por Otávio Augusto
Paul Auster adora escrever livros dentro dos seus próprios livros. Em “Invisível” (Cia das Letras, 2009), o mesmo se repete e o autor modifica os narradores e os tempos verbais até o final da trama fazendo com que o leitor tenha de montar um quebra cabeça em meio a lembranças de todos os personagens envolvidos na história doentia de amor e ódio de Walker com Born e as conseqüências que tudo isso terá depois de tanto tempo. A intenção não é confundir, mas sim criar um ambiente incomum para levar o leitor para dentro da narrativa, algo caro a Paul Auster que até figurou ele próprio um dos três contos da “Trilogia de Nova York” (1987).
Muitos temas são abordados pelo autor, mas, sem dúvida, o mais polêmico e atordoante trata de um caso de incesto entre o jovem Adam Walker, personagem central da trama, com sua irmã Gwyn. Uma relação doentia que vinha da infância e se concretiza quando ambos já têm mais de 20 anos. “Coincidentemente”, o personagem central nasceu no mesmo dia que Paul Auster e estuda na mesma universidade que o autor – o tempo todo estamos em contato com um alter-ego de escritor-personagem.
Adam Walker é um jovem estudante de Letras na Universidade de Columbia. Cheio de sonhos intelectuais (tem um apetite voraz por poesia), e apesar de tímido e pouco sociável, ele se vê em meio a uma festa na qual conhece um professor visitante chamado Rudolf Born e sua esposa, a atraente Margot. Ambos logo se interessam pela habilidade do jovem com livros e poetas e assim inicia-se uma amizade que vai mudar a vida dos três personagens, principalmente de Adam Walker, que levará para o resto da vida as lembranças daquele primeiro encontro. Born logo propõe financiar uma revista literária na qual Walker seria o editor responsável e a relação, que inicialmente tratava-se apenas de amizade e admiração entre o professor e o talentoso estudante, logo se torna algo doentio. Rudolf mostra-se cada vez mais explosivo e imperativo, tentando ao longo da narrativa convencer o jovem Walker de suas mirabolantes idéias políticas que envolvem história francesa colonial, as guerras da Indochina e da Argélia.
O romance tem como pano de fundo a Manhattan de 1967, epicentro de um país movimentado por um turbilhão de causas políticas. A guerra do Vietnã é um tema recorrente nas discussões de Born e Walker, com o professor mostrando-se um grosseiro e impulsivo mar de idéias egoístas. A partir do momento em que Walker se coloca disposto a buscar vingança contra Born, o leitor é mergulhado em um universo de culpa e, assim, começa a reviravolta na vida do talentoso estudante que não consegue esquecer as memórias de um terrível assassinato. A decisão: mudar seus estudos para Paris (cidade em que Paul Auster também viveu) e encontrar (amorosamente) Margot.
Repentinamente, a trama dá um salto para 2007. Adam Walker levou uma vida frustrada e está doente em fase terminal, tentando terminar o mais rápido possível suas memórias em forma de romance para, quem sabe um dia, ver seu sonho realizado. Para isso decide enviar seu manuscrito para um antigo amigo dos tempos de Columbia que se tornou um escrito reconhecido. “Invisível” releva um universo de relações amorosas e familiares. Inicialmente Born é para Walker uma figura paterna para depois tornar-se um assassino, e quando reencontra Margot em Paris, esta se revela uma mulher mais direta e articulada do que aquela que Walker conhecera em Nova York. Mudanças.
Em entrevista a Folha de São Paulo, Paul Auster diz não gostar de ler resenhas sobre suas obras, pois “não há nunca uma análise imparcial – é amor ou ódio”, porém um editor lhe informa sobre o que escreveram a respeito. Em matéria do New York Times, o crítico Clancy Martin afirma ser o melhor livro escrito pelo autor, mas aborda timidamente a questão do incesto, dando mais ênfase a outros temas tratados no livro. Sobre o assunto, Paul Auster acusa os Estados Unidos de ser um país dividido e esquizofrênico, que apesar de manter uma milionária indústria pornográfica, se sente ferido por uma descrição erótica praticada por irmãos.
Temas polêmicos, reviravoltas inesperadas e troca de narradores movimenta “Invisível”, e há uma impressão no final da última página de que tudo daquilo não passou apenas de uma ilusão. Ou não. Dúvida. Por fim, o livro aborda como tema central “a culpa” e apenas isso já seria um convite e tanto para mergulhar na análise do cotidiano doentio que propõe Paul Auster.
– Otávio Augusto (siga @otavioacunha) é historiador e fã de cultura pop
Leia também:
– “Viagens no Scriptorium”, uma celebração auto-indulgente de Paul Auster (leia aqui)
– “Achei Que Meu Pai Fosse Deus” é um dos mais belos livros já escritos (leia aqui)
Esse texto sobre o Paul Auster me fez lembrar de um desejo antigo de ler “Achei Que Meu Pai Fosse Deus”, será o primeiro livro a comprar em 2012, aproveitando um ótimo presente de natal de uma amiga, que me deu um cartão de bônus pra gastar na livraria…