Texto por Janaina Azevedo
Fotos: Divulgação/Marcos Hermes
O trajeto entre o Hotel Sheraton e o Beira-Rio (cerca de 8 minutos, nas vias com trânsito modificado para o show), Paul McCartney percorreu com os vidros do carro abertos. Passando pelo Anfiteatro Por do Sol, acenou pra quem estava lá.
Os skatistas da pista do parque Marinha do Brasil correram para ver o beatle os cumprimentando. Dizem que ciclistas que conseguiram alcançar o carro ganharam um aperto de mão dele. Horas mais tarde, essas ruas estavam lotadas com o público que deixava o estádio com alma lavada, sonho realizado, aos prantos, Uma semana depois, ainda tem quem custe a acreditar, chorando ao ver os vídeos, sorrindo sozinho.
Ninguém teve pudor pra dizer que seria o maior show que Porto Alegre já viu. A cidade ainda não está na rota dos grandes shows gringos e não parece por acaso ter sido escolhida, junto com São Paulo, pra receber a Up and Coming Tour: desde os anos oitenta, o rock gaúcho exala a influência britânica sessentista: do TNT aos Efervescentes, passando pela Graforreia, Cidadão Quem, Cartolas, Cachorro Grande. Júpiter Maça, em estados alterados, já afirmou ser o quinto beatle. Raro é não ouvir Beatles na festa.
Mas sendo roqueiro ou não, portoalegrense ou catarinense, avô ou neto, fanático ou conhecedor de coletânea, a comoção era a mesma. Um paralelo possível é a religião, e é aqui que nós descobrimos: os Beatles são maiores que Jesus.
Ele, Paul, faz jus à fé que recebe. Não há uma margem para erro no show: a banda é afiadíssima, o som é perfeito e as músicas saem tal qual no CDs (exceto uma jamzinha discreta ao fim de “I Got a Feeling”). O set list é o esperado, e carisma não falta. Nem pro mestre de cerimônias, nem pros membros da banda: o baterista Abe Laboriel Jr roubou a cena dançando engraçado em “Dance Tonight”, um dos guitarristas – o loiro Brian Ray – trazia escrito atrás de seu instrumento “thanx”. E quando aprendeu as expressões gaudérias pra repetir no palco, Macca levou embora o coração de todos os gaúchos.
E ele, Paul, merece, é o entertainer perfeito. Brinca, dedica música pros namorados (“The Long and Winding Road”), pros amigos (“Something” pro George, “Here Today” pro John), faz piada, incita os coros, não esquece de quem está distante do palco, agradece aos técnicos de som. E toca. Baixo, piano, guitarra, bandolin e ukelele. No intervalo do segundo bis, surge o coro espontâneo, todos cantando “Hey Jude” e chamando Paul de volta, e talvez muitos não tenham se dado conta, mas o que está cantando é dos versos mais geniais escritos. E saídos da caneta dele mesmo, o Paul.
Tem muita gente classificando a vida A. P. e D. P. Não percam os shows de São Paulo para entender porquê. É muita coisa difícil de explicar: mito, história, sentimentos, rock. Um conselho: se preparem para “Live and Let Die”. Enxergar Deus deve ser parecido com isso. Mas o Paul é mais divertido. Pra tatuar no braço, e no coração.
Setlist
“Venus and Mars” / “Rock Show”
“Jet”
“All My Loving”
“Letting Go”
“Drive My Car”
“Highway”
“Let Me Roll It”
“The Long and Winding Road”
“Nineteen Hundred and Eighty-Five”
“Let ‘Em In”
“My Love”
“I’ve Just Seen a Face”
“And I Love Her”
“Blackbird”
“Here Today”
“Dance Tonight”
“Mrs Vandelbilt”
“Eleanor Rigby”
“Ram On”
“Something”
“Sing the Changes”
“Band on the Run”
“Ob-La-Di Ob-La-Da”
“Back in the USSR”
“I’ve Got a Feeling”
“Paperback Writer”
“A Day in the Life” / “Give Peace a Chance”
“Let It Be”
“Live and Let Die”
“Hey Jude”
Bis
“Daytripper”
“Lady Madonna”
“Get Back”
Bis 2
“Yesterday”
“Helter Skelter”
“Sgt Peppers Lonely Hearts Club Band” / “The End”
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– Janaina Azevedo (@janaisapunk) é jornalista e escreve no jornal O Sul
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Leia também:
– Paul McCartney ao vivo na Ilha de Wight, Inglaterra, por Marcelo Costa (aqui)
Claro que não foi por acaso que Porto Alegre foi “escolhida”; a quantia obscena de dinheiro que saiu dos cofres da RBS para os cofres da produtora certamente tem algo a ver com isso.
É difícil sentir qualquer tipo de emoção quando se tem a clara ideia da elitização que o show sofreu, começando pela pré-venda (que acabou vendendo tudo) e indo até a patética área VIP e a estúpida localização dos setores mais baratos. Mas já era algo previsto em uma região que defende com tanto ardor a superioridade da minoria da rota Moinhos de Vento-Bom Fim.
Foi sim um evento para ficar na memória, mas não pelo seu suposto caráter histórico. Serviu para mostrar o nível provinciano que Porto Alegre se encontra e se afunda cada vez mais. As vaias para o grito de “Florianópolis!” foram o complemento perfeito.
Duvido que o Sir Paul tivesse feito um show tão empolgado se soubesse de tudo que se escondeu por trás de sua passagem.
Pedro, essas escrotices são do bicho homem. Entendo sua revolta… Mas cadê a ternura – que Mr. MacCartney tanta exala – cara? Vc tá parecendo John Lennon – rsrssrs – meu Beatle preferido!
A música , como Janaína bem sabe, é divina. Nos rendamos a ela.
Tudo tem sua hora.
PS: Belo texto, mocinha. Conseguiu colocar em palavras o tamanho que a coisa deve ter sido.
O show foi tudo isso e muito mais. Inesquecível. Só uma correçãozinha: A música que ele dedicou aos namorados (e a sua “gatinha” Linda) foi My Love, e não The Long and Winding Road. 🙂
Oh, perdón pela confusão!
se o show do Paul em SP fosse o Palmeiras numa final de campeonato, Felipão ia forçar o time todo a ler esse texto pra entrar no Morumbi com SANGUE NO ZÓIO.
Paul, tô indo te ver!
Aqui em SampaShit, estarei na floresta onde Walt Disney se inspirou para criar um de seus maiores clássicos.
Seja o genuíno Paul ou o genérico, nem me importo. Eleanor Rigby me basta.
Estapafúrdia a comparação com Deus.
Satanás coçando as mãos pela sua pobre alma.
John sempre será o melhor beatle e powww morreu!