texto por Leonardo Vinhas
fotos por Flávia Durante
Silver Apples. Não sabe quem ou o que é? Essa é uma banda do tempo em que as notícias demoravam para chegar – e que se não fosse pela internet, uma boa parte dos fãs não teria conhecido. Incoerências à parte, uma banda brilhante.
Aliás, hoje não mais banda. A morte do baterista Danny Taylor em 2005 deixou apenas Simeon Coxe III na formação. Simeon – o cara que criou um instrumento que leva seu nome, um conjunto de osciladores de som manipulados junto com programações, em uma estrutura que ele criou em 1967. Simeon, o tiozinho que subiu ao palco do SESC Vila Mariana (17/02) parecendo um Professor Pardal lisérgico, um vovôzinho doido disposto a liquefazer o cérebro dos ouvintes.
Silver Apples. A banda que lançou as bases de muita coisa da eletrônica e da psicodelia, coisas que você nem desconfiava que tivessem uma fonte em comum. A banda que mostrou que máquinas podem criar transes melhores e mais poderosos que aqueles causados pela hipnose repetitiva de instrumentos profissionais.
A banda que não foi mais que um rodapé da Bizz para ouvintes brasileiros por muitos anos.
Essa banda apareceu em São Paulo e veio para tocar. Astronauta Pinguin abriu o show, para desagrado de muitos dos presentes, e deu ao público sua versão punk de Walter (Wendy) Carlos punk misturado com trilha de videogame, fazendo um show dispensável a título de couvert. (Mas como ele foi parece ter sido um dos articuladores da vinda do Silver Apples ao Brasil, permite-se a deferência. Além do mais, não foi ruim. Apenas desnecessário).
A coisa toda clicou com Simeon, velhinho e lucidamente lesado, entrando no palco e logo mandando “Misty Mountain” a partir de seus sintetizadores, osciladores e sons pré-programados. Tudo orgânico, mesmo sendo executado por máquinas. Tudo que você podia esperar ouvir se alguma vez tivesse se aventurado pela música da banda: “A Pox on You”, “You and I”, “I Don’t Care What the People Say”.
Em certa altura do show, é inevitável se perguntar como seria a apresentação com as baquetas de Danny Taylor – afinal, a sonoroidade do Silver Aplles sugere como seria o samba se ele fosse reimaginado por um discípulo de Stockhausen cheio de ácido. Não entenda mal: o transe flui às mil maravilhas ao vivo, e as variações das versões de estúdio não são perdas, apenas justas recriações. Porém as batidas de Taylor – um baterista nada convencional – poderiam criar um universo à parte, ainda mais amplo do que o que estava sendo proporcionado pelo simpático cientista louco no palco.
E Simeon, mesmo falando sozinho, esbanja vitalidade e sabe conduzir um show, com sua voz mântrica e seu carisma natural. Sabe, inclusive, que o melhor momento para introduzir uma composição nova é depois do efeito de alegria suprema proporcionado por “Seagreen Serenades”, o mais perto do pop que ele consegue chegar. Desarmados pela beleza da canção, prestamos atenção à nova “Purple Egg” – e após ela, uma sequência final matadora, tendo em “Oscillations” o momento derradeiro.
Todo mundo aplaude de pé e comove sinceramente o maluquinho – que volta para uma rendição solta e alto-astral de “I Have Known Love”. Na rua, a sinfonia urbana das ruazinhas residenciais quase se cala como que para preservar por mais tempo nossa experiência. Delírio, claro – a cidade não está nem aí para as pessoas. Mas é impossível passar pela música do Silver Apples ao vivo e não querer acreditar que a vida é boa e poética. Silver Apples. Puta show.
– Leonardo Vinhas assina a seção Conexão Latina (aqui) no Scream & Yell e já escreveu sobre O Rock Argentino Depois De Cromañon (aqui) e entrevistou a banda Onda Vaga (aqui)
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