Deolinda: o triunfo do fado pop


texto por Pedro Salgado, de Lisboa
fotos por Catarina Limão

28 de Janeiro passado, no Coliseu dos Recreios de Lisboa, a banda Deolinda apresentou o primeiro de dois shows consecutivos na capital portuguesa. O espectáculo de sexta-feira, extra, realizou-se devido ao fato dos ingressos do concerto do dia seguinte terem-se esgotado. A atuação, integrada numa mini turnê de estreia pelos coliseus portugueses, foi registrada para um DVD do grupo que será editado brevemente.

O recinto estava lotado com pessoas de todas as idades, num apelo transgeracional que sempre marcou a história do conjunto de Amadora, subúrbio de Lisboa. Passavam 15 minutos da hora marcada, quando Ana Bacalhau, em um vestido branco estampado com folhas de revistas, surgiu acompanhada, em um palco mais elevado, pelos guitarristas Pedro e Luís Martins e por José Pedro Leitão no contrabaixo.

“Não Tenho Mais Razões” iniciou da melhor forma o show, uma letra de espírito positivo e o dedilhar das guitarras clássicas em harmonia com o pizzicato do contrabaixista. A sequência animada prosseguiu com “Contado Ninguém Acredita” e “Patinho de Borracha”, altura em que Ana apresentou a primeira convidada da noite, a pianista Joana Sá, que a acompanhou na instrospectiva “Passou Por Mim e Sorriu”.

Não foram precisas muitas canções para entender que a presença forte, o charme, a voz ora aguda, grave ou etérea da cantora ofusca o mais que merecido brilho dos restantes músicos. Para além destes atributos, Ana Bacalhau é a musa que dança e provoca o público saudavelmente e os seus instrumentistas são os jograis que completam a festa.

À medida que o show avança exibem-se imagens tipicamente lisboetas e alusivas ao disco platinado “Dois Selos e Um Carimbo”, no telão. O primeiro grande momento do espectáculo veio ao som de “Mal Por Mal”. Acompanhado de cordas e não muito longe da versão do disco “Canção ao Lado”, a música embalou as pessoas presentes no recinto com a letra em antítese: “O teu bem faz-me tão mal / o teu mal faz-me tão bem”.

“Fado Toninho”, outro must do Deolinda, apareceu num estilo leve e pop, que fez o público cantar em uníssono. Já “Fado Castigo” foi a peça de arqueologia que os fãs reclamavam não fazer parte do repertório dos shows, uma vez que não era interpretada há muito tempo, e ganharam como presente especial.

É precisamente na capacidade de transmutar o fado e vesti-lo com roupagens de música popular portuguesa – e até enveredar no pop – que se encontra o segredo do Deolinda. Mesmo quando alinham numa toada tristonha ou ensimesmada, como em “Clandestino”, as letras de Pedro da Silva Martins encontram na voz de Ana Bacalhau a ave canora que hipnotiza os espectadores e os transporta para a intensidade do som do grupo.

A sucessão de hits foi retomada com “Fon Fon” e “A Problemática Colocação De Um Mastro”, com a presença de Miguel Veríssimo no clarinete e Sérgio Nascimento na percussão. O público, que esteve sempre com a banda, vibrou com a estrofe: “Há que dizê-lo com razão que o maior mastro do mundo é português”.

Para o final, o Deolinda presenteou o público entusiástico com dois encores. No primeiro, “Garçonete da Casa de Fado” trouxe ao palco uma Ana vestida de preto e a encarar uma nova personagem. “Quero ver todo mundo tirando o pé do chão”, gritou. O começo tipicamente fadístico da canção deu lugar a um samba agitado com a cantora a entoar com alma: “Poxa, mas no Brasil casa de fado não seria mole assim…”. No recinto, os espectadores levantaram-se das cadeiras e dançaram.

A cover da música infantil “Fungagá da Bicharada” veio na sequencia, abrindo espaço para o trecho final claramente panfletário, começando na inédita “Que Parva Que Eu Sou”, com palavras duras sobre a crise em Portugal, e finalizando com “Movimento Perpétuo Associativo”. O confetti caía sobre o Coliseu enquanto a banda desfilava vitoriosamente entre o público deixando a sensação de que se o fado é bom, o fado pop é ainda melhor.

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– Pedro Salgado é jornalista e assina o blog A Hard Day’s Night
– Catarina Limão é fotógrafa. Veja mais fotos do show aqui

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Leia também:
– Especial: Como anda a nova cena de música portuguesa, por Pedro Salgado (aqui)

10 thoughts on “Deolinda: o triunfo do fado pop

  1. Passei 6 meses estudando em Portugal e, antes de voltar ao Brasil, me senti na obrigação de comprar os 2 CDs do Deolinda, após ir em um dos shows no Porto. Bom demaaais!

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