por Marcelo Costa
O filme indie da temporada: tem um roteiro brilhante (adaptado e dirigido pelo próprio autor), trilha sonora esperta (que flagra alguns clássicos, mas centra sua força no pop rock e no pior dos 40 mais da virada dos anos 80 para os 90) e excelentes atuações de um grupo “novato” de atores. Ok, você já leu/viu isso antes… várias vezes. Desta forma, “As Vantagens de Ser Invisível” (“The Perks of Being a Wallflower”, 2012) merece melhor definição: é um clássico moderno sobre os traumas do amadurecimento (Tá, isso você também já leu, mas sigamos).
O escritor Stephen Chbosky lançou “The Perks of Being a Wallflower” em 1999, e o livro virou um best seller. Com os direitos vendidos para Hollywood, os produtores Lianne Halfon, Russell Smith e John Malkovich (ele mesmo) decidiram convidar o próprio escritor, que já havia dirigido um filme independente em 1995, para dirigir a adaptação para o cinema, e a escolha não poderia ter sido mais acertada. Com mão cuidadosa e um respeito raro aos personagens, Chbosky fez um filme delicado, sério e extremamente profundo sobre o começo da adolescência.
Logo no início da trama somos apresentados a Charlie (Logan Lerman), um jovem depressivo que anuncia ter problemas: no momento em que o filme começa ele está escrevendo uma carta para seu melhor amigo… que se suicidou. Charlie está naquela fase complicada da adolescência (principalmente nos Estados Unidos), em que você deixa o primeiro grau da escola e parte para o colegial. Ele não tem amigos, não é de falar muito, e entra no colégio contando quantos dias faltam para a tortura terminar.
Porém, com um olhar esperto (e interessante sentimento de classe), Charlie se aproxima dos veteranos losers, e cria um laço de amizade forte com dois deles: Patrick (Ezra Miller, excelente) e Sam (Emma Watson, surpreendente). Chbosky explora muito bem a sensação de estar em uma turma, e cria divertidos incidentes para seu personagem principal, como a primeira viagem de drogas, que decorre de uma cena tão comum, mas filmada de forma interessante e sem invencionices, que chega a comover (e, claro, faz rir… muito).
Boa parte de “As Vantagens de Ser Invisível” lembra o adolescente nos anos 80 descrito por André Takeda na série de contos publicada no Scream & Yell (leia, depois, aqui). É uma sensação de pertencimento misturada com a força inconteste da primeira paixão, algo que move inocentemente Charlie ao amadurecimento (um dia você está jogando bolinha de gude, no outro, apaixonado perdidamente por uma garota que tem namorado, e que muitas vezes não quer nada com você além de… amizade. Alguém falou em Alison?).
Chbosky busca valorizar os personagens, e a maneira como Sam surge na tela é inesquecível – mesmo que a cena tenha sido feita centenas de vezes no cinema. Funciona maravilhosamente bem. O mesmo acontece com os diversos núcleos narrativos da história. Há um personagem principal, mas Chbosky leva sua narrativa além, aprofundando temáticas (rejeição, homossexualidade, bullying) e conseguindo brilhantemente abrir e fechar passagens num roteiro complicado com tantos personagens – sem torna-los caricatos e piegas.
Se fosse apenas isso, “As Vantagens de Ser Invisível” seria mais um filme indie em que a genialidade do roteirista iria compensar a pouca grana da produção construindo uma grande história. Chbosky vai além. Ele faz o espectador acreditar por um longo tempo que está assistindo a mais um “500 Dias Com Ela”, “Juno” ou “Pequena Miss Sunshine”, quando, de repente, cria um ambiente digno de “O Sexto Sentido”, e abre uma nova perspectiva para a história, amplificando a discussão sobre amadurecimento de forma inesquecível.
É tudo muito sútil, e perspicazmente óbvio. Assim como em “O Sexto Sentido”, as migalhas de pão foram deixadas pelo caminho. O que Chbosky propõe com “As Vantagens de Ser Invisível” é algo que muita pouca gente conseguiu fazer sem parecer carola ou assustador demais. Com uma leveza surpreendente, Chbosky coloca em pauta um dos (prováveis) assuntos mais delicados do mundo moderno, e faz isso sem parecer ridículo ou piegas. “As Vantagens de Ser Invisível” usa uma história clássica de amadurecimento para discutir… respeito.
Dizendo assim pode parecer bobagem – acredite, não é. Boa parte dos traumas do mundo moderno, por diversos motivos, acontecem no núcleo familiar, o microcosmo da sociedade, o primeiro passo que o ser-humano dá sem saber que ainda está andando. Chbosky discursa com sobriedade sobre este período, e, no panorama atual, “As Vantagens de Ser Invisível” é um dos filmes mais interessantes que surge em muito, muito tempo. Merece ser indicado ao Oscar (no mínimo) nas categorias filme, diretor, roteiro e ator coadjuvante (Ezra Miller).
Isso tudo sem falar na trilha sonora. “As Vantagens de Ser Invisível” flagra um período longínquo, em que o Google não existia, e uma música tocada no rádio ficava na lembrança do ouvinte por meses e meses e meses (e ele não tinha como procurar e descobrir). Era uma época sem telefones celulares, com máquinas de escrever e livros impressos em papel. E, também, uma época de The Smiths, Sonic Youth, Pavement, Galaxie 500, Love and Rockets, XTC, New Order, L7, Cocteau Twins e Throwing Muses, entre outros.
Ah, claro, e David Bowie. Desde a dobradinha “Dogville” e “Manderlay”, de Lars Von Trier, uma canção de Bowie (talvez a sua melhor canção, e uma das canções mais lindas já escritas) não era tão bem usada no cinema – isso sem contar no número de livros citados durante a projeção, e que merecem (devem) serem lidos. Junto a tudo isso, o escritor, roteirista e diretor Stephen Chbosky crava uma frase meio Beatles no hemisfério direito do cérebro do espectador: “Nós aceitamos o amor que pensamos merecer”.
Em seu primeiro grande filme, Chbosky conseguiu realizar um clássico moderno sobre adaptação, maturidade e adolescência. “As Vantagens de Ser Invisível” é também, desde já, um dos melhores (e mais profundos) filmes dos últimos anos sobre… família. Merece aplausos na sessão, mesmo sem que o diretor/escritor (muito provavelmente) esteja presente, afinal estamos aplaudindo a nós mesmos, e ao nosso crescimento. Por fim, não é todo dia que um fã de Taylor Swift e Paula Fernandes pode sair do cinema ouvindo uma canção pop de alta qualidade. Chbosky prova que nós podemos ser heróis por um dia.
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne
Leia também:
– “Juno”: precocemente madura e exageradamente espirituosa, por Marcelo Costa (aqui)
– “500 Dias Com Ela”: o mundo não acaba quando um relacionamento acaba, por Mac (aqui)
– “Manderlay”: Lars Von Trier continua sendo o cínico de sempre, por Danilo Corci (aqui)
– “Um Adolescente nos anos 80”, série de 10 textos por André Takeda (aqui)
– Teoria de Alison e Relfexões Alisônicas, por Miguel F. Luna (aqui)
De veras um belo filme! Incrível que nos filmes americanos de high school, os losers são na verdade sempre os mais cool.