texto por Bruno Capelas
Fotos por Mila Maluhy (T4F)
O tempo é uma coisa engraçada – especialmente quando se trata de bandas de rock. Muitas delas passam uma carreira inteira tentando provar que ainda são jovens – mesmo quando seus integrantes já ostentam os cabelos mais que brancos. Outras simplesmente aceitam o fato de que estão ficando experientes e barrigudas. Interessante, porém, é quando essas duas experiências acontecem com a mesma banda, no espaço de um único show, ainda que uma sensação prevaleça sobre a outra. Pois foi algo assim o que aconteceu no dia 06, no palco do Credicard Hall, durante a primeira passagem do Tears for Fears por São Paulo na mini-turnê que o duo inglês faz pelo Brasil neste mês de outubro.
Logo na entrada já era possível notar essa divisão: uma boa parte da platéia era formada por respeitáveis senhores e senhoras, carentes de alguns fios de cabelos e de um pouco de nostalgia dos anos 80. Entretanto, uma fração considerável do público compunha-se de jovens na faixa entre os 15 e os 25 anos de idade, que conheceram a banda na esteira do sucesso do filme cult “Donnie Darko”, que incluía “Head Over Heels” e uma cover de “Mad World” em sua trilha sonora.
Com meia hora de atraso, às 22h, e lotação máxima, o show começou em alta voltagem, destacando os hinos “Everybody Wants to Rule the World” e “Sowing the Seeds of Love” (a primeira de 1985, a segunda de 1989). Na sequência, ao executar “Change”, do álbum de estréia “The Hurting” (1983), os primeiros efeitos dos cabelos brancos puderam ser sentidos: apesar da óbvia empolgação da plateia, o vocal de Curt Smith soava um pouco atrasado e descompassado com a música – algo que se repetiu outras vezes durante a apresentação. Além disso, era possível sentir que sua voz já não era mais a mesma, não alcançando as costumeiras notas de outrora. Entretanto, sua presença de palco e a empolgação da banda em procurar fazer o melhor, apesar de algumas limitações técnicas, eram um bom sinal de que a noite não seria apenas um mero caça-níquel.
Outro sinal de que aquela não era uma noite meramente nostálgica foi a boa inserção de canções “mais recentes” da banda dentro do setlist, como a dobradinha “Call Me Mellow” e “Everybody Loves a Happy Ending”, do álbum “Everybody Loves a Happy Ending”, de 2005, ou a “apenas-gravada-ao-vivo” “Floating Down the River”. As três canções, juntas, soaram como se os dezesseis anos que separaram “Everybody Loves” de “The Seeds of Love”, último álbum da banda enquanto dupla antes da separação, mal tivessem passado. Ainda que não exatamente inéditas, as novas músicas soam mais atuais e coerentes do que boa parte do rock que se vê hoje em dia.
Todas elas – e também “Closest Thing to Heaven” – têm em si aquela energia da “psicodelia de caixa de lápis de cor” sugerida em “The Seeds of Love”, como se a banda tencionasse levar adiante a sonoridade dos últimos discos dos Beatles – e os primeiros da carreira solo de Paul McCartney. Além disso, vale ressaltar que as canções novas também se destacam pela concisão, em contraposição, por exemplo, ao exagero megalomaníaco de “The Badman’s Song”, que com suas infinitas partes, deu a sensação de durar um pouco mais do que deveria. Outro problema que atrapalhou o show em alguns momentos foram as falhas na equalização do som do Credicard Hall: o volume estava estourado e os médios chegavam distorcidos aos ouvintes em alguns lugares da plateia.
Entretanto, isso não foi problema para Roland Orzabal, para quem o tempo não passou: ele comandou a apresentação, seja apresentando uma curiosa versão blues para “Billie Jean” (Michael Jackson), conversando com a plateia em franco portunhol ou mostrando ainda que é capaz de chegar aos tons agudos de outrora. Pouco antes do bis, o guitarrista congelou o na sequência composta pelo semi-hit “Break It Down Again”, de 1991, da fase pós-separação com Curt Smith, e “Head Over Heels”, cujos versos iniciais eram sintomáticos ao explicar com alguma exatidão o espírito daquela noite para a maioria dos presentes: “I want to be with you alone / And talk about the weather”.
Na volta para o bis, “Woman in Chains” foi a senha dada pela dupla para o Credicard Hall vir abaixo – nem a substituição de Oleta Adams pelo vocalista Michael Winright, em uma perda dramática (mas não técnica) fez os presentes se importarem. Foi uma demonstração de tamanha intensidade que, logo em seguida, no início de “Shout”, a sensação era de anticlímax. Felizmente, ele foi sendo superado ao longo da canção, que culminou com uma explosão em seu final, fazendo as 7 mil pessoas que lotavam o lugar berrar o refrão sucesso em 1985, em uma manifestação evidente de catarse. Quem viveu a “década perdida” pode, ao menos por alguns minutos, relembrar aqueles dias; quem nasceu depois dela, pode sentir um gostinho de como foi.
Sem ceder à nostalgia barata, playbacks ou formações duvidosas, como bandas (outrora) boas têm feito por aí, o Tears for Fears mostrou no Credicard Hall que, seguindo à risca os versos que canta, ainda é capaz de fazer finais felizes.
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– Bruno Capelas é estudante de jornalismo e assina o blog Pergunte ao Pop
O Tears for Fears ainda faz mais dois shows no Brasil nessa turnê: no dia 11, em Brasília, no Centro de Convenções. Já no dia 14, sexta, a banda retorna ao Credicard Hall. Mais informações em www.ticketsforfun.com.br.
Lindo texto!
Estive lá e no RJ e irei de novo no Credicard Hall.
Depois de 17 anos esperando, quero deixar bem viva a lembrança desse show.
Os bons tempos não voltam mais. Quem viveu, viu!
Parabéns pelo post.
Marcus
Foi um show maravilhoso, digno de ser o melhor que já vi até hoje!!!
banda com discografia impecável, mas faltou tocar alguma do “raoul and the kings of spain” melhor disco deles na minha opinião.
Lindo texto, Bruno.
O show foi muito emocionante. Curto sim, mas muito emocionante. Por diversas vezes não sabia se chorava, tirava fotos, cantava (ou berrava, como for rs) ou ficava admirando a felicidade alheia. Foi tudo redondinho e eu iria mais um monte de vezes caso eles viesse sempre.
Um beijo, 😉
Laila