São Paulo – 24/01
por Bruno Capelas
fotos por Stephan Solon
“Música com a alma do verão”. O slogan do Summer Soul Festival – bom representante da escola de “traduções malfeitas” tão apreciadas pelas distribuidoras de cinema no Brasil – tentava explicar o que nomes tão díspares quanto Bruno Mars, Seu Jorge e Florence + The Machine fariam se apresentando na mesma noite, véspera do aniversário de São Paulo. A chuva que deixou a cidade caótica no dia anterior não apareceu, por sorte, deixando o Summer Soul com uma atmosfera de noite quente, condizente com o nome do espetáculo. Com ingressos entre R$ 200 (pista) e R$ 480 (a mais uma vez presente e tétrica pista premium, que ocupava a frente do palco), o festival apresentou shows variados em sonoridade – e também no que diz respeito à expectativa e a frustração do público. Foi uma noite na qual os melhores shows foram aqueles que cumpriram com o que prometiam ou fizeram até mais do que se esperava, enquanto outros tentavam exibir mais do que verdadeiramente podem.
Pontualmente às 18h50, Dionne Bromfield abriu os trabalhos. Carismática, a cantora inglesa mostrou desenvoltura e personalidade em suas próprias canções e também com bons covers – como foi o caso de “Forget You”, a versão para menores de “Fuck You”, de Cee-Lo Green. Em “Ain’t No Mountain High Enough”, a jovem de apenas 15 anos causou arrepios ao emendar o clássico de Marvin Gaye e Tammi Terrell a “Tears Dry On Their Own”, de sua madrinha Amy Winehouse – que cantara na primeira edição do Summer Soul Festival, em 2011. Dionne ainda se aproveitou bastante da paisagem ao redor, com o sol que se punha em São Paulo emoldurando bem a boniteza de suas canções originais, como “Foolin’”, “Yeah Right” e “Ouch That Hurt”, naquele que, como surpresa, acabou sendo o melhor show da noite.
Em um vestido azul chamativo, com destaque para uma fenda que exibia suas pernas, a cantora Rox fez um show que não despertou arroubos de emoção, mas foi bom passatempo. Se por um lado sofreu com o som desregulado, que deixou seus vocais estourados, e pela comparação imediata com a apresentação anterior, por outro mostrou bons momentos, especialmente na releitura ousada de “Only Girl (In the World)”, sucesso de pista de Rihanna, e na interessante intervenção do ska em “Rocksteady”.
Na sequência, os All Stars pularam como se não houvesse amanhã assim que a “bruxa ruiva” Florence, acompanhada de sua banda, compareceu à Arena Anhembi, com uma série de canções tristes. Ao se olhar o line-up do festival, Florence era visivelmente o peixe fora d´água – uma diferença que se tornou visível no estilo de seus fãs que, no olhômetro, compunham mais ou menos uns 40% da plateia presente. Cheias de arranjos que parecem intrincados, as músicas de Florence nada mais fazem que repetir alguns clichês do pop (bateria pulsante, palminhas, teclados fazendo cama para um refrão impactante) de maneira quase insincera. É música que tenta soar difícil, mas é meramente pop, tocada para um público que adora dizer que ouve música difícil de ser escutada, embalada por uma atitude teatral misteriosa que beira o fake. Para dizer que não falei das flores, é preciso ao menos dar mérito a “Dog Days Are Over”, hit da ruiva que, ao utilizar a temática clássica da superação, tem muita força e se assume como pepita pop.
Às 22h30 foi a vez de Seu Jorge, com o perdão do trocadilho, colocar as burguesinhas para dançar. Apesar do entusiasmo dos presentes, o carioca fez um show que parecia que ia engrenar no começo, mas não pegou. Tudo bem, os sucessos de sempre (“Carolina”, “Mina do Condomínio”) funcionaram, mas as “Músicas de Churrasco” – a do parceiro, a da cerveja, a da doida, a da vizinha… – soaram maçantes. Foi o momento relax do festival, no qual muita gente aproveitou pra sentar, descansar, puxar um fumo e comer – as barracas de alimentação e os bares, por sinal, estavam sem filas, mas faltou certo cuidado com o produto final. As pizzas, por exemplo, vinham muito quentes e cheias de óleo, queimando e sujando os dedos dos aventureiros.
Era pouco mais de meia noite quando Bruno Mars deu início à sua apresentação, para delírio do público variado que o acompanhava – de crianças com faixas na cabeça declarando seu amor pelo cantor até patricinhas e caras bombados com camisetas da grife americana Abercrombie & Fitch. Mars faz entretenimento em sua forma mais pura, mas cumpre as expectativas, em uma hora e pouco de boa diversão. Uma medida disso: a mash-up de “Billie Jean” executada sobre a base de “Smells Like Teen Spirit” faria Kurt Cobain se revirar em um hipotético caixão, mas ali, na hora, foi extremamente contagiante. Outra cover esperta foi a de “Money (That’s What I Want)”, gravada pelos Beatles em 1963, que apareceu antes de “Billionaire”. O momento mais curioso do show, porém, foi quando a plateia, cheia de garotas, cantou “Oh If I Catch You” para o americano, que não entendeu, deu risada e disse: “I don’t know what you guys’re saying, but I hope it’s good”.
Hitmaker nato, o cantor empilhou refrões atrás de refrões, que soaram melhor ao vivo, com algumas arestas a serem aparadas, do que cercados da produção redondinha – e por vezes quadrada – de suas versões de estúdio que povoam as FMs por aí. “Nothin’ On You”, “The Lazy Song”, “Grenade” e “Just the Way You Are” mostraram a que veio o americano, apoiado por uma boa banda. Mars ainda tem muito a aprender como performer, mas cativou os presentes emulando Michael Jackson. No bis, “Talking to the Moon” encerrou a noite nublada e sem estrelas, já perto das duas da manhã – um ponto fraco do festival, que se aproveitou do feriado local no dia seguinte, mas esqueceu-se da falta de transporte público no horário de encerramento.
Concebido em 2011 em torno da figura de Amy Winehouse, o Summer Soul foi em 2012 um balaio de atrações: próximas mesmo do gênero, só as duas atrações iniciais. Por outro lado, se for para ignorar o rótulo, o festival não fez feio – embora pudesse ter sido mais cuidadoso na escalação, com atenção especial para os horários dos shows. Sem grandes problemas na organização, talvez caiba às edições vindouras ser mais inventiva com os artistas que traz – investir em artistas veteranos talvez seja um caminho interessante a ser seguido, além de dar destaque a boas revelações do gênero, algo que o próprio festival fez em 2011 com Mayer Hawthorne e Janelle Monáe. De 2012, ficará guardada a sensação de uma noite divertida, na qual, apesar de alguns tropeços aqui e acolá, predominou o entretenimento.
Rio de Janeiro – 25/01
por Renata Arruda
fotos Stephan Solon
A quarta-feira estava particularmente quente no Rio de Janeiro para receber a segunda edição do Summer Soul Festival – primeira em solo carioca –, uma minimaratona de shows no HSBC Arena, na Barra da Tijuca.
Assim como em São Paulo, Dionne Bromfield abriu a noite. Animada, a jovem cantora fez uma apresentação divertida, colocando a plateia pra dançar com as músicas do seu recente “Good For The Soul” e foi efusivamente aplaudida quando declarou que faria uma homenagem à sua madrinha Amy Winehouse, emendando um cover de “Ain’t no Mountain High Enough”, gravado por ela em seu primeiro CD, com “Tears Dry on Their Own” (trocando o “fuck” da letra original por um bem comportado “mess”).
No intervalo, hora de passear pelo ambiente que pouco tinha a oferecer: nada de cabine de fotos, conforme prometido, uma barraquinha de camisetas e CDs e alguns quiosques de comida – R$ 14,00 por um cheeseburger do Bob’s, daqueles congelados que vendem nas lojinhas dos postos de gasolina, mais uma porção de batatas que, na verdade, era um saquinho de Ruffles. Na volta para a pista, uma enorme harpa colocada no palco – e o aumento considerável de público – “anunciava” a próxima atração: Florence + The Machine.
No palco, uma figura pálida, de cabelo quase laranja, vestida em uma túnica azul de mangas longas esvoaçantes e soltando uma afinadíssima voz etérea, causava a impressão de estar se presenciando algum ritual pagão. Florence abria os braços e parecia flutuar enquanto andava pra lá e pra cá. Mesmo que, teoricamente, Florence + The Machine quebrassem o clima do festival com suas músicas a la Enya pop, uma boa parte do público transformou o ambiente em um exclusivo show da banda, cantando todas as músicas, pulando em refrãos improváveis e soltando balões coloridos durante a execução frenética de “You’ve Got The Love”. Empolgada, Florence soltou um espontâneo “we love you”, agradeceu em português e se despediu fazendo o símbolo do coração com as mãos, deixando na cara de alguns presentes um sorriso irônico.
Alguns minutos depois, com um pouco de atraso, subia ao palco a banda de Seu Jorge, ainda sem o cantor, para esquentar o público que já lotava a arena. Assim que pisou no palco, Seu Jorge foi ovacionado, numa recepção muito mais calorosa que a exibida em São Paulo. Se na capital paulista o público indiferente aproveitou para colocar a conversa em dia e fazer uma pausa pra banheiro, bebida e cigarro, no Rio, no bom sentido, a arena de luxo se converteu em uma noite na suburbana Via Show durante a passagem de Seu Jorge, com a plateia dançando animadamente e esfriando somente nos momentos das baladas. Com direito a declamação de uma letra dos Racionais MC’s, Seu Jorge se mostrou contido e entregou uma apresentação correta, de pouca interação com o público ou grandes momentos. O motivo pareceu claro quando o cantor informou os presentes sobre o trágico desabamento dos prédios no centro da cidade, e parou a música para pedir um minuto de silêncio pelas vítimas.
Fechando a noite, Bruno Mars mostrou que era realmente a grande estrela do dia. Recebido aos gritos por dezenas de adolescentes com faixas na cabeça (e crianças além de meninas na faixa dos 10 anos cantando todas as músicas e outras menores acompanhadas pelos pais), foi impossível ouvir a voz – não muito potente – de Mars durante a primeira música, mesmo que o som estivesse mais alto no show do cantor do que nas demais apresentações.
Demonstrando talento como entertainer, Bruno apareceu vestindo uma camisa 10 verde-e-amarela e colocou a plateia no bolso durante toda a sua apresentação (que curiosamente foi a única a ser exibida no telão principal do palco). Sem deixar de sorrir um único minuto, o cantor se dividiu entre solos de guitarra, brincadeiras com a banda e passos sensuais, em uma sucessão de hits que foram capazes de contagiar tamanha a empolgação com que eram tocados e recebidos pelo público. Público capaz de vir abaixo com um simples “eu amo vocês” e acompanhar em coro a versão em inglês do hit “Ai, Se eu Te Pego”, que Bruno Mars puxou na guitarra, no meio de “Lazy Song”, após ter sido alvo de uma brincadeira de fãs em São Paulo.
Único a fazer bis, Bruno Mars fechou seu set cantando sentando em um banquinho a balada “Talking to the Moon”, quando uma parte do público já começava a ir embora. Declarou ter ficado chateado ao saber da tragédia no Rio, mas disse que estava muito feliz de estar ali e se despediu agitando uma pequena bandeira do Brasil levada por uma fã encerrando um evento cujo ponto positivo foi mostrar que ainda existe público capaz de não ficar blasé em um festival de atrações tão distintas. Ainda bem.
– Bruno Capelas (@nocapelas) é estudante de jornalismo e assina o blog Pergunte ao Pop.
– Renata Arruda (@renata_arruda) é jornalista e colabora na empresa Teia Livre e na Revista Cultural Novitas
“agradeceu em português e se despediu fazendo o símbolo do coração com as mãos, deixando na cara de alguns presentes um sorriso irônico.”
QUE Q VC QUIS DIZER COM ISSO DE SORRISO IRÔNICO, FIQUEI NA CURIOSIDADE?
O sorriso irônico aí é uma forma sarcástica de manifestar vergonha alheia.
Afinal, é uma baita babaquice tal gesto.
Line-up terrível. No ano passado, o Summer Soul foi milhões de vezes melhor, não por causa da Amy, mas por fazer valer o nome do neosoul.
Para compensar, só trazendo em 2013 Erykah Badu, The Roots, Booker T. Jones…. pq 2012 foi terrível! Não perdi nada.
Gostei da resenha do show da Florence, colocou no devido lugar a mediocridade dessa artista que só engana os indie(otas)