texto por Carlos Messias
fotos por Stephan Solon
O Stone Temple Pilots saiu vitorioso do seu show de estreia no Brasil, no dia 9 de dezembro, no Via Funchal, em São Paulo. Mas, como de costume, o triunfo foi alcançado aos trancos e barrancos. O quarteto entrou muito bem com a energética “Crackerman”, tirada do seu disco de estreia, “Core” (1992), em que o vocalista Scott Weiland contrapõe a própria voz com um megafone. Ao emendar a também poderosa “Wicked Garden”, do mesmo disco, o impacto da entrada foi reforçado.
Muito cedo ficou claro quem é o motor do STP: o baterista Eric Kretz. Comparável a Dave Grohl, o músico é dono de uma pegada firme e executa as inventivas viradas de cada canção com propriedade. Após uma breve pausa, em que Weiland entornou alguns goles de dois copos dispostos em frente à bateria, mais uma boa sequência: “Vasoline”, primeiro single do álbum “Purple” (1994), e a contagiante “Heaven and Hot Roads”, de “Nº 4” (1999). A primeira, um powerpop de acento glam rock. A segunda, um hard rock com pegada punk.
Essas duas músicas, por si sós, são capazes de contradizer associações entre o STP e o movimento grunge, paralelo que a imprensa adora fazer. O rótulo pode se referir ao movimento de Seattle, de onde, no início dos anos 90, surgiram bandas cujo som não tem muito a ver, como Perl Jam, Soundgarden e Alice in Chains; ou à estética suja e ruidosa, derivada do garage e do punk rock, que foi cunhada nos anos 80 por bandas da mesma localidade, como The Fartz, U-Men, Green River e, depois, por Mudhoney e Nirvana (até certo ponto). De um jeito ou de outro, o Stone Temple Pilots, formado em San Diego (California), não se enquadra. Por coincidência ou oportunismo (da banda, da gravadora?), as entonações de Weiland em “Core” se assemelham, sim, às de Eddie Vedder. Em todo caso, Pearl Jam não é o melhor exemplo de banda grunge e as semelhanças param por aí.
O Stone Temple Pilots é uma banda de hard rock que bebe de diversas fontes, mas, ainda assim, continua sendo uma banda de hard rock. E isso ficou muito claro no show. Em riffs consistentes entremeados por solos basicões, Dean DeLeo, o único guitarrista, e seu irmão, o articulado baixista Robert, conseguem forrar as músicas com uma espessa camada de som. Nesse sentido, a banda honra suas influências setentistas, que vão de Bachman Turner Overdrive e Cheap Trick a Deep Purple e Led Zeppelin.
Infelizmente, esta capacidade, rara no rock atual, não foi ajudada, como de costume, pelo som do Via Funchal, que estava distorcido e (pode culpar o técnico) pessimamente equalizado. Em certos momentos, o baixo e a bateria se sobressaiam de tal forma que parecia festa de debutante. Isso sem falar nos telões, de definição jurássica. Enquanto a pista VIP não para de invadir o espaço da pista comum, a casa deveria se preocupar mais em atualizar seus equipamentos. Outro fator que não contribuiu e quase colocou o show a perder foi a série de longas pausas entre uma música e outra, o que brochava a plateia. Enquanto os instrumentistas faziam jams masturbatórias, que nem ameaçavam decolar, Weiland recorria aos aditivos líquidos ao pé da bateria.
Apesar de todo seu histórico de uso de drogas, e de supostas recaídas recentes, o líder cantou bem, com a voz ligeiramente aquém à qualidade demonstrada nos discos. Vestindo um terno de executivo, o líder não parou de requebrar e se contorcer, de forma hipnótica, durante a 1h20 de apresentação. Uma espécie em extinção, o frontman se mostrou um rock star genuíno. Inclusive pelo aspecto físico, já que o músico de 43 anos parecia seriamente debilitado. Ao final do show, sem paletó e gravata e com a camisa encharcada de suór, lembrava mais a um tiozão bêbado em festa de casamento.
Um forte indicativo de que o músico não está 100%, “Stone Temple Pilots”, o disco mais recente, lançado neste ano, é o primeiro na discografia da banda de que ele não participou da composição de uma faixa sequer. Felizmente, o disco ficou bem além do esperado, com uma meia-dúzia de canções ótimas e outra metade de calhais. O público se mostrou receptivo ao repertório recente do grupo, e cantou junto em “Hickory Dichotomy” e “Between the Lines” – “Hazy Daze”, a melhor do álbum, não entrou.
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Mas não é de hoje que Weiland não esboça o mesmo furor criativo. Após o insosso “Shangri-La Dee Da” (2001), que sequer foi evocado no show e, 8 anos atrás, terminou por arruinar a banda, o cantor ingressou em uma série de furadas artísticas: a banda Velvet Revolver e seu segundo disco solo, “Happy” in Galoshes” (2008). Não precisa dizer mais nada. Enquanto o Weilland estava com os ex-Guns N’ Roses, os irmãos DeLeo formaram o Army of Anyone com o vocalista Richard Patrick (ex-Filter), outro projeto que deu com os burros n’água. Então, quando, ofereceram US$ 1 milhão para que o STP voltasse para fazer dois shows em 2008, não pareceu uma má ideia para nenhuma das partes. Um não vive sem o outro.
Como a carreira do quarteto, o show também teve seus momentos fortes de baixa, deflagrado em canções pouco eficazes ao vivo, como “Still Remais”, “Cinnamon”, “Silvergun Superman” e sua versão sorumbática para “Dancing Days”, do Led Zep. “Recentemente voltamos a tocar uma canção que não tocávamos há dez anos”, anunciou Weilland. Realmente, não precisava.
Enquanto o público se dispersava rumo ao balcão de cerveja, a banda sacou alguns ases de espada, que tiveram função providencial. Foi o caso do hino deprê “Big Empty”, do hit datado “Plush”, em que o público cantou o refrão antes da hora, e da marcante “Interstate Love Song”. “Huckleberry Crumble”, outra do disco novo, também agradou.
A sequência matadora veio na dobradinha antes do bis, “Down” e “Sex Type Thing”, última antes da banda deixar o palco. Para quem não tinha em mãos o set list da turnê atual, a canção veio como uma surpresa. Trata-se da contundente faixa de abertura de “Nº 4” (o da Estrela SOlitária), o melhor e mais subestimado disco do STP. Foi lançado logo após a dissolução não-oficial do grupo e após o noticiário dos primeiros problemas de Weiland nas esferas química, legal e marital. O disco é permeado por uma aura assombrosa e todas suas faixas são excelentes.
Em 1997, Erick Kretz e os irmãos DeLeo fizeram uma primeira tentativa de subsistir sem o mala do Weiland, quando formaram o Talk Show com o vocalista Dave Coutts e lançaram um disco, autointitulado, que não vingou. No ano seguinte,o vocalista lançou seu primeiro disco solo, “12 Bar Blues” (1998), um trabalho belíssimo ao qual não foi dado o devido valor. Com uma atmosfera orgânica e intimista, “12 Bar Blues” também reflete os demônios interiores do cantor. Este período conturbado, entre 1996 e 2000, foi, na verdade, o ápice da vida criativa de Weiland. Fase brilhante que foi iniciada com o terceiro disco do Stone Temple Pilots, o neopsicodélico “Tiny Music… Songs from the Vatican Gift Shop” (1996).
O que naquela época servia de inspiração, há tempos leva a melhor sobre o artista. Por mais que, tecnicamente, ele consiga satisfazer, mantém o tom apático e o olhar distante por todo o show, mesmo quando, cheio de confiança, sobe em uma plataforma (caixa de retorno?) na beirada do palco para imperar sobre do público.
O relacionamento com a plateia se estreitou quando a banda voltou para a última dupla: a pungente “Dead & Bloated” e a arrebatadora “Trippin’ on a Hole in a Paper Heart”, única de Tiny Music tocada em São Paulo. Ao término, as luzes foram acesas para iluminar o público, que estava em polvorosa. Os quatro, aparentemente muito contentes, subiram no palanque de Weiland para um agradecimento conjunto, demonstrando afinidade entre si, por mais que na sequência fossem voltar para o hotel em vãs separadas. Ovacionados, eles pareciam não querer deixar o palco para poder absorver a aprovação dos espectadores. Kretz chegou a atirar na pista uma pele de bumbo inscrita com o logo da marca de aditivos STP.
Por mais que tenha sido uma apresentação irregular, acabou representando um episódio feliz na tragicômica história do grupo. À caminho da saída do palco, Weiland fez um sinal da cruz, como que agradecendo por ter sobrevivido a mais esta. Reze por eles.
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– Carlos Messias é jornalista e assina o blog Sem Manual de Instruções
Concordo com a resenha em todos os aspectos.
O STP fez um bom show em São Paulo e eu como fã que sou, fiquei muuuuito contente.
Lógico, faltaram algumas músicas… haha mas sempre rola esse tipo de reclamação.
Inesquecivel show pra mim que esperei tanto tempo por eles.
O “Grande Deus” Obrigado por manter Scott Weiland ainda vivo, que venham mais vezes e perdoa seus detratores. Amém.
Amém !!!
Realmente, valeu a pena esperar tanto tempo !!
Tomara que eles voltem, com o Scott apático ou não, estarei lá de novooo !!
Caramba, aprendi várias coisas nesta resenha: que o shangri-la é insosso, que o n.4 é o melhor álbum da banda.
Que as músicas que eu gostei no show não funcionam ao vivo, que as que eles deveriam parar de tocar há mais de dez anos foram os pontos altos.
Vivendo e aprendendo.
Não fui ao show, mas gostaria de ver a banda ao vivo. Muitas memórias.
Quanto à resenha, concordo que o STP não pode ser classificado como grunge, apesar da definição do estilo ser bem vaga, mas acho sim que os primeiros discos tem muito em comum com o grunge. Não são apenas os vocais que lembram o Pearl Jam (até acho que em várias músicas a melodia e a entonação lembram mais Alice in Chains), mas o ritmo, as guitarras e o ‘clima’ de várias faixas é semelhante ao som de bandas como Soundgarden, Alice in Chains, Pearl Jam e Screaming Trees…
Essa é uma bandaça!
Uma das mais subestimadas da história, sem dúvida.
E já que, sem querer, toquei neste assunto, acho que a banda mais subestimada, pelo menos dos 90´s, foi o EMF.
STP à parte – que são fodidos demais – o EMF, Epson Mad Funkers, são muito mais que “Unbelievable”. O primeiro disco é ótimo e o segundo, Stigma, está só esperando ser redescoberto: é excepcional!!!
Mas o STP é fodido demais!
Pena que a trajetória irregular não tenha deixado a banda ser “uma das grandes”. Os caras tem repertório para umas três horas de show. Triste de não ter ido…