por Pedro Salgado, de Lisboa
Música com alma, de identidade portuguesa, influenciada pelo fado, mas também por rock, trilhas sonoras de westerns, música da América do Sul e da África. Acima de tudo, o Dead Combo experimenta várias paletas sonoras com honestidade artística, não prescindindo de uma atitude libertária, embora bem distante do punk mais infantil.
Formado por Tó Trips (guitarras) e Pedro Gonçalves (contrabaixo, kazoo, melódica e guitarras) em 2003, o Dead Combo gravou o tema “Paredes Ambience”, incluído no CD “Movimentos Perpétuos – Música para Carlos Paredes”, homenagem ao maior guitarrista português de todos os tempos. Desde logo, os dois músicos encarnaram, esteticamente, dois personagens: um gato pingado e um gangster.
A aventura discográfica da banda começou com “Vol.1”, de 2004, e ao longo de cinco trabalhos de estúdio consolidou-se o termo “tango-billy” (mistura de psychobilly com tango), do qual foram percursores. Musicalmente, o expoente máximo foi atingido com o penúltimo disco, “Lusitânia Playboys”, graças a clássicos como “Putos A Roubar Maçãs” (proporcionando um crescendo entre contrabaixo e guitarra eléctrica, com laivos de música do leste europeu) ou a soberba incursão a la americana de “Sopa De Cavalo Cansado”.
No decorrer do tempo, o Dead Combo encetou várias colaborações, entre as quais a composição da trilha sonora de “Slightly Smaller Than Indiana”, de Daniel Blaufuks, em 2006, mas a mais proveitosa parceria seria alcançada com a Royal Orquestra das Caveiras, da qual resultaria o recente DVD “Dead Combo & Royal Orquestra das Caveiras”, fruto de um show conjunto, no Teatro São Luiz, em Lisboa. Ao vivo, a conjunção de forças ampliou e coloriu a arte telepática de criar paisagens sonoras do grupo.
Com a edição de “Lisboa Mulata”, a banda lisboeta concretizou o sonho de compôr sobre uma cidade em que as comunidades africanas estão mais integradas e onde os brancos já dançam em discotecas como o B.Leza. A viagem por uma capital portuguesa multirracial, num espírito “in your face”, traduzida na catarse do tema homônimo ou no desassossego encantador de “Marchinha Do Santo António Descambado”, revela uma vez mais a capacidade do Dead Combo em antecipar os tempos.
O Brasil está nos planos do grupo. “Agradava-nos passar uma temporada lá, com os nossos amigos Kassin e Marcelo Camelo, e tentar estabelecer pontes sonoras”, diz Pedro Gonçalves. No site: http://www.myspace.com/deadcombo é possível obter um vislumbre da criatividade de uma banda original e desafiadora. De Lisboa para o Brasil, o Dead Combo conversou com o Scream & Yell. Confira:
Com o lançamento de “Lisboa Mulata” o som do grupo ficou mais cru apresentando a visão de uma cidade pluricultural. Sentem-se satisfeitos com a vossa perspectiva lisboeta?
Sim! Sempre afirmamos que éramos de Lisboa. Com este disco, chegamos também à conclusão que nunca tínhamos posto a cidade na capa ou feito um trabalho alusivo. Para além disso, houve uma série de coincidências que ocorreram. Entre elas, chegar a um ponto em que nos questionamos sobre o que íamos fazer com a nossa música. Vamos nos repetir? Percorrer a orientação de sempre? Lembramo-nos também que tínhamos alguns temas antigos, mais africanos, que nunca chegamos a usar, e sentimos que era um bom caminho para concretizar essa ideia. Curiosamente, essa noção surgiu no Recife, no Abril Pro Rock. Depois, juntou-se a isso o fato de termos levado para a sala de ensaios uma guitarra chamada mulata. Por um lado, este foi o contexto musical que nos levou ao álbum. Por outro lado, Lisboa é mesmo uma cidade pluricultural, antigamente pensava-se em termos de exotismo, mas, hoje em dia, é um dado adquirido.
“Anadamastor” é porventura a canção mais clássica do novo trabalho, no entanto parece albergar dois mundos distintos. Qual é a sua opinião?
A música é dedicada a uma garota, Ana, que trabalha num café perto do Miradouro de Santa Catarina, em Lisboa. Por vezes, vamos lá almoçar ou beber uma cerveja. É uma canção que tem aquela marca do Dead Combo tradicional e que poderia estar incluída em discos anteriores. O Marc Ribot entra nesse tema como convidado e sentimos que é uma música que faz a ponte entre a sonoridade e o conceito de “Lisboa Mulata” com o trabalho desenvolvido até agora.
A interpretação de “Marchinha De Santo António Descambado” insere-se na tradicional vontade de subverter coordenadas?
Esse tema surgiu na sala de ensaios e um pouco por acaso. Quando conversávamos, um de nós começou a tocar algo e aquilo pareceu-nos ser uma pequena marcha. Achamos engraçado e desenvolvemos a ideia. Pensamos também no Marc Ribot, uma vez que a música foi concebida para ele tocar guitarra. E veio-nos à cabeça o refrão de uma marchinha repetida até ao infinito. Visualmente, aparenta ser uma procissão lisboeta de Santo António, na Calçada da Bica, mas, de repente, as pessoas que transportam a estátua escorregam, começam a cair e tudo acaba mal.
O que vocês tinham em mente quando convidaram Marc Ribot, Camané, Sérgio Godinho e Alexandre Frazão para participarem no disco?
Das colaborações, e já tivemos muitas, pretendemos sempre convidar músicos que admiramos e amigos que possam emprestar a sua mais valia ao trabalho. O Marc Ribot é uma pessoa que sempre quisemos incluir num álbum nosso e já lhe tínhamos dedicado uma música, intitulada “Ribot”, no primeiro disco. Com o Camané, trabalhamos em projetos diferentes no passado mas, como não escreve, pedimos ao Sérgio Godinho para fazer um poema para ele declamar (em “Ouvi O Texto Muito Ao Longe”). Na nossa opinião, o Sérgio é o melhor escritor de canções português. No caso do Alexandre Frazão, ele é um excelente baterista e um velho companheiro de estrada com quem gostamos sempre de contar.
Na composição deste álbum vocês tinham presente a ideia de aumentar o público tradicional do Dead Combo?
Pode parecer um pouco arrogante, mas não pensamos mesmo nisso. A única coisa que nos ocorreu, para este trabalho, foi a decisão musical pender para o lado africano por termos medo nos repetirmos. Pela nossa sonoridade, temos deparado com garotos ou até sexagenários que nos pedem para autografar o disco. Talvez por fazermos música instrumental, existe uma maior liberdade na audição e até dizemos que ela é como o Tintin, ou seja, é dos 8 aos 88 anos (risos). Quando iniciamos o projeto, a ideia era fazer shows na Galeria Zé dos Bois e divertirmo-nos. Depois da reação positiva do público, alargamos o espectro. De uma forma geral, desenvolvemos uma capacidade de nos distanciarmos do que fazemos, ou seja, precisamos gostar de ouvir o que tocamos, independentemente de quem interpreta o tema, e nunca pensamos no lado comercial ou em músicas potenciais para singles (compactos).
Como foi o acolhimento do público brasileiro à vossa música no festival Abril Pro Rock, de 2010?
Foi complicado, porque tocamos num feriado, com mais algumas bandas, e havia pouco público, quando no dia anterior tinha havido uma afluência enorme de pessoas. Foi inglório (risos). No entanto, foi uma experiência positiva.
Vocês pretendem continuar a trilhar caminhos musicais diversificados como evidenciaram no “Lisboa Mulata” ?
Procuramos sempre não repetir a fórmula e somos curiosos em relação à música que fazemos e ouvimos, a novas fronteiras e a diversas formas de compor e explorar os instrumentos. Por isso, estaremos constantemente atentos a tudo o que nos rodeia.
– Pedro Salgado (siga @woorman) é jornalista, reside em Lisboa e colabora com o Scream & Yell contando novidades da música de Portugal. Veja outras entrevistas de Pedro Salgado aqui
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