por Marcelo Costa
Nelson Rolihlahla Mandela foi preso em agosto de 1962, sentenciado a cinco anos de prisão por viajar ilegalmente ao exterior e incentivar greves. Em 12 de junho de 1964, o advogado e líder político foi sentenciado novamente, dessa vez a prisão perpétua (apesar de ter escapado de uma pena de enforcamento), por planejar ações armadas, em particular sabotagem – e permaneceu os vinte e seis anos seguintes na prisão.
“Invictus”, trigésimo filme de Clint Eastwood como diretor, começa exatamente em 1990, ano em que Nelson Mandela deixa a prisão. Três anos depois ele seria eleito presidente da África da Sul naquela que foi a primeira eleição muitirracial da história do país, e teria pela frente uma tarefa difícil: acalmar o ânimo dos negros (cujo momento era tido como perfeito para a vingança dos anos de apartheid) e o receio dos brancos.
Uma cena logo no começo do filme dá o tom das intenções de Eastwood. Assim que assume o gabinete presidencial, Mandela ordena que os seguranças (todos brancos) que trabalhavam para o ex-presidente continuem trabalhando junto a sua equipe (de negros). Seu chefe de segurança pede explicações. “Esses caras tentaram nos matar não faz muito tempo”, diz ele. “A reconciliação começa aqui”, explica Mandela. “O perdão também começa aqui. O perdão liberta a alma. Ele remove o medo”, continua.
Mandela, então, coloca mãos a obra. Assim que informado que a final do campeonato mundial de rugby, cuja África do Sul seria o país sede, seria transmitida para centenas de países com uma audiência estimada em 1 bilhão de espectadores, o ex-presidente se reúne com o capitão do time de rugby Springboks (um dos símbolos do apartheid no país) e trata o campeonato com peso de atividade política. O Springboks, cotado para cair muito antes da final, faz uma campanha brilhante que une 43 milhões de pessoas.
A rigor, a Copa do Mundo de Rugby de 1995 foi para a África do Sul o inverso do que a Copa do Mundo de Futebol de 1970 foi para o Brasil. Nelson Mandela usou o rugby para tentar unir brancos e negros em torno de um mesmo ideal. O governo militar brasileiro usou a conquista do escrete de 70 como uma maneira de vender a imagem de um país em crescimento, para o exterior e para o próprio povo brasileiro, feliz com o título no futebol enquanto milhares de pessoas eram torturadas nos porões da ditadura.
O roteiro de “Invictus”, baseado no livro “Nelson Mandela e o Jogo que Mudou uma Nação”, de John Carlin, é um dos grandes trunfos do filme, abastecido por uma série de histórias da vida de Mandela que poderiam ser ficcionais – e por isso impressionam muito o espectador. Clint afundou-se no personagem do ex-presidente (auxiliado pela grande atuação de Morgan Freeman) e fez um belíssimo filme sobre o perdão, mas também pesou a mão na pieguice. Isso sem contar algumas imprecisões do roteiro:
Minutos antes da decisão do título, um avião passa muito próximo ao estádio com uma mensagem positiva ao time sul-africano. No filme, a cena carrega no suspense, e os seguranças agem como se não soubessem do apoio aéreo, quando na verdade haviam sido avisados com antecedência. O capitão do time, Francois Pienaar (atuação ok de Matt Damon – a indicação ao Oscar é exagerada), não abre a boca para cantar o hino nacional, como no filme. E, polêmica, o time neozelandês que enfrentou o Springbuks na final – e atropelou todos os adversários antes – chegou ao jogo abatido por uma suposta intoxicação alimentar.
As imprecisões não tiram o mérito do recado dado por Clint, via Mandela – “o perdão liberta a alma” –, mas também não engrandecem o filme enquanto cinema. “Invictus” abusa de cenas feitas para buscar lágrimas fáceis (e as consegue), e não repete a força de “Gran Torino” (2008), muito menos chega aos pés de clássicos como “Os Imperdoáveis” (1992), “As Pontes de Madison” (1995) e “Menina de Ouro” (2004). Aliás, uma imprecisão que incomoda: não foi o poema “Invictus”, de William Ernest Henley, que Mandela deu a Pienaar antes do jogo final, e sim “The Man in the Arena”, de Roosevelt. Porém, como estamos louvando o perdão, Clint pode dormir tranqüilo.
Leia também:
– “Gran Torino”, de Clint Eastwood, por Marcelo Costa (aqui)
– “A Conquista da Honra” – “Cartas de Iwo Jima”, por Marcelo Costa (aqui)
– “As Pontes de Madison”, de Clint Eastwood, por Marcelo Costa (aqui)
MaC, só uma correção: a audiência estimada para a final da copa do mundo de Rugby era de 1 bilhão de pessoas, segundo o filme.
O Invictus traz um Clint menor, mais piegas (as tomadas em câmera lenta dão contornos gritantes à sentimentalidade), mas ainda, é uma obra com padrão C. Eastswood de qualidade. Não precisava de mais pra ser um filme acima da média.
Valeu pela correção (e pela observação que concordo), Gustavo
“Invictus” tem um toque para agradar o grande publico sim, principalmente nas cenas do jogo em si, com as cameras lentas dando o tom. Mas concordo com o comentario do Gustavo, mantem o padrão Clint Eastwood de qualidade. Fazia um bom tempo que um filme não me emociona nesse nivel. Talvez seja piegas, mas vale muito. 🙂
Na realidade o nome do original do livro é Playing with the Enemy.
Li o livro bem antes de assistir o filme. Quando vi o trailer do filme voltei a lê-lo para reavivar a memória.
Concordo que não é um clássico Clint Eastwood. Mas é um filme justo pois tem o mesmo tom emocional do livro.
Aliás recomendo muito a leitura do livro. O texto balança muito bem, fatos jornalísticos com um tom de crônica romanceada.
Durante a leitura, teve vários momentos que senti aquele clássico nó na garganta.