Entrevista: Superguidis

por Janaina Azevedo
Fotos: Thiago Piccoli

Faltando pouco mais de uma semana para o lançamento oficial do terceiro disco da Superguidis, o arquivo foi parar na internet. Antes disso, os fãs se empenhavam na busca pelas faixas que iam surgindo, para tentar aplacar a expectativa acumulada por três anos, desde o lançamento do segundo CD. Então a hashtag #guidisday foi parar nos termos mais referidos pelos brasileiros no Twitter. Redes sociais explodindo e todos os blogs comentando, como já havia acontecido no lançamento do single de “Não Fosse o Bom Humor”, no início do ano, praticamente ovacionado na internet.

De algum jeito a banda saída da região metropolitana de Porto Alegre (Guaíba, 32 quilômetros da capital, que também contribui para o mundo com uma sede da Aracruz Celulose e um centro de distribuição da Toyota) virou um ente querido para fãs e crítica. Podem ser as letras cativantes, os shows empolgados, o carisma dos caras, ou tudo isso junto. Certo é que o terceiro disco da Superguidis já nasceu clássico.

Para contar a história do Terceirão, o guitarrista Lucas Pocamacha recebeu o Scream&Yell no seu quarto, em Porto Alegre (ele é a parte portoalegrense da banda), em meio a um piano alemão, um violino, guitarras, uma parafernália significativa de gravação e apetrechos eletrônicos que ele mesmo construiu para a faculdade (Engenharia Elétrica, na Ufrgs), e com um violão sempre em punho, falou sobre o disco, o acústico, as músicas e… Tom Waits.

E a música que não entrou na versão final do disco?
A ideia era ser Tom Waits mas eu não consegui chegar muito perto. Não é tão fácil imitar Tom Waits. A música é só minha, como todas as nossas músicas são só minhas ou só do Andrio. A gente nunca conseguiu fazer parceria.

Por que não entrou?
Porque o Seabra (Philippe Seabra, produtor do disco) não gostou da música, ele achava ela meio bundona demais. Só que, tipo,  o disco começa com aquela música bundona. A ideia era, aquela música ia dividir o disco em duas partes, era para ficar muito mais “ópera” do que acabou ficando.

Como assim ópera?
A ideia era ser um troço mais, como é que vou te dizer… era no meio do ano de 2008 e a gente pensou “a gente tem que ter um disco para gravar no verão”, porque senão ia ser só no verão de 2010 que a gente ia gravar o disco. A gente só tem as férias para ficar um mês em Brasília gravando. Aí chegou o meio de 2008 e aí “bah, cara, vamos começar a fazer as músicas para ter o disco até o fim do ano”. E a gente começou a se disciplinar para fazer música. A gente tinha todas as músicas, apareceu essa música também, a ideia era soltar a imaginação né, vir o que viesse. Aí veio essa música, e a que começa o disco, e eu mostrei pros guris e disse “bah meu, vê aí que cês acham”. Aí elas gostaram da do violãzinho, mas também acharam estranho a do piano, era eu que cantava e eu não sei cantar bem. Aí a gente discutiu, discutiu, e a gente concordou que a música ia entrar se o Andrio cantasse. E tipo a ideia era essa. Eu não queria cantar a música, era para o Andrio cantar. Mas o Andrio não queria cantar. E na demo acabamos deixando daquele jeito.

Aí é que entra a parte da demo. A demo foi importante, a gente resolveu fazer em casa uma pré-produção para poder achar detalhes que não ia dar tempo de fazer quando tava gravando. Daí a gente começou a com ideia de cordas e essas coisas, a gente começou a ter tempo livre para pensar nessa merdas. E aí eu vinha para casa, tava com um laptopzinho, e a gente gravava no laptop e vinha para casa para mixar, e aí eu comecei a ter ideias, e o Andrio também, e a gente começou a trabalhar com cordas. Essa música veio nessa época quando a gente tava brincando com a cordas. A pretensão era ser Tom Waits. Claro que não chega nem perto. E aí lá na gravação em Brasília o Seabra não gostou, e a gente não achou um piano para gravar. Ele até concordou em deixar a música, mas daí não tinha piano, só tinha sample de piano, só tecladinho. E daí a gente “ah se é para fazer com tecladinho, então melhor não fazer”.

Tá, mas voltando a ideia de “ópera”…
Não é uma ÓPERA, mas a gente queria fazer um disco um pouco mais elaborado que os outros dois. Acabou parecendo isso porque os outros dois discos a gente juntou as músicas que a gente tinha e gravou . A gente meio que botou uma ordem que ficasse bacana de ouvir, mas o disco não tinha início meio e fim. E nesse disco a ideia era essa. As músicas vieram e meio que a ordem das músicas veio antes. Teve uma música que foi composta especialmente para compor o disco.

Então vocês pensaram o disco como um todo.
Como um disco, não como um monte de música. E se quiser chamar isso de ópera, entre aspas, pode considerar, mas a ideia era ser um disco mais completo, com uma história. Não fazer o “The Wall” ou o “Siamese Dream”. Ou o “Mellon Collie”. Talvez o nosso próximo disco seja o nosso “Mellon Collie”. Não fala isso na entrevista. Mas a ideia era ter início meio e fim. As coisas tem um porque de estarem ali. Antes as  músicas tinham um porque, cada nota tá lá porque tem que tá em cada música. A gente pensou agora nessa vez em fazer um disco, como se o disco tivesse que ter uma cara.

Como foi a composição?
Isso foi outro break through na nossa vida porque a gente tinha que deixar as músicas virem né. E como a gente precisava das músicas para poder ter o disco a gente meio que se disciplinou a começar a fazer mais. Para mim foi muito importante, sentar e fazer. Antes a gente só esperava vir a ideia.

Isso mudou o resultado final?
Talvez na música em si não, mas mudou o meu jeito de fazer agora, a coisa ficou menos esotérica e mais racional. Agora eu consigo sentar e tentar fazer a música. Eu posso jogar fora depois, pode vir uma ideia muito boa sem querer depois mas o fato de eu saber que eu posso sentar e fazer, eu fico mais tranquilo com isso.

Quem compôs o que?
Eu compus “Roger Waters”, “As Camisetas”, “Nova_completa”, “O Usual” e “Casablanca”. O resto foi o Andrio. Todas elas (compostas pelo Lucas) são mais ou menos sobre a mesma merda

Que merda?
Eu tava num semirelacionamento com uma moça, e não deu certo. Foi mais ou menos na época que a gente começou a fazer o disco. Teve uma só que não é (sobre isso), uma que eu tinha feito antes, a “Nova_completa”, que é meio premonição também, que o refrão é “cansei de perdeeer”. É isso, tem músicas que são na fase de raiva, na fase perda, outras na fase vai pra puta que pariu, tem todas essas fases. A última que foi essa primeira música do disco, que eu já tava de saco cheio, essa do piano, que não entrou no disco. Ficou meio triste, as minhas letras não são assim muito faceiras né…acho que nenhuma letra minha é muito faceira.

Sim, desde o primeiro disco, noto que as tuas músicas são mais melacólicas…
Eu não consigo fazer música muito alegre.

Por quê?
Alguém consegue fazer música muito alegre? Geralmente precisa de um motivo para fazer né.

Um motivo alegre!
Só o Polyphonic Spree. Eu não consigo.

Polyphonic Spree é maconha.
Não, eles são ex-drogados. Por isso que eles são felizes.

Mas voltando ao esquema das cordas…
Os arranjos que eu tava fazendo eram as cordas da ProzaK. Acabei ficando viciado nisso.

Fica colocando corda em tudo…
Qualquer samba aí eu já tô botando um violino. Aliás eu comprei um violino. Na demo eu não tinha violino ainda. Mas tem umas outras merdas que eu fiz que eu gravei o violino, uma trilha pra um amigo meu. Eu não sei tocar ainda, ainda apanho. Agora vou ter que me virar nas coisas que eu tenho que fazer, pelo menos me disciplino a fazer, né, não vou tocar “As Quatro Estações” lá, mas os arranjinhos, as merdas que saem da minha cabeça eu consigo tocar. Se eu não conseguir eu dou um jeito de aprender.

Mas a ideia das cordas no disco era para sofisticar o som…
É, meio que as músicas chamavam isso.

Esses arranjos mais sutis tem a ver com o clima das letras sentimentais?
Não, acho que tem mais a ver com a vontade de fazer, na hora das cordas acabou o “sentimento”, aí é música mesmo. A ideia era fazer um troço que a gente não tinha feito ainda. A ideia das cordas surgiu quando estávamos fazendo “Visão Além do Alcance”. Tinha uma hora que tinha uma parada, e o Diogo, o baixista, fazia uma subida e a gente pensou “será que a gente não consegue fazer com cello, será que não fica bonito?”. Por acaso eu tinha baixado um emuladorzinho de cello e a gente fez. Se tu ouvir na demo, acho que vaza o Andrio falando “bah ficou uma bosta”. Daí a gente ouviu de novo e “não, peraí  não ficou uma bosta, ficou do caralho isso aí…”. Então surgiu a última música do disco que tem aquele finalzão, e a gente “pô, tem que ter orquestra aqui, meu”, o bagulho chamava, não tem como não ter. E a primeira eu fiz meio que pensando nisso, a gente já tava brincando com isso, não tinha como não fazer, a música com violãozinho.

Vocês tiveram alguma inspiração para essa ideia?
Pô o Smashing Pumpkins, um monte de banda usa corda e a gente adora. A gente nunca teve coragem de fazer, nunca teve espaço nas outras músicas, tanto é que tem três músicas das onze que teve espaço para isso, não é toda hora que aparece espaço para  isso nas nossas músicas. Agora a gente já tá fazendo as músicas meio que pensando nisso, mas antes era guitarra e pau dentro o tempo inteiro. E agora a gente tá ficando mais velho e ficando com vontade de fazer isso. Tudo que é música que me vem na cabeça eu já tento criar um espaço para uma coisa assim, não necessariamente cordas. E essa é a diversão agora, botar corda em tudo que aparecer, qualquer peido que a gente gravar vamos botar corda.

Vocês pensaram no que seria a reação do público a isso?
Talvez estranhe um pouco, mas acho que não fugiu tanto do que a gente sempre foi.

É, mesmo com as cordas eu tenho a impressão que esse disco tá muito mais guitarreiro, tu concorda?
Com as guitarras mais no meio da cara, eu concordo.

Me lembrou Foo Fighters.
É uma influência bem direta. É três coisas que a gente tenta imitar, não fala isso na entrevista: Foo Figthers, Guided by Voices e, mais recentemente, Tom Waits. Tentativa fracassada de imitar o Tom Waits. Mas acho que o disco não tá tão fora do que o pessoal pode tá esperando. Essas coisas talvez causem uma espécie de espanto, não sei se espanto é a palavra. Talvez o pessoal vá notar que tá um disco mais conciso, mais definido com o formato dele, mas não tá tão pior ou melhor do que os outros. Tá mais podre, eu acho, só.

Posso botar isso?
Pode, o disco tá bem mais podre que os outros. Porque o Seabra ficou com medo que o disco ficasse bundão. Só que a gente sabia que o disco não ia ficar bundão. E teve o lance do cara da mix (Kyle Kelso, produtor norte-americano que mixou o disco). Nas primeiras vezes que veio (o disco mixado) veio meio bundão, batera e voz na frente e a gente “ô irmão, não é por aí”. Aí mandamos um Foo Fighters e um Dinosaur Jr para ele: “é assim cara”. Aí veio, guitarra no meio da lata, aí “é isso aí maluco, é por aí”.

Qual foi a importância do Seabra no produto final, como tu definiria?
Ele é o cara que gravou a parte técnica, isso é importante. Ele meio que guiou algumas coisas de arranjo, é bom ter um cara de fora cuidando isso, tem vezes que a gente tá tão dentro que não percebe uma parte que repete demais ou uma parte que podia voltar no meio do arranjo. Esse foi meio que o papel dele, papel de produtor mesmo, de fazer a gente se ligar nas coisas que podiam ficar melhor. E esse disco, como a gente já tinha feito a demo, a gente tinha se disciplinado a prestar atenção nisso, esse tipo de toque foi menos do que nos outros, e como a gente já tinha a demo, já tinha ouvido o disco e já sabia como ia ficar, e aí sempre tem uns toquezinhos. E foi legal, o Seabra é legal, a gente gosta dele, de trabalhar com ele. No fim deu tudo certo. O próximo a gente vai gravar sozinho. Em casa. Aqui tem uns três, quatro conto de equipamento (de gravação), já gravei a ProzaK, já gravei outra banda de uns bróder meus, e aí tô aprendendo. Para não precisar ir até Brasília gravar e porque a gente acha que consegue. Só tem um jeito de descobrir se consegue né. O quartão a gente vai fazer sozinho.

Já tão pensando no quarto disco?
Sim, né. O terceiro foi gravado no verão de 2009, nós estamos no verão de 2010.

Mas agora começa toda a fase de divulgação….
É agora vai ser foda isso, mas não vai parar, tem umas duas músicas já meio que ensaiadas, eu tenho mais duas prontas, o Andrio deve ter mais uma duas, já são seis músicas do disco novo. A ideia é, sei lá, gravar no verão do ano que vem, talvez, ou no meio do ano. Como a gente vai gravar em casa também não precisa ser um mês inteiro, a gente vai gravando. E vai ser divertido, ao invés de gastar R$ 2,500 em passagem para Brasília a gente gasta em equipamento.

E em cerveja…
Também…em equipamento e uma mesa de sinuca. E essa vai ser a diversão.

O que vocês tavam ouvindo quando fizeram o disco?
Tom Waits, Foo Fighters bastante…PJ Harvey, o disco dela de 2007 (“White Chalk”), os guris eu não sei. Eu tava ouvindo Cat Power, Sparklehorse, que explica bastante coisa também, essas coisas assim. Eu fui descobrir uns outros troços depois (da gravação do disco) que eu até queria ter descoberto antes, mas daí vai ser influência do próximo disco, tipo Fiona Apple que eu acho muito foda, Jeff Buckley, porra Jeff Buckley é do caralho. E claro, os clássicos, tipo My Bloody Valentine, essas porras, Pearl Jam também, não esse novo, eu tava redescobrindo os velhos, fazia tempo que não ouvia e até saiu uma guitarrinha meio Pearl Jam em uma das músicas (“Nova_completa”), essas porras assim, guitarreirada, Smashing Pumpkins. E Tom Waits.

Tom Waits é muita influência para ti…
É, é mais inspiração do que influência porque eu nunca vou conseguir imitar ele. Mas que eu gostaria eu gostaria. E é difícil, pô, o cara é foda

E agora vocês vão sair em turnê…
Tem coisa marcada até em maio. Vai ter a turnê no Norte. E devemos tocar em todo o Brasil.

Como é que foi a recepção do público às músicas novas nos shows?
A primeira vez que a gente tocou as músicas novas foi em São Paulo, lá no Sesc, a gente se apavorou, não esperava. Geralmente a gente tá acostumado a tocar as músicas novas e a galera meio que estranhar né, mas dessa vez não, a galera aplaudiu tanto quanto as outras, não sei se tavam muito pelo aplauso. A gente se apavorou. E com o lançamento do single que deu uma baita falação a gente ficou confiante que o pessoal ia gostar.

E  o acústico?
A ideia foi do cara do bar (Thiago Piccoli, fotógrafo e então promoter do CulturaRockClub). Eles queriam que a gente tocasse lá só que era uma rajada porque era muito pequeno o bar, e era ruim fazer o show ali, com guitarra e barulho.

E tinha o problema do horário….
Isso, não podia ficar até muito tarde… e a gente tá, vamos, né. Daí depois vieram os caras da Baxada Nacional (produtora de audiovisual), que resolveram gravar o acústico todo. Beleza, a gente tinha que gravar o áudio, né? Não ia dar para fazer tudo com o microfonezinho da câmera. Aí começou a trabalheira. O Andrio teve a ideia de chamar os guris (Bruno e Brisa Daitx, da ProzaK, que participaram em duas músicas), e a gente começou a ensaiar. E caiu no meu colo essa história de gravar o áudio. Foi uma rajada, foi o dia mais estressante da minha vida. A gente chegou as 14h lá para montar as coisas, passar os cabos para tudo que é lado e testar os lances. Eu sei que eu cheguei em casa uma hora da manhã, acabado, com o olho tremendo, meu olho ficou uma semana tremendo depois daquilo. Eu tava com muito medo das coisas darem errado, e faltar coisas. Mas no fim deu tudo certo. Mas eu prometi que nunca mais vou fazer isso, gravar, fazer o som do PA e tocar o mesmo show, não tem quem mereça, é muita coisa. Quase morri. Porque além de tudo ainda tinha que dar um jeito de pegar o som de cada microfone que a gente tava usando e botar no PA pras pesssoas ouvirem, que tavam vendo o show né. Mas consegui, o cara do bar até gostou do show, aí eu vim pra casa feliz.

E como foi tocar as músicas de vocês, que são guitarra pura, na versão acústica?
Pois é, aí se tu for ver, tem aquela podreira, mas as notas tão lá no meio. Não é uma podreira tipo Ramones, tem as notas e os acordes são cheios. E no violão ficou bem na cara, no violão tu consegue ouvir cada notinha do acorde, tu vê que a coisa tá ali por um propósito. E por isso que não ficou fraco, não ficou vazio. E tem toda essa coisa melódica que é o que a gente sempre fez.

Vocês gostaram?
Ihh, ficou muito afudê, a gente curtiu para caralho. Só as músicas podiam ter ficado um pouco mais calmas, assim, a gente acabou ensaiando elas bem calminhas só que na hora do show o cara tá nervoso, atucanado e aí a gente acabou tocando um pouco mais rápido do que devia. Foi bem divertido, pra mim foi muito válido, aprendi um monte fazendo aquilo e aprendi que eu não quero fazer de novo. Mas foi legal, a gente nunca tinha feito um registro ao vivo. Aí depois eu fiz toda a parte do áudio, mixagem e master. E a gente vai lançar o disco junto com o disco novo e o DVD em maio. Vai ser o disco cala a boca. A galera ficou o ano inteiro esperando para ouvir o terceiro e não conseguiu. A gente resolveu botar isso como uma tentativa de compensar o atraso. Vai ser um troço para olhar depois de velho e lembrar…o dia mais trabalhoso da minha vida. Eu vou gostar de mostrar aquilo pros meus netos…a gente mudou uns arranjos numas músicas, tem duas com uma escaleta, uma que tem um pianinho, e as da Prozak, que as duas tem escaleta. Ficou divertido, talvez a gente grave um ao vivo no futuro. Eu vou acabar gravando os troços de novo, acabar fazendo o PA, tamo aí pra isso mesmo.

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“Superguidis”, Superguidis (Senhor F)
por Marcelo Costa

A síndrome do terceiro disco. Você já ouviu falar disso, certo? É mais ou menos assim: uns moleques se juntam, começam a tocar de farra, compõe uma série de músicas pelo prazer de compor e, então, gravam um disco. Depois outro. Aquelas músicas compostas despretensiosamente preenchem esses dois primeiros álbuns, e então a banda chega ao terceiro disco com a obrigação de compor material novo.

Muitas coisas entram na equação de um terceiro disco. Há profissionalismo agora. Há a expectativa (pessoal e pública). E há a convivência com a indústria, com os estúdios, com os shows, com os festivais, com os novos equipamentos. A rotina deixou de ser aquela do moleque que ia pra escola, brincava na rua com os amigos e depois se juntava para tirar um som. A inocência é deixada para trás. Olá, mundo adulto.

“Superguidis”, o terceiro disco da melhor banda sulista do rock brasileiro nos últimos anos, tem um pouco disso tudo, mas transpira inquietação, tristeza. As guitarras, marca registrada do quarteto, continuam altas e afiadas, mas as letras ficaram menos… pegajosas, diretas, irônicas. Algumas canções de “A Amarga Sinfonia de Um Superstar”, o segundo disco, já apontavam nessa direção, mas aqui tudo fica mais claro, ou, dependendo do ponto de vista, turvo.

Não a toa, na entrevista que você leu acima, Lucas Pocamacha fala em Tom Waits sete vezes. E também em arranjos de cordas. O rock adolescente dos dois primeiros discos começa a soar mais sério (e, não sei por que, me lembra “In Utero”, do Nirvana) no “Terceirão”, e a banda enfrenta a síndrome do terceiro disco jogando no colo do ouvinte canções poderosas para se ouvir, ouvir e ouvir. E não enjoar.

A bonita “Roger Waters” abre o disco de forma bundona, para usar uma definição de Lucas, com melodia lenta, um dedinho de órgão, cordas, e uma melancolia característica de quem aceitou que, enfim, “as coisas quase sempre acabam”. É um susto para quem esperava um esporro abrindo o disco, e mostra maturidade do quarteto. Emenda com “Não Fosse o Bom Humor”, que soa como “Mais Um Dia de Cão” em versão raivosa.

As músicas se alternam e o que se percebe de imediato é que as guitarras estão soando muito melhores. As letras, reflexivas, afastam um pouco o ouvinte imediato que saiu assoviando “Malevolosidade” e “Spiral Arco-Iris” na primeira audição. “Superguidis” é um passo a frente, um grande álbum, mas ainda assim deixa interrogações. Para onde vai o quarteto do Guaíba nos próximos discos? O que vem pela frente?

Dessa forma, a questão da síndrome do terceiro disco é deixada de lado. “Superguidis” é um grande álbum, mas soa como se fosse um disco de transição, como se a banda tivesse abrindo caminho para o quarto álbum, e este sim talvez seja “o” definitivo. A divisão da tarefa de composição entre Andrio e Lucas lembra Amarante e Camelo. Você nota quem compôs o que, e como isso funciona na química do grupo e o (trans)forma.

Tudo isso deixa o futuro em aberto. Se você está preocupado com o presente, acalme-se: “Superguidis” é um baita disco, e deve crescer horrores no palco, local que a banda domina. Porém, há uma cicatriz na alma do álbum que pede atenção e expectativa. É um pequeno detalhe que poderá passar despercebido, uma incomodação que pode render algo… clássico. Mas falamos disso no ano que vem. Agora, vale cantar/gritar: “Por que será que sempre chove toda vez que alguém te abandona?”.

Leia também:

– “A Amarga Sinfonia de um Superstar”, Superguidis, por Marcelo Costa (aqui)
– “Ao Vivo em Brasilia”, Superguidis, por Marcelo Costa (aqui)

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Janaina Azevedo é jornalista e escreve no jornal O Sul
Marcelo Costa é jornalista e editor do Scream & Yell

7 thoughts on “Entrevista: Superguidis

  1. Legal ver uma banda citando Smashing Pumpkins como influência. Acho que, em termos de sonoridade, banda nenhuma foi lá muito influenciada por Pumpkins – o som deles é característico demais. É mais fácil surrupiar criativamente alguns lances do Radiohead ou do Joy Division do que coisas dos Pumpkins. Pena que o Billy Corgan perdeu completamente a noção. Alguém ainda devia escrever a história das grandes ascenções e quedas criativas do rock. Billy Corgan seria um capítulo à parte.

  2. Melhor pararmos de nos preocupar com o futuro e prestar atenção no agora (me refiro ao vindouro quarto álbum dos guris). Putz, com o atual disco, os caras provaram por “a + b” que são a melhor banda nacional em atividade. Se o “Terceirão” empolga tanto assim no quarto, imagine nos shows… Estou louco pra ver! Acho que “meu estômago todo iria fritar”!

  3. Eu gosto do som deles, eles tem uma habilidade muito boa pra escrever canções pop. E as letras são bem sinceras e peculiares, coisa rara nas bandas brasileiras hoje em dia. Mas o que me irrita PROFUNDAMENTE no Superguidis é que parece que eles tem uma obrigação tremenda de mostrar as pessoas que eles amam os anos 90 e são influenciados por ele. Tipo, “nosso Mellon Collie”…desde quando um disco do Smashing Pumpkins pode ser usado como metáfora e referência para “divisor de águas”!? Por mais que eles sejam excelentes no que eles façam, eu gostaria de ver eles realmente tomando coragem para fugir desse som típico que eles formaram nos três discos.

  4. e todos os discos do Superguidis são bem guitarristicos…não tem essa de “um album menos guitarristico” ou “um album mais guitarristico”. A guitarra é a base das músicas deles!

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