Esqueça “Drive”, filme em que Ryan Gosling é promovido a astro por ser um herói sem libido. Esqueça “Shame”, em que Michael Fassbender não sabe como lidar com a libido. “50%” faz com que o espectador se importe com os personagens ao final, ao contrário dos personagens dos filmes dirigidos por Nicolas Winding Refn e Steve McQueen, condenados ao esquecimento e à solidão. Jonathan Levine tem a coragem e a ousadia de permitir a possibilidade do encontro com o outro. (Numa época em que imperam o cinismo e o individualismo, é previsível que “Além da Vida”, de Clint Eastwood, tenha tido julgamento negativo)
Parece deslocado defender um filme cuja principal qualidade é a franqueza quando filmes afetados e artificiosos como “Drive” e “Shame” são incensados como ápices da arte cinematográfica. O enredo de “50%” é simples: Adam (Joseph Gordon-Levitt) descobre que tem um câncer cuja chance de cura é de 50%. Numa interpretação pessimista: a chance de morrer é de 50%. A mãe (Angelica Houston) é superprotetora, o pai tem Alzhaimer. Adam está passando por uma fase estranha no namoro com Rachel (Bryce Dallas Howard). Seu melhor amigo é o fanfarrão Kyle (Seth Rogen em papel típico de Seth Rogen). De brinde, ainda há a bela Anna Hendrick no papel de terapeuta iniciante.
“50%” tem todos os ingredientes de um filme independente: ator principal carismático, família disfuncional, alternância entre drama e comédia, trilha sonora esperta (Radiohead, Roy Orbison, Pearl Jam). Porém, ao contrário da média dessas produções, não vem com lição de moral embutida no final. Lidar com o câncer é um problema não somente para o doente, mas para os amigos, os familiares, a namorada e até mesmo a terapeuta.
Todos são pessoas normais: a mãe que sufoca o filho, o amigo bufão que não sabe lidar com a situação, a psicóloga novata com dificuldade em manter a distância em relação ao paciente, a namorada vacilante. O roteirista estreante Will Reiser, que teve câncer na espinha como Adam, vai bem ao tratar o tema sem eleger vilões nem criar heróis, criando espaços para essas relações se desenvolverem. É essa ambivalência que torna os personagens mais próximos do espectador. Impossível condenar sumariamente qualquer um deles, pois o que faríamos em seus lugares? Tais questões são impossíveis ou inúteis em “Drive” e “Shame”. Indiferença é o que esses filmes provocam.
Jonathan Levine está interessado em fazer a história avançar sem chamar atenção para A Sétima Arte. O que salva “50%” de ser um dramalhão ou uma produção esvaziada como “Drive” e “Shame” é sua absoluta franqueza, sua fragilidade deliberada. Em vez da opacidade, a transparência; do artifício, a simplicidade; da afetação, a autenticidade.
Além do mais, Levine é inteligente o bastante para presentear o espectador com a ausência de Carey Mulligan, tão atraente quanto um semáforo. Ele também não quer reabilitar, em pleno 2012, os sintetizadores da década musical mais famigerada da história, nem resgatar (a sério, em 2012) um subgênero, o do justiceiro solitário, como Nicolas Winding Refn em “Drive”. Muito menos quer esfregar no nariz do espectador a solidão dos grandes centros urbanos como Steve McQueen em “Shame”.
É claro que as escolhas de Levine não estão 100% livres de deslizes, mas o objetivo principal é investigar quão difícil se torna a vida das pessoas afetadas pela doença. O roteiro guarda os trunfos para o final, quando as revelações (fatos simples, até mesmo convencionais) criam espaço para detonar a emoção, reprimida na maior parte do tempo, num clímax catártico.
“50%” não vai mudar o mundo, nem será arquivado sob as tags de radical, cinema autoral, e outras expressões pomposas que não dizem nada. Mas encontrará seu caminho ao lado de pequenas jóias como “Lula e a Baleia”, “Garotos Incríveis” e “Sideways”. E se Rob Fleming quiser fazer uma lista de filmes que terminam ao som de grandes canções, como “Clube da Luta” (“Where Is My Mind”) e “A Rede Social” (“Baby, You’re a Rich Man”), “50%” pode entrar na disputa.
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– Gabriel Innocentini (siga @eduardomarciano) é jornalista e já escreveu para o Scream & Yell sobre Tom Waits (aqui), Thomas Pynchon (aqui), Jorge Ben (aqui) e Jennifer Egan (aqui)
Leia também:
– “Drive”: um filme econômico que tem muito a oferecer (aqui)
– “Sideways”: Alexander Payne continua contando piadas sem graça (aqui)
– “Clube da Luta”: Se essa é a sua primeira vez, recomendo: assista duas (aqui)
Gostei muito desse filme, que é tocante e honesto. Numa época onde supervalorizam filmes meia boca, 50% escapa da mediocridade. Entra mesmo nessa lista de pequenas joias, que eu ainda acrescentaria, além dos citados no seu texto, Garota Ideal com o Ryan Gosling… Abraço.
Só um detalhe: o Seth Rogen era o “amigo” da vida real do roteirista, quando ele teve câncer e se inspirou para escrever o roteiro do filme. Ou seja, Seth Rogen precisou ser muito….”Seth Rogen”, para fazer o amigo sobreviver. É uma bela história de amizade. E o Pearl Jam como trilha principal, concordo plenamente como algo marcante.
comparar drive com este é como comparar sin city com as pontes de madison.
Sou obrigado a comentar: não entendi se é uma crítica ao 50/50 ou uma desculpa para detonar Shame e Drive. Vi os três. Gostei dos três. Adorei a trilha de 50/50 e os sintetizadores de Drive. Acho que 50/50 se sustenta por si só. Desnecessário esse excesso de comparação. Just my 5 cents. 🙂
POis é takeda…tava lendo e ia comentar sobre a raivosidade desnecessária aos outros filmes. Nunca me agradam textos que começam com ‘esqueça isso, esqueça aquilo…’. POr que esquecer? por que uma coisa tem de ser excludente em relação a outra? Por que as coisas precisam ser impositivas? acabei desistindo do texto por conta disso…e acredito até que o filme deva ser bom…mas o texto não estimula a conferir..pena.
Tô com o Takeda e o Ismael. Adorei “Drive”, e ainda não vi “50/50”, mas senti que a resenha serve muito mais como análise dos três filmes do que como crítica à “50/50” – e essa análise tem obviamente pesos e medidas diferentes.
50/50 é ótimo e Drive é sensacional, mas os dois não têm qualquer ligação. é como comparar televisão e torradeira.