lado, faixas como “Luna”, “Síndrome” e “Binário” chamam a atenção não pela qualidade que de fato possuem, mas pelo fato de que nunca antes, em qualquer outra canção, João soou tão parecido com seu pai – e não apenas no instrumental. A semelhança da voz do músico com a de Lenine, antes perceptível apenas com muita boa vontade, chega a impressionar, distinguindo-se apenas pela diferença entre sotaques.
Este disco é, portanto, um começo. É um trabalho que traz para João Cavalcanti, um músico experiente, todas as comparações das quais ele escapou em seu começo de carreira – justamente por trilhar um caminho diferente daquele no qual seu pai é uma das referências. Tira da zona de conforto, de fato, mas soa como sub-Lenine. E, com isso, camufla o inegável talento do compositor carioca. Se há uma saída, se há um remédio para tal mal, João ainda não encontrou. O que ele experimentou era placebo.
– Jorge Wagner (siga @jotablio) é jornalista e colabora com o Scream & Yell desde 2006 tendo escrito sobre Milton Nascimento (aqui), Cícero (aqui), Criolo (aqui) e Marcelo Camelo (aqui)