CDs: Mark Lanegan, Paul Weller e Lee Ranaldo

por Adriano Costa

“Blues Funeral”, Mark Lanegan Band (LAB 344)
Nos sete minutos e sete segundos da faixa que encerra “Blues Funeral”, Mark Lanegan apresenta angústia e um leve desespero nos versos que conduz sobre uma base quebrada e de clima carregado. Ele rasga revistas e livros, mantêm a mágoa por perto e tenta extrair alguma verdade dos fatos em sua volta. É difícil para ele assumir o que quer que tenha feito, apesar de saber que não tem mais volta. “Tiny Grain Of Truth” é a última dose servida em uma noite repleta de incertezas. “Blues Funeral”, sétimo disco solo do ex-Screaming Trees, exibe no conteúdo a mesma carga intensa que permeou não somente os tempos com a ótima banda de Seattle, como também os projetos com o QOTSA, Isobel Campbell, Soulsavers e Gutter Twins, mas desta vez Lanegan esquece os violões e resume as guitarras a coadjuvantes (ainda que fundamentais), deixando a linha de frente ocupada por sintetizadores e programações eletrônicas, rememorando assim a música mais soturna que o pós-punk dos anos 80 produziu (Joy Division e afins). “The Gravedigger’s Song” usa inglês e francês para falar de um amor que serve como alívio enquanto “Bleeding Muddy Waters” homenageia o bluesman e faz Lanegan sentir e sangrar. “St. Louis Elegy” emerge com morte e religião e “Riot In My House”, um dos raros rocks do disco (o outro é “Quiver Syndrome”), traz guitarras gritando ao fundo do caos e tumulto citados na letra. “Phantasmagoria Blues” se assemelha mais com as coisas antigas. Esse novo registro – produzido por Alain Johannes (Them Crooked Vultures) e com participações de Jack Irons, Greg Dulli e Josh Homme – mostra um artista que ainda se mostra interessado em confrontar-se. Pode-se até dizer que os assuntos são repetitivos, porém a vida sempre será rica em dores, sofrimentos e aflição. Da sua geração, Mark Lanegan é aquele que mais sabe criar em cima desses temas. Essa habilidade (boa ou má, quem saberá dizer?) continua a gerar uma obra que foge da obviedade e serve como ferramenta para acalmar as próprias inquietudes.

Preço em média: R$ 24 (nacional)
Nota: 7,5

Leia também:
– Enfim, São Paulo sente na pele como é um show de Mark Lanegan, por Carlos Messias (aqui)
– “It’s Not How Far You Fall”, Soulsavers: guitarras estridentes, teclados climáticos (aqui)

“Sonik Kicks”, Paul Weller (Island)
Na sucessão de bons registros gerados nas últimas temporadas (como “22 Dreams”, de 2008, e “Wake Up Nation”, de 2010), Paul Weller provoca uma nova incursão pela miscelânea de influências e ritmos que aprecia utilizar, partindo do rock inglês mais puro para depois percorrer eletrônica, jazz, instrumental, reggae e pop. “Sonik Kicks” abre com a dançante e barulhenta “Green”, faixa carregada por palavras soltas e frases curtas, e pode ser dividido em pequenos blocos. “Sleep Of The Serene” e “Twilight” habitam o campo dos breves interlúdios instrumentais. “The Attic” e “Around The Lake” são curtas, com teor pop camuflado, mas ao mesmo tempo urgentes e caóticas. No lado mais experimental temos a fusão de jazz com reggae na climática “Study In Blue” e o psicodelismo que pede passagem em meio às percussões de “Drifters”. A categoria das baladas comparece com “By The Waters” e a bonita (porém, piegas) “Be Happy Children”. Já a devoção pelo rock inglês (que ele ajudou a criar, diga-se de passagem) surge em “The Dangerous Age”, “When Your Garden’s Overgrown” e “Paperchase”, que mostram um pouco da base usada (e cultuada) por todo o britpop. Não é a toa que Graham Coxon (Blur) e Noel Gallagher (Oasis) colaborem em algumas faixas – “Drifters” traz Steve Craddock, do Ocean Colour Scene, como parceiro de composição. No contexto geral, pode-se afirmar que o ponto mais significativo de “Sonik Kicks” se situa na decisão de Paul Weller em continuar produzindo discos frescos e contemporâneos, sem remoer glórias passadas nem deitar sobre a fama. As boas canções são filhas diretas desse posicionamento e isso vindo de um artista que tem pérolas na carreira como “All Mod Cons” (com o Jam em 1978) e “Wild Wood” (solo em 1993) é um grande mérito. Mesmo em uma idade perigosa, como cita em uma das faixas, ele prefere não se acomodar. A música agradece. Existe uma versão deluxe do disco que traz outras boas faixas como “Starlite” e “Devotion”. Em se tratando de Paul Weller, sempre vale conferir.

Preço em média: R$ 45 (importado)
Nota: 8

Leia também:
– Paul Weller ao vivo em uma festa de interior… da Bélgica, por Marcelo Costa (aqui)
– “Wake Up The Nation”, um disco urgente e inspirado de Paul Weller, por Marcelo Costa (aqui)

“Between The Times And The Tides”, Lee Ranaldo (Matador)
Durante mais de 30 anos, Lee Ranaldo ficou sob a sombra do brilho do casal Thurston Moore e Kim Gordon (de modo compreensível), mesmo sendo responsável por canções como “Eric’s Trip” e “Hey Joni” (do álbum “Daydream Nation”, de 1987) e “Wish Fulfillment” (do “Dirty”, de 1992), ambos clássicos na discografia do Sonic Youth, e tendo uma carreira solo que já contempla nove álbuns experimentais (seu primeiro álbum, “From Here to Infinity”, tem 13 ‘músicas’ em 12 minutos!) conhecidos apenas por fãs – e olhe lá. O momento atual, de separação do casal Moore/Gordon e pausa da banda, surge como a chance ideal para que o guitarrista brilhar mais, e ele não desperdiça. “Between The Times And The Tides” começou a ser imaginado em 2010, quando o músico foi convidado para um show acústico na França. Depois foi lapidado devagarzinho até chegar às mãos do produtor John Agnello (Sonic Youth, The Hold Steady e Dinosaur Jr.), que fez um excelente trabalho com as dez canções executadas por amigos como Nels Cline (Wilco), John Medeski (Medeski, Martin & Wood), Alan Licht (Run On), Irwin Menken, Jim O’Rourke e o velho companheiro Steve Shelley. O resultado é um trabalho que, mesmo quando viaja por rumos às vezes distintos, mantêm a unidade e o conjunto. Ao contrário de Thurston, que optou por uma viagem acústica, Lee Ranaldo prefere explorar as guitarras e as encharca com influências que vão desde os anos 60, passam pelo power pop e pela lisergia e desembarcam em reflexos das amadas distorções do seu grupo. Seu registro vocal mais límpido satisfaz mesmo sem ser soberbo em faixas como “Off The Wall” e “Angles”, que expõem um interessante apelo pop, enquanto “Fire Island (Phases)”, “Lost” e “Tomorrow Never Comes” embaralham melodia com barulho. Já “Shouts” é um calmo pós-rock e a dobradinha “Hammer Blows” e “Stranded” são as únicas realmente acústicas do álbum. Falando sobre coisas básicas como vida e amor, Lee Ranaldo lança um belo disco, que igual a um navio seguro serve para superar as incertezas do tempo e das marés que o rodeiam.

Preço em média: R$ 45 (importado)
Nota: 9

Leia também:
– “Sonic Youth: Sleeping Nights Awake”, documentário do Projeto Moonshine (aqui)
– Thurston Moore em São Paulo: “Vocês estão sentindo o gosto do inferno? (aqui)

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– Adriano Mello Costa (siga @coisapop) assina o blog de cultura Coisa Pop

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