Cinema: “Bastardos Inglórios”, de Quentin Tarantino

Por Marcelo Costa

Desde que Quentin Tarantino subiu ao palco para receber um Oscar pelo roteiro original de “Pulp Fiction” que o público espera dele um filme a altura de sua segunda cria, que ainda foi indicado em outras seis categorias, incluindo diretor e filme do ano. Já faz 15 anos que “Pulp Fiction” quebrou as barreiras do underground do cinema (tipo um “Nevermind”, do Nirvana), e Tarantino passou esse tempo todo se divertindo muito mais do que o público.

Não que não haja valores em sua obra posterior. Há momentos de genialidade aqui e ali, mas todo mundo sabe (inclusive ele próprio) que Tarantino pode mais do que o que fez em “Jackie Brown” (que parece o tempo todo que vai engatar e se tornar um grande filme, mas engana bem), “Kill Bill” (um divertido exercício de estilo que promete mais do que cumpre) e “Death Proof” (uma longa pentelhação visando a construção de uma cena fodaça). Tarantino sabe o que quer, mas parece ter preguiça de fazer. Parece.

Em “Bastardos Inglórios”, porém, Tarantino deixa a preguiça de lado e consegue o que todos aqueles fãs de cinema (inclusive ele próprio) esperavam desde “Pulp Fiction”: um filme forte, contagiante, de roteiro esperto, atuações inspiradas e várias passagens antológicas. É uma overdose de grandes cenas, todas milimetricamente pensadas e filmadas do jeito Tarantino de fazer cinema. Ou seja: quem não gosta, talvez continue não gostando, mas acredite: ele equilibrou os exageros de “Kill Bill” e está mais direto, embora ainda filme cenas de dez minutos.

“Bastardos Inglórios” abre, inclusive, com uma dessas cenas de dez minutos, belíssima por sinal. É uma cena tão completa que o próprio diretor acredita que com ela alcançou o resultado da clássica cena dos sicilianos (aquela sensacional troca de agrados entre Dennis Hopper e Christopher Walken), em “Amor à Queima Roupa”. Daria para entrar no páreo o monólogo do relógio, de “Pulp Fiction”, e também a discussão sobre “Like a Virgin”¸em “Cães de Aluguel”. Olha o nível da coisa toda…

É nesta primeira cena de “Bastardos Inglórios” que conhecemos o Coronel Hans Landa, veículo para que o ator austríaco Christoph Waltz roube o filme (e não só o filme: ele faturou o prêmio de Melhor Ator no Festival de Cannes pelo papel e é boa aposta para o Oscar). A história se passa em 1941, e Landa é conhecido como o Caçador de Judeus. Ele foi designado pelo próprio Hitler para vasculhar a França ocupada por nazistas atrás de pistas sobre famílias judias que tenham fugido do exército alemão.

Na segunda cena surge o Tenente Aldo Raine, interpretado de modo hilário por Brad Pitt (um dos momentos mais hilários do filme é dele). Aldo está recrutando soldados com um único objetivo: matar nazistas. Seu método de trabalho é bastante peculiar e consegue resultados assustadoramente positivos. Assim, as cartas estão na mesa, e não espere didatismo histórico de Tarantino, o homem que reescreveu uma frase divina em “Pulp Fiction”, e agora empresta personagens reais para sua fábula de vingança.

A caça aos nazistas move “Bastardos Inglórios”, mas são os detalhes que fazem o filme soar delicioso. A começar pelo divertido (ab)uso dos sotaques e línguas, que movem várias cenas chegando a desdobra-las de forma genial. Outro destaque vai para a boa história paralela de Shosanna Dreyfuss (em boa atuação de Mélanie Laurent), que se envolve com perfeição com o vértice central do roteiro (quebrando sua densidade sem tirar seu foco) que dá ao filme uma boa carga de emoção.

Por fim, um momento de rara genialidade salta aos olhos. São alguns segundos em que Tarantino sustenta uma cena forte, e filma a passagem quase em câmera lenta mostrando o desejo cumprido dos norte-americanos enquanto descarregam suas metralhadoras sobre os nazistas que fogem indefesos. Por um momento, os soldados norte-americanos tornam-se iguais aos seus adversários, iguais aos nazistas. É uma tirada genial contra a própria inspiração do filme: a vingança faz de você igual ao seu adversário. Anote. Tarantino voltou ao grupo de elite do cinema. E o próprio cinema agradece.

Leia também:
– “Amor à Queima Roupa”, por Marcelo Costa (aqui)
– “Kill Bill”, por Marcelo Costa (aqui)
– “À Prova de Morte e Planeta Terror”, por Marcelo Costa (aqui)

22 thoughts on “Cinema: “Bastardos Inglórios”, de Quentin Tarantino

  1. Hum…Curioso. Um dia desses um amigo ficou meio chateado comigo pq ele elogiava o Tarantino e eu (sem arrogancia) dizia que desisti dele depois de Jackie Brown (pra mim de longe o pior dele). Não que não tenha visto os outros filmes mas a decepção só crescia e acho um diretor superestimado. Talvez com essa resenha eu volte a atenção para ele novamente. Obrigado Mac.

  2. Puta filme! Saí da sala de cinema com a sensação de que assisti um dos melhores filmes de Tarantino. O deboche em algumas cenas é hilário… a trilha sonora só poderia caber num filme dele. Cat People foi desconcertante, pq surpreende! E embora “Pulp Fiction” continua sendo o melhor filme de todos os tempos, Bastardos Inglórios não fica atrás!

  3. “Por um momento, os soldados norte-americanos tornam-se iguais aos seus adversários, iguais aos nazistas. É uma tirada genial contra a própria inspiração do filme: a vingança faz de você igual ao seu adversário.”

    Ah, mas isso o Lars Von Trier fez muito melhor em Dogville.

    No mais, melhor filme do ano e melhor do Taranta desde Pulp Fiction. Só eu percebi a zoação com o Meirelles/Saramago?

  4. Um amigo disse algo engraçado. “Quando um filme do Tarantino é considerado o melhor filme do ano é pq o cinema está em crise” Mesmo assim, até vou ao cinema conferir essa pipoca de luxo.

  5. Um filmaço! Cenas antológicas ao melhor estilo Tarantino, roteiro e diálogos impecáveis e atuações magistrais (Christoph Waltz é um show a parte). Poucos filmes conseguem atingir o que Bastardos Inglórios atinge: o equilíbrio entre cinema de autoria e de massa.

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