por Tiago Faria
“Thursday”, a segunda mixtape do The Weeknd, é uma continuação de “House of Balloons”, lançada há cinco meses. Mas não uma sequência direta, linear. O que o álbum novo faz é cavar um porão que nos leva ao subsolo daquele outro disco — e, principalmente, a uma camada subterrânea onde germinam as sementes sinistras da faixa mais elogiada que eles lançaram até aqui, “Wicked Games”.
Essa não é, se você quer mesmo saber, a minha música preferida naquele álbum. Mas ela passou a representar, para todos os efeitos, a sonoridade que o Weeknd ia tateando ali: uma versão beira-de-abismo, degenerada, para o R&B comercial. Os lugares-comuns do gênero (a sensualidade forçada, o romantismo canalha, a macheza quase grotesca) eram distorcidos até soar, a um só tempo, monstruosos e plausíveis — como num bom thriller psicológico.
O que mais impressiona em “House of Balloons” é que ele soa como uma ótima narrativa de ficção. O canadense Abel Tesfaye (com os produtores Doc McKinney e Illangelo) criou um personagem noturno e autodestrutivo que poderia ser encontrado num livro de Bret Easton Ellis, por exemplo, ou de um Chuck Palahniuk.
O tipo era encenado com tanta convicção que, para o bem das licenças poéticas, teve que permanecer oculto: Abel ainda se recusa a dar entrevistas, e faz poucos shows. Talvez por entender que as mentiras do Weeknd nos atraem porque permitem que a nossa imaginação participe da composição da narrativa — mais ou menos como fazemos ao ler um bom romance.
Em “Thursday”, esse herói dark retorna para uma aventura nova. Mas, ao contrário de “House of Balloons”, que alternava momentos de euforia e de crises quase suicidas (e o melhor exemplo dessa bipolaridade é a faixa de duas faces “The Party & The After Party”), desta vez encontramos o personagem num estado de quase paralisia. E numa madrugada ainda mais congelante.
Em “Wicked Games”, que explica quase tudo sobre esta mixtape nova, Abel resumia as noitadas do The Weeknd com um “diga que me ama, mas só por esta noite” (e, antes disso, “traga as drogas, baby, que eu trarei minha dor”). “Thursday” alarga essa sensação de experiências vazias, relacionamentos apáticos e amores que só têm serventia até o momento em que a dor passa.
O discurso hedonista do The Weeknd pode ser interpretado como o reflexo de uma estética musical publicitária e juvenil (que eles consomem e vomitam em seleções de MP3 for-free) ou como uma reação, um comentário sobre os artifícios do pop. Não se sabe, e Abel não faz questão de explicar. O que ele faz é forçar fissuras do formato de um típico hit de R&B. Não há futuro possível para os personagens de faixas como “The Birds, pt 1”. “Nunca se apaixone por um sujeito como eu”, ele canta. E sem o entusiasmo: a ideia de liberdade, aqui, não resolve muita coisa.
Mas, voltando a “Wicked Games”, “Thursday” soa como um longo prolongamento daquela música (às vezes longo demais). Cá estão as guitarras de goth rock, os versos depressivos, o fumacê sonoro que nos remete a um disco como “Mezzanine”, do Massive Attack, e os gemidos cada vez mais agudos, dilacerados mesmo, de Abel. Algumas músicas não terminam nunca — é um disco longo, agonizante, e soa assim porque é a forma como esta história deve ser contada.
Em comparação a “House of Balloons”, no entanto, “Thursday” soa como um apêndice — uma cena que expande outra cena, uma espécie de extra de DVD. Tudo o que aparece aqui já estava lá, só que é saturado numa textura granulada, desfocada por efeitos de dub e por guitarras que explodem e depois vão apodrecendo lentamente.
Também em comparação ao outro disco, este parece um tanto mais apressado, como se tivesse sido escrito numa madrugada (enquanto que o outro parece elaborado com mais paciência). Os versos ruminam cenas redundantes e, com um pouco de boa vontade do ouvinte, podem sugerir uma narrativa circular, uma ressaca dentro de uma ressaca dentro de uma ressaca. “Não quero morrer esta noite, baby”, diz Abel, na modorrenta “The Zone” (com participação de Drake).
Se não é dos capítulos mais poderosos, Thursday entrega um personagem agora completo: o herói decadente de “House of Balloons” caminha pela cidade como um pária de graphic novel. Que nos seduz e enoja — e nos obriga a esperar pelos próximos capítulos com curiosidade, mesmo que mórbida.
– Tiago Faria (@superoito) é jornalista e assina o blog Meu Nome Não É Superoito
Leia também:
– “House of Balloons”, do Weeknd, é um disco de detalhes reluzentes, por Tiago Faria (aqui)
O The Weeknd foi uma grande surpresa. Até agora, acho House Of Balloons o disco do ano. Aliás, conheci-o através do Meu Nome Não É Superoito. Fico devendo essa a você Tiago.
Não achei Thursday tão consistente quanto a mixtape anterior, entretanto possui pontos altos, como em “Lonely Star”, “Gone”, “The Birds (Part I)” e “Rolling Stone”.
Esperemos pelo desfecho da trilogia com “Echoes Of Silence”…
Tmb curti bastante o the weeknd. Apesar de ser um pouco enjoativo, se usado sem moderação… Mas o house of balloons é mais legal mesmo.