Scream & Yell recomenda: Nevilton

por Bruno Capelas

Após anos de espera, finalmente Nevilton lança um disco de verdade. A frase soaria pejorativa se a própria banda não tivesse assumido a piada e tivesse intitulado seu primeiro álbum com o nome de “De Verdade”. O disco foi gravado em 2009, contém 14 faixas – a maioria delas já registradas anteriormente em EPs, como o hino “Paz e Amores” e a esperta “O Morno”, uma das melhores músicas de 2011 segundo a votação anual deste site, e está disponível para download aqui. “De Verdade” foi o principal assunto da conversa que o vocalista e guitarrista Nevilton de Alencar teve com o Scream & Yell em dezembro passado, entre a casa da banda e o SESC Consolação, em São Paulo.

Formado em 2007, quando o guitarrista e vocalista Nevilton e o baixista Tiago Lobão voltaram de Los Angeles inspirados em realizar um novo projeto musical, o grupo hoje mora em São Paulo. A mudança de cidade ainda não pode ser sentida no trabalho da banda, mas mudou sua maneira de pensar: “A mudança pra São Paulo colocou um pouco mais de pé no chão”.

Após a saída de Eder Chapolla em julho de 2011, a banda atualmente passa por um revezamento de bateristas. O rodízio, entretanto, não tem sido empecilho para a banda se apresentar Brasil afora a bordo de seu carro Ayrton, o Siena. A trajetória na estrada impressiona: Nevilton tem levado para o interior do Brasil um dos melhores shows da atualidade, chegando a Estados onde a maioria dos grupos costuma não se apresentar – um aplicativo no site mostra os lugares por onde já passaram. (confira aqui).

Em um papo que durou mais de três horas, entre hambúrgueres, panetone e copos de tererê (bebida gelada feita com erva-mate), o cantor ainda comentou sobre o Fora do Eixo, a experiência de abrir para o Green Day, em 2010, a relação da banda com a Internet e as influências que permeiam seu trabalho. Enquanto mostrava demos antigas em seu computador pessoal, o vocalista mostrou algumas de suas músicas favoritas, numa sequência que unia Stephen Malkmus e Cake a Odair José, Stan Getz, Fágner e Noel Rosa, passando pelo Karkwa, uma recente descoberta canadense que teve no dia da entrevista. Com a palavra, Nevilton.

Desde quando vocês estão aqui em São Paulo?
A gente mudou pra cá agora em março [de 2011], mas a gente já vinha tendo um namorinho com a cidade há mais de dois anos. A primeira vez que a gente tocou aqui foi numa festa da Neu!, no aniversário do podcast Qualquer Coisa, que naquela época ainda era só um podcast (nota da redação: ex-programa de rádio dos jornalistas José Flávio Júnior e Paulo Terron junto com Max de Castro). Desde aquela vez já voltamos bastante pra cá, a cada dois meses mais ou menos. Ou era pra tocar na Funhouse, ou em algum outro lugar, ou pra vir mesmo, pra dar rolê, pra conhecer mais a galera daqui, as bandas daqui. Em março a gente mudou, mas parece que ficou mais distante o contato com São Paulo. Tu chega aqui e tudo vira uma grande correria, uma loucura. Acho que eu via e curtia mais os meus amigos e a galera da banda antes de mudar pra cá.

Mas como é o dia a dia de vocês aqui?
Basicamente a gente passa a semana se preparando pro final de semana. Às vezes o final de semana pode começar numa quarta ou numa quinta-feira, dependendo de para onde a gente vai viajar. A gente vê a logística disso: como iremos, se é de carro ou de avião, tem que ver o que vai levar e o que não vai levar, tentar fechar mais datas. Nosso foco agora é trabalhar nisso de excursionar mais, correr mais atrás. Imagina: desde março pra cá a gente fez um monte de correria com o disco. As partes burocráticas, a parte das artes, as coisas ao redor disso.

E são só vocês que cuidam da banda? Não tem produtora, como funciona isso?
Cara, basicamente somos só eu e o Lobão. O Lobão cuida mais do site. Hoje em dia começamos a trabalhar com produtoras em algumas regiões do país, mas isso não nos faz sentir mais confortáveis. Ainda precisamos ter um fluxo legal de tocar por aí, então é muito importante estar fazendo acontecer, mesmo que a gente não faça shows grandes sempre.

Como é a frequência de shows de vocês?
Posso dizer que temos feito um mínimo de, sei lá, seis shows por mês. De julho pra cá, isso aumentou. Foram 10 shows em agosto, 11 em setembro, nessa média. Varia muito: em dezembro, por exemplo, a gente fica bem tranquilo, janeiro também. Nosso trabalho é de entrega total ao universo da música. No meu caso, eu acordo e durmo Nevilton (risos), acordo vivendo a banda. O tempo todo a gente fica tentando se virar com o que temos em mãos hoje. Isso vai desde marcar uma entrevista até fechar outros shows, da banda, ou num projeto violão e voz. A gente tenta não fechar o leque, pra poder apresentar o trabalho de alguma forma.

É um assunto complicado falar de grana, mas a conta da banda está fechando?
Fecha. Fecha em cima, mas fecha. Tem mês que fecha bem, e tem mês que não fecha. Há quatro anos fazendo música, posso dizer que hoje conseguir fechar as contas é algo meio que natural. Espero que daqui a um tempo eu possa falar que está fechando bem, e que meu filho – que pretendo ter – possa fazer um cursinho de inglês particular.

Enquanto a gente marcava a entrevista, vocês tocaram em lugares bem distantes no Brasil: Feira de Santana, Santa Maria, Campo Grande… como vocês fazem essas viagens todas?
Depende muito do que a gente negocia. Tudo varia, a gente coloca as condições que a gente precisa, o produtor coloca as condições que ele pode oferecer, e aí a gente decide se vai ou não. É normal. Hoje a gente tenta não fazer só um show no final de semana, tenta marcar mais datas na região, pra tentar rentabilizar. Não é só um show que paga todo o custo da viagem. Mesmo que cada show pague apenas um pouquinho, já vale a pena.

Até porque isso vale divulgação também…
O tempo todo a gente está pensando em como a gente pode levar o nosso trabalho. Seja com o site, seja com outras plataformas, como a MB, a TramaVirtual, OiNovoSom. Existem várias plataformas, de maneira que mesmo que você não dá tanta importância a elas, sempre vai haver alguma resposta. Se o cara entrar no Palco MP3, vai ter coisa lá, mesmo com tudo desatualizado. Se alguém procurar, vai achar. A gente está investindo em divulgação, dedicando nosso tempo a essas maneiras, seja fazendo acordos com festivais e casas novas, que a gente nunca tocou, pra formar público. É um trabalho constante, que toda semana, todo show acontece. Ir lá, fazer um show legal e convencer aquelas 50 pessoas que estavam lá a levarem seus amigos nos próximos shows, (para) no próximo dar 250. É assim naturalmente, e tem rolado. Tem várias cidades hoje que, mesmo distante dos grandes centros, a gente pode dizer que já tem o jogo ganho. Tocar no interior é muito legal, as coisas começam a mudar.

Uma coisa bacana é que vocês parecem não se abalar com pouca plateia. Vi dois shows de vocês esse ano aqui em São Paulo, e em nenhum dos dois tinha mais de cinquenta pessoas. E mesmo assim foram dois grandes momentos…
São Paulo é um pouco assim: tem tanta coisa aqui, tem muitos shows. Já fui em muito show de gente grande que também não estavam lotados. São muitos fatores que fazem as pessoas não irem em um determinado show. Por exemplo: uma vez eu fui ver os Superguidis no SESC Santana, quase perdi o metrô na volta do show. Muita gente não vai por medo de não ter como voltar, ou porque é num lugar mais distante do centro. Vai da escolha do público. É uma coisa maluca.

Como é a relação de vocês com a Fora do Eixo (FdE)?
A gente considera a FdE como parceiros. Por exemplo: fechamos um show numa cidade xis. Se a gente sabe que em alguma cidade próxima tem um coletivo cultural, a gente procura agir junto.

Nos últimos dias aconteceu a saída de alguns festivais da Abrafin (Associação Brasileira de Festivais Independentes), muito em parte por causa da Fora do Eixo, e toda hora acontecem discussões na Internet sobre a forma como a organização tem atuado. Como é que você vê isso, como banda e como pessoa?
Cara, da forma mais amigável possível. Eu sempre abri o leque. Seja trabalhando com uma produtora que só faz grandes eventos lucrativos, até o lance mais ideológico e pensando no futuro. A gente tenta nunca restringir o trabalho. Seja participando de um projeto como o Outras Noites. A gente viu que era um projeto que era feito na raça. Se você acredita que essa turma está fazendo um trabalho legal, então não tem porque ficar falando: “Ah, mas não vai me dar o dinheiro que eu quero, a divulgação que eu quero”. Não quer, não faz. A mesma coisa com a Fora do Eixo. É claro que tem os Fora do Eixo xiitas, os anti Fora do Eixo xiitas, acho meio bobeira isso. O legal é tentar usar o que há de bom e poder somar com músicas, shows, experiências. O importante é não fechar as portas.

Mudando um pouco de assunto, falando mais sobre o disco. Olhando nos créditos, pode se ver que ele foi gravado em 2009, mas vocês lançaram o EP “Pressuposto” no meio desse tempo, queria que você explicasse um pouco mais sobre isso…
A gente gravou o disco e antes de lançá-lo resolvemos que íamos fazer um outro lançamento físico, até pra ter essa experiência. Saber qual é a resposta que a gente iria ter, como seria a distribuição que a gente conseguiria. Uma coisa bacana que aconteceu foi a distribuição em vários pontos Fora do Eixo, o CD [“Pressuposto”] chegou mais longe, pro pessoal aonde a gente ia tocar. Tinha que ter alguma coisa pra ser um termômetro, não queríamos fazer isso com um disco cheio. O “Pressuposto” foi bem legal, tivemos ótimas respostas de crítica e de público, e é um repertório que tem ali de 3 a 5 músicas no show. Se a gente não tocar esse repertório, a gente está marcando touca, porque é o que as pessoas conhecem, sabem cantar…

Muita gente que foi no show do SESC Ipiranga nem sabia que tinha disco novo…
É. E daqui a um ano a gente espera que as pessoas lembrem mais do “De Verdade”, ou estejam curiosas para um EP novo…

Como foi a seleção das músicas, uma vez que vocês usaram muitas músicas dos EPs anteriores?
Pro disco, a gente acabou gravando algumas canções cujos arranjos já estivessem mais próximas da linguagem do trio e do show. A gente gravou ele aqui no (estúdio da) YB (em São Paulo), ao vivo, todo mundo junto, uma coisa pra tentar ter uma pegada de ao vivo. Pra dizer que não, tiveram duas músicas que eu gravei umas guitarrinhas a mais, mas nada demais. Tocamos uns três, quatro meses com metrônomo, os três ensaiando, só para ter noção de como ia ser pra gravar. Foi uma experiência muito legal, num estúdio legal, de qualidade de gravação boa. Ficamos bastante satisfeitos. “Singela”, por exemplo, é uma música que não apareceu porque é mais tranquila, a gente não tava tocando tanto nos bares. No SESC, tudo bem, fica bonito, mas num barzão barulheira, é difícil tocar “Singela” ou “Do Que Não Deu Certo”. Mas estamos mudando isso. É a parte boa do tempo passar: quanto mais a gente toca, mais espaços vão se abrindo, e a gente tem perspectivas de fazer outras músicas, mais tranquilas.

O disco foi gravado com o Éder [Chapolla], e hoje vocês tão tocando com o Flipi, como é que é isso? Explica um pouco melhor esse lance dos bateristas.
Não adianta explicar, eu também não entendo muito bem. Agora, então… “Pressuposto” e “Vitorioso Adormecido”, nas versões do “Pressuposto”, a gente gravou com o Fernandinho, que foi o primeiro batera, e que saiu da banda um pouco antes da gente lançar o EP. Foi mais ou menos na mesma época que a gente começou a viajar mais, e ele não podia se dedicar tanto, porque tinha um comércio de comida congelada, teve que se dedicar à empresa dele também e pulou fora da banda. Nesse meio tempo, o Chapolla entrou. Um ou dois meses depois, não lembro agora, a gente gravou “O Morno”, “Singela” e “Do Que Não Deu Certo”, que completaram o EP. Agora em julho desse ano o Eder saiu da banda. O lance começou a ficar mais inviável quando a gente se mudou pra São Paulo: ficou mais difícil pra ele, que morava em Cianorte. Deu uma distanciada, perde um pouco o contato, desanima. Passou um tempinho e começamos a tocar com o Bruno Castro, batera muito gente fina, que toca numa banda chamada Rajar, e fizemos uns 45, quase 50 shows como Flipi na batera. E agora o Chapolla está se reaproximando – a turnê no Rio Grande do Sul de agora foi com ele. E ele é um cara que a gente tocou mais de dois anos, então o som é mais orgânico, não sei se é melhor ou pior. É questão de relacionamento mesmo, de fluência, de funcionamento que melhora com o tempo. Pelo menos pra quem tenta melhorar, melhora. O Chapolla é um cara que ainda… (interrompe). Não sei, a gente está falando que está sem batera agora. O Flipi também não está muito dentro. É também uma parte do processo, ele tem outras bandas, outros trabalhos. O que a gente está fazendo é tentar não arrumar dificuldade para levar o nosso som adiante. A gente quer é fazer show.

Por que “De Verdade”? A resposta talvez seja meio óbvia, mas é importante perguntar…
Ah! É meio assim: a gente sempre lançou as coisas pela Internet, ou lançamos os EPs, pra vender por cinco reais. Teve também o “Pacotão de Demos”, que era físico e juntava esses vários lançamentos virtuais, lançamos um EP… Mas sempre vinha aquela pergunta: “mas quando é que vai sair o disquinho de verdade?”. Aí a gente incorporou a piada. O nome já tava pronto.

E essas músicas “novas” do “De Verdade”, elas são da mesma época que as do “Pressuposto”, então…
“Fortuna” e “Por Um Triz”… são músicas que a gente tocava, mas não tanto assim. Quando a gente decidiu gravar as catorze, paramos de tocar algumas, pra guardar mesmo, pra ter essa sensação de “ineditismo”. Mas tem mais música por aí… dá pra fazer um disco de mentira agora.

Como foi rodar o país sem ter um disco “cheio”? Tava vendo aquele aplicativo no site, vocês foram para muitos lugares que as bandas costumam não ir…
Eu não tive a sensação ainda de rodar com o disco, mas eu acredito que tudo isso só aconteceu e se viabilizou a partir da tentativa. Era ir pra algum show, ser chamado pra um festival, se entregar, tentar fazer um show o mais legal o possível. Conhecer as bandas, trocar experiências, fazer com que de alguma forma as pessoas queiram que a gente volte, que alguém se interesse pelo nosso som. Sempre foi assim, uma questão meio que de funcionamento viral. É cativar as pessoas, naquele papo do Pequeno Príncipe mesmo. É trabalhar de uma forma humana, tem um monte de gente que vai no show pra se divertir, então vamos tentar divertir todo mundo.

Isso é algo que eu ia comentar também: parece que pra vocês não tem tempo ruim, mesmo se a casa está vazia ou pela metade.
É assim: a gente foi feito na estrada. Como é que a gente sabe se o show está legal? É porque a gente tocou pra caramba. É só tocando que as coisas ficam naturais, a gente pode fazer piadinha, tem um entrosamento ali. Acho que é assim que todo trabalho deveria ser. Como um jornalista, que precisa ter fluência pra poder escrever, pra passar a mensagem do jeito que gostaria, um escritor… tem que escrever bastante. É um exercício de expressão, seja um show, seja compor. Não sei se de uma forma comercialmente falando, mas acredito que também seja assim com fechar shows, colocar o trabalho pra circular. Hoje pra gente é muito mais fácil chegar numa cidade e se virar. Se não tem uma coisa no palco, ninguém vai chorar, a gente vai ver qual é o problema… Não tem dessas de reclamar. Surgiu um problema, vai lá e resolve. Se você tem um trabalho e quer mostrar, vai lá e mostra. Aonde dá pra mostrar, aonde não dá, por que não dá? O mapa do aplicativo está ficando cada vez mais bonito. Eu estava brincando esses dias que agora ele está meio desfigurado, mas no meio do ano ele tava no formatinho do bonecão do “Pressuposto”. Agora a missão é fazer ele ficar no formato do coração [da capa do “De Verdade”]: pra isso, vamos ter que ir pra outros lugares, Europa, América do Norte…

Além de tocar muito no Brasil, vocês já tocaram fora?
A gente ainda não fez quase nada no exterior. Tirando a experiência de Los Angeles, no começo da história da banda, num formato meio violão e percussão, do jeito que dava, e uma vez em Puerto Iguazu, na Argentina. Esse ano vamos tentar fazer uma turnê na Argentina, abrir mais esse leque, igual outras bandas tem feito. Se a gente tem essa possibilidade geográfica, em lugares que eu acredito que devem ser altamente roqueiros, é legal a gente tentar. É igual explorar o interior daqui: a gente deu mais atenção pro “Brasa” porque somos brasileiros…

Na última vez que vocês conversaram com o Scream & Yell, vocês falaram do Uno, que tinha batido, mas tinha muita estrada pra rodar. O Uno sobreviveu nesses dois anos?
Sobreviveu… a gente comprou ele mais ou menos com 7 mil km, vendemos com cerca de 90 mil km. Hoje a gente tem o Siena, que a gente chama de “Ayrton, o Siena”. O Uno era “Átila, o Uno guerreiro”. E aí o Ayrton é um ás, né. Ele tem mais porta mala, então hoje dá pra guardar o baixo no porta-malas – no Uno ele ia atrás do banco do motorista… Hoje dá pra guardar todos os instrumentos no porta-malas, dá pra levar as luzes de vez em quando… No banco de trás ficam só as malas de roupa, dá pra aproveitar pra tirar um cochilo, tem um espacinho bom. O próximo passo é tentar ter uma van, uma Kombi, ou uma Besta. Se for uma Besta, vai ser engraçado: a gente vai chamá-la de “Besta é Tu”. A gente podia até pintar a van com a capa do “De Verdade”… A gente tinha adesivado o Uno, na época da abertura do show do Green Day. Quando a gente foi no SWU, pra assistir, paramos o Uno num canto do estacionamento, e aí todo mundo passava e falava: “Pô, olha lá, os caras que abriram para o Green Day”. Muito massa, foi muito legal. Não sei se a gente vai fazer isso, mas eu quero adesivar o Siena. (risos)

Já falando do show do Green Day, pegando uma ponte… qual foi o maior show da carreira de vocês? Foi esse?
Foi. Tocamos para quase 30 mil pessoas, um palco gigante, um monstro na nossa frente. Tinha que parar e olhar bem pra ver se tinha fim. É uma sensação diferente pra caramba…

E como foi a resposta do público naquela hora e depois?
Foi tão rápido, cara… mas foi positiva sim. Tanto antes como depois. Óbvio que tem os xiitas, que estavam lá só pra ver o Green Day, e aí a gente viu muitos comentários daquele tipo “xingaram muito no Twitter”, mas a gente leva numa boa. Muita gente gostou, muita gente conheceu a partir desse momento, e acompanha a gente aqui em São Paulo. A gente sabe que chegou lá, sabe que a nossa sonoridade não é tão próxima à do Green Day, e a gente já imaginava que ia ter um pouco de rejeição. Ao mesmo tempo, foi uma oportunidade, um concurso, a gente tinha que se inscrever. A gente só chegou lá porque as pessoas acreditaram na gente. E foi um show igual a um show no SESC: seja tocando para 40 ou para 40 mil, a empolgação é a mesma. É chegar e passar o nosso recado. Num show de abertura geralmente usam o som mais baixinho, vários truques. Não adianta ficar reclamando, foi uma baita experiência legal, eu encaro mais umas dez dessa fácil fácil.

Pra quem a Nevilton gostaria de abrir um show, hoje?
Ia ser massa fazer do Foo Fighters, eu acho legal pra caralho. Daria pra fazer com muita banda, tem muita gente fazendo um trabalho legal, e às vezes são bandas que não são tão grandes assim… o lance é tocar.

Rolou um contato com o pessoal do Green Day? Eles viram o show?
O Tré Cool [baterista do Green Day] assistiu o show do lado do palco, ele curtiu pra caramba. Depois do show, a gente conversou com eles no camarim, eles foram muito queridos. O Billie Joe [Armstrong, vocalista e guitarrista do Green Day] é um cara calmo, ao contrário do que a gente pensou, porque ele é tão agitado no palco. Ele é super na dele, ria das histórias que a gente contava. Falamos que a gente vinha de uma cidade que tinha 100 mil pessoas, eles disseram que vieram de uma cidade do interior da Califórnia, que antes de Los Angeles eles moravam numa cidade muito pequena, que é assim mesmo… Foram muito gente boa. A gente viu que eles são humanos também, mesmo com eles sendo tão bem sucedidos. Claro, tem todas as mutretas comerciais bizarras do mundo, mas com certeza é porque eles são competentes, e são pessoas que vale a convivência, tudo funcionou pra isso.

O que raios é rock presidencial?
Rock presidencial é um rock muito nobre, sabe? Não, não. É uma brincadeira nossa: quando a gente começou a banda, a gente tomava muito conhaque Presidente, sabe? E era uma época que a gente ou comprava um pack de cerveja pra cada um, ou comprava uma garrafona de conhaque, e foi isso. Daí a gente começou a fazer o rock presidencial. Isso deu muita canja quando a gente foi pra Brasília, e tirou umas fotos com o conhaque lá, mas é uma grande brincadeira. Hoje a gente está até com um pouco de receio sobre como chamar o nosso rock. É rock brasileiro, música brasileira roqueira…

Ia te perguntar sobre isso também: o cara abre o disco e vê uma música que fala de Nirvana e Ramones, do lado dessa letra tem uma epígrafe do Belchior, nos shows vocês falam de João Donato, tocam Placebo, como funciona isso tudo? Como vocês organizam as influências da banda?
É essa loucura mesmo, é bem a minha cara. Os meninos são bem loucos também, essa grande mistura de música, vem do Nevilton mesmo. De ouvir Pixies, e depois sair de casa e ouvir Jean Leloup, uma banda lá de Montreal… hoje a gente vai viajar, então talvez ouvir um Daft Punk ou um Justice na estrada, e é isso. A gente ouve muita música, e essa é uma parte legal de muita estrada. Além do convívio de conversar, de estar sempre contando histórias, a gente também ouve muita música. Cada um leva o seu pendrive, e mostra música, e curte o som. Acho que isso vai ficando cada vez mais aberto à medida que a gente lança mais músicas. Em 2010 a gente fez uma participação no Oi Novo Som, que teve um concurso de versões. Participamos de três: um de Novos Baianos, tocando “Ferro na Boneca”, um de futebol, que a gente fez uma versão de um samba rock do Rio Grande do Sul chamado Pau Brasil, e depois teve Noel Rosa: gravamos três músicas, e daí escolhemos uma. Tem duas músicas do Noel que a gente tem guardado por aí, um dia dá pra soltar um EP. A gente vive muito com a música brasileira, com os rockões, com música estranha, música em francês…

Se aparecer um sambinha do Nevilton no próximo disco, ninguém se assusta?
Não.

E o Nevilton cantando em francês?
Também não. Isso é muito possível. Só não vamos exagerar: um sambinha em francês já é muito. (risos)

Outra coisa: você falou que vocês ouvem música no pen drive… quantos anos você tem agora?
Estou com 25 agora.

Então tu é da geração internet também. Queria saber se a internet influiu na tua carreira, mas como ouvinte de música…
Influenciou totalmente, de uma maneira que a gente pode dizer… Sei lá, começando o papo de curtir um “rock alternativo” (risos), curtir Pixies e Red Hot Chili Peppers. Na época que eu comecei a usar a internet, ainda não tinha MTV aberta em Umuarama. Com o Nirvana, por exemplo, foi o processo normal: escutei, achei legal e fui atrás. Quando meu pai comprou um rádio, ele me deu um CD com várias músicas aleatórias, e tinha “Rape Me”, acho, e eu pirei nesse som e fui atrás de comprar o disco cheio. A Internet foi o que abriu o leque: “ah, tu gosta de Nirvana? Então você pode ir lá e ouvir o Mudhoney, ou o Soundgarden, e você pode ler a respeito sobre essa banda, o Temple of the Dog, o Pearl Jam”. A internet te dá a chance de descobrir as coisas ao redor. Eu baixo música desde o Audiogalaxy, o Napster… a gente entrava no mIRC, não sei se você fez isso, e tinha uns canais pra você baixar música: você enviava o comando, e a pessoa ia te enviando, de usuário para usuário. É muito legal isso: a internet fez essa revolução e ainda vai mastigar muita coisa. Por exemplo, quem vai dizer o quanto esse trabalho [o “De Verdade”] vai ser conhecido depois de tanto tempo na Internet… o negócio é muito grandioso…

Ontem eu estava lendo uma entrevista com o Black Keys e eles disseram que não iam soltar o disco novo [“El Camino”] para streaming. Como é que vocês pensam isso, de colocar o disco para download, disponibilizar pro pessoal ouvir?
Cara, a gente está num momento ainda que a gente está firmando público. O melhor agora é que as pessoas conheçam as nossas músicas. Pra isso a gente também fez outras coisas: tem o disco de 15 reais, com capinha de acrílico, bonitinha, e o disco de cinco reais, que vem num envelopinho – a gente dá um monte desses nos shows. No futuro a gente quer tentar fazer um vinil, e vender a, sei lá, uns cinquenta reais, quanto tem que ser o vinil pra ele se pagar… No nosso universo do Nevilton, que é tão pequeno, não adianta ficar com aquela mentalidade: “Não, a gente só vai vender CD”. Isso seria fechar os olhos pro público: com certeza um monte de gente vai baixar o disco.

E se for pra colocar o “De Verdade” na iTunes Store, que começou agora aqui no Brasil? Vocês vão por?
Acho que vai ter sim. É bem possível que a gente coloque também. Não sei, pode ser que a gente faça uma versão diferente. Agora, a nossa ênfase é mais em fazer com que as pessoas conheçam o nosso som do que ganhar dois reais a mais, então prefiro que muita gente conheça e vá no show, cante as músicas junto do que ganhar um dinheiro diretamente já com aquela gravação. Tem muito espaço pra várias coisas…

Que outras coisas influenciam o trabalho de vocês? Filmes, livros, pessoas, lugares?
A música vem dessa vida maluca, do cotidiano besta que a gente tem, de coisas incríveis que a gente percebe por aí e que dão ideias legais pra fazer uma música. Essas mudanças, melhoras e pioras, isso tudo influencia o tempo todo. Eu não sou um grande leitor, mas eu gosto muito de ler, especialmente no universo relativo à vida de outros músicos, mas eu faço muita coisa ao mesmo tempo. Às vezes corri a semana inteira e não consegui parar pra ler dois capítulos do livro do Erasmo (“Minha Fama de Mau”). Agora eu estou lendo o do Keith Richards (“Vida”), e também um outro chamado “Tour Smart and Break the Band”, do Martin Atkins, é bem legal. O cara tem muitas dicas práticas sobre o ato de estar na estrada, e qual a importância de uma banda estar em turnê, dá pra você ver o quanto refletiu na gente. Tem várias bandas que nasceram no mesmo mês que a gente, quatro anos atrás. Mas acho que a maioria delas, ou até outras que surgiram antes, não estiveram ativas, não fizeram esse trabalho de corpo a corpo com o público. É muito importante estar na ativa. O livro do Martin Atkins trabalha nesse papo, dando muitas ideias pra resolver esses problemas. Quando eu conseguir ter 30% desse livro na minha cabeça, já bem resolvido, tenho certeza que a gente vai fazer um trabalho ainda mais legal. A gente gosta muito de arte. Cores, sensações, descrições, expressões, tudo nos influencia e nos faz pensar na música, não só na parte do áudio. Eu sou louco para fazer um clipe para cada música do disco, se tudo der certo ano que vem a gente faz, seja com parcerias, ou eu mesmo fazendo com uma câmera. Não precisa parar, com um cronograma tão ferrenho. Tem que se continuar trabalhando e fazendo as coisas.

Mudar pra São Paulo influenciou o teu modo de compor? As músicas tão diferentes?
Tão diferentes sim. Com certeza a mudança pra São Paulo colocou um pouco mais de pé no chão, de uma maneira um pouco mais seca, mas eu acho que o que mais influenciou foi o geral. Foi o tempo. São Paulo abriu um leque pra gente ver muita coisa: shows legais, ver um filme do Almodóvar passar no cinema – antes a gente só alugava ou baixava. São Paulo vem pra somar, igual Los Angeles veio também. Não sei se agora já vai se refletir no som, mas vai se refletir um dia.

Jogo rápido: três bandas brasileiras que você viu em 2011 e recomendaria pra alguém que falasse: “Quero ouvir algo novo, me indica alguma coisa?”.
É difícil… eu falaria agora de uma banda de Sorocaba chamada Inni, que tem um som maluco. Eles deram um rolê fudido esses dias, de Kombi, fazendo 28 shows em 30 dias, muito bacana. Você vê que os caras tão querendo apresentar o seu trabalho: eles compraram um gerador de energia, e chegam numa praça e podem tocar. É um grito: não tem boate? Tudo bem, a gente toca na praça. Sei lá, esses dias a gente tocou com o Seu Chico, que é uma banda que faz covers de Chico Buarque, o vocalista deles é o Tibério Azul, e ele tem um disquinho que eu achei muito bom. Não é rockão, é um som bonito… e uma terceira banda… pra quem ainda não conhece, e precisa conhecer, é o Letuce, do Rio de Janeiro. Se quiser trocar o Tibério por algo um pouco mais roqueiro, pega uma banda do Paraná chamada Humanish, que acredito que vai ser uma das bandas que mais vai representar o Paraná, eles devem começar a pintar nos festivais por aqui logo logo.

Três discos da tua vida?
“Nevermind”, do Nirvana, sem dúvida. “Carlos, Erasmo”, de 1971, do Erasmo. E… (longo silêncio) vamos pensar… eu iria falar uma coletânea… uma coletânea do Guided by Voices, que tem um nome meio grande e eu esqueci agora, depois a gente pesquisa… (Depois desse momento, durante a conversa, o cantor ainda considerou incluir “Alucinação”, de Belchior, e “Fashion Nugget”, do Cake, na lista, substituindo a coletânea do Guided by Voices, “Human Amusements at Hourly Rates”).

Você falou sobre o Humanish estar representando o Paraná… como você vê o Nevilton nesse sentido? Vocês são uma banda paranaense? Uma banda brasileira?
Uma vez de cada: uma banda de Umuarama, uma banda do Paraná, e uma banda do Brasil.

E tem algo de diferente nessas três coisas?
Elas só deixam a coisa mais específica: somos uma banda umuaramense, que é uma banda paranaense, que é uma banda brasileira. Somos influenciados por tudo que nos rodeia, e eu piro muito em viajar. As coisas funcionaram bem, pra gente ter encarado várias coisas boas – e algumas que não foram tão boas – porque a gente gosta de viajar e gosta de tocar. E essas coisas foram o suficiente pra gente encarar muitas situações. Acredito que assim que a gente tiver as condições de viajar ainda mais longe, a gente vai. Se ano que vem a gente puder ir tocar no Canadá, um sambinha em francês, a gente vai. É aquele papo de não restringir, de querer mostrar, e querer fazer. O mundo é muito cheio de possibilidades, e o grande barato é estar com vontade de fazer.

Muitas das canções de vocês não tem um personagem fixo: é “ele”, ou é “ela”, ou coloca pouco as canções na primeira pessoa. Lembrando de cabeça agora, “A Máscara” tem primeira pessoa, e “Fortuna” dá nome aos bois, mas não tem personagens… como é que essa identificação, se é que tem alguma opção por isso?
Não tem um porquê não. A verdade é que talvez fosse uma fase minha de composição. Eu nunca pensei muito em personagens, não precisa ter um nome porque assim fica muito mais fácil de se identificar num “ele”, num “ela”. Queira ou não, pra mim é muito mais legal quando eu consigo ouvir uma música e sentir algo dela em mim, consigo me identificar. Ajuda também. Às vezes você coloca um nome também e aí, pronto, o cara já gruda na música. Sei lá, “Bruno”, como tem em “Fortuna”, “Bruno era um bom moço”. O cara já leva isso pra ele o resto da vida. Então é… não existe um porquê, não tem uma regra. Vai ver às vezes o cara está falando de uma flor…

Pra encerrar: uma vez eu conversei com o Alexandre [Kumpinski], da Apanhador Só, e ele me disse que tinha uma música que ele não acreditava que tinha composto, que era “Bem-me-leve”. Você tem uma dessas? Uma preferida, uma filha única, aquela que você fala: essa daqui é a minha melhor?

Cara, eu tenho muitas filhas, e gosto muito de todas. Trabalho com elas com um ciúme danado, e se alguém falar mal… (risos). Não sei. “Pressuposto”, por exemplo, eu fiz e me senti muito bem. “O Morno” também. Tem músicas que fiz e me senti muito legal com elas, e músicas que fiz e chorei de me sentir exposto de uma forma singela, triste. Algumas que eu nunca nem toquei com a banda. Gosto muito de todas, não tenho uma preferida. A minha preferida agora é, sei lá, “Conto Até Pro Belchior”, porque eu estava mexendo nela agora, antes de vir pra cá. É uma música que vai chegar daqui a algum tempo… vamos ver o que acontece.

– Bruno Capelas é estudante de jornalismo e assina o blog Pergunte ao Pop. Fotos por Liliane Callegari e Marcelo Costa (shows no Centro Cultural São Paulo e na Livraria da Esquina, em São Paulo, 2010)

Leia também:
– Entrevistãos: Heitor (Gentileza) e Nevilton, por Marcelo Costa e Tiago Agostini (aqui)

8 thoughts on “Scream & Yell recomenda: Nevilton

  1. Muito boa a entrevista! Se todos tivessem o mesmo pensamento, de trabalhar e focar nos shows, na música, ao invés de tanto papo “político”…de repente o cenário não estaria tão ruim.

  2. Um dia, lendo o Estado de Minas aqui em “BH”, vi uma chamada de um show de uma tal banda chamada “Nevilton”. Não sei dizer porquê, mas chamou minha atenção. Liguei para minha esposa no serviço e a convenci ir ao “tal Show”. Chegando lá, tinha umas vinte pessoas e ficou isso até o show começar. Vou dizer uma coisa, esse tal de “Nevilton” é “Du caralho”. Eles fizeram o show parecendo que estavam tocando para, sei lá, trinta mil pessoas. Em seguida, adquiri o EP Pressuposto e atualmente é o que mais escuto aqui em casa. Lendo essa reportagem, (bacanérrima) fiquei ainda mais fã dessa banda que é maneiríssima. Nevilton, que vocês tenham vida longa e parabéns pela sua simplicidade, sinceridade e perseverança no seu trabalho. Vou fazer questão de comprar o disco físico (CD). Vocês merecem.
    Abraços.

  3. Entrevistador e entrevistado dialogando bem fluidamente. E cabeça muito boa a do rapaz! Dá esperança e vontade de ver o show de novo (com 5 amigos).

  4. Eu já assisti uns quantos shows do Nevilton, e todos foram excelentes. Da primeira vez fui meio sozinha, mas já na última vez levei sete pessoas comigo. Apresentei a música para mais uma pá de gente, também, já que é de altíssima qualidade, e não é possível que alguém não goste ou ao menos simpatize com ela. E a simpatia do Nevilton e do Lobão, principalmente, fazem qualquer um apreciar.

    Sem contar que, vendo a banda se apresentar, não controlo minha felicidade e revelação súbita de que é ótimo estar vivo, e em um show do Nevilton.

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