Por Leonardo Vinhas
Quando saiu anúncio oficial do regresso dos Fabulosos Cadillacs, no início do ano passado, o primeiro pensamento foi: “Não vai prestar”. Essa história de retorno – ainda mais com disco novo – costuma ser um requentado de emoções, uma tentativa oca de reviver algo que foi belo ou divertido e já não está mais, motivado exclusivamente pela grana fácil. Corte para novembro de 2008. Chega às lojas o disco “La Luz del Ritmo” e o preconceito cai por terra. Mesmo com o susto da faixa-título que abre o disco, uma exagerada macumba latina pra gringo ouvir em hotel três estrelas de fronteira, o disco é ótimo.
Agora, o que acontece? Quem são os Fabulosos Cadillacs e como eles conseguem ter pompa suficiente para fazer uma turnê de retorno onde cada show concentra sem dificuldade mais de 60 mil pessoas, passando por vários países da América Latina, Espanha e EUA? E, principalmente, como eles conseguiram ser a única banda a não queimar o filme na febre da grana fácil dos comebacks?
Por partes: os Cadillacs foram (são) uma das maiores bandas do rock em língua espanhola. Formada por amigos que gostavam de rugby, literatura e ska em Buenos Aires,1984, lançaram no ano seguinte seu primeiro disco, “Bares y Fondas”, no qual predominava o ritmo jamaicano com energia roqueira, mas já se podia antecipar o amálgama que faria a fama da banda na década seguinte. Sim, eles estavam no topo da onda da “mistureba” que caracterizou a década anterior, adicionando ritmos como salsa, mambo e calipso ao seu coquetel à base de Red Hot Chili Peppers, Mano Negra e reggae.
Começaram a incursionar pelo jazz a partir de 1998, e deixaram pelo menos dois discos essenciais antes de seu fim em 2003: “Rey Azúcar” (1995) e “La Marcha del Golazo Solitario” (1999). Quase todos os integrantes seguiram no meio musical, e nenhum deles fora mal sucedido em suas carreiras – o vocalista Gabriel “Vicentico” Capello, em especial, lotava estádios e ocupava FMs coms os hits de seus três discos.
Calha que em 2006, a formação clássica da banda (menos o trombonista Fernando Albareda e o guitarrista Aníbal Rigozzi) se reúne para gravar uma única faixa, “La Parte de Adelante”, em um disco-tributo ao compositor Andrés Calamaro. O resultado ficou excelente e, sim, todo mundo começou a perguntar se, quem sabe, eles não voltariam… “Precisamos de amor e tempo, nessa ordem”, declarou então o saxofonista Sergio Rotman.
Parece que descolaram os dois. “La Luz del Ritmo” soa como um disco feito sem pressa, com atenção intensa aos arranjos, timbres e melodias. Para jogar seguro, combinaram releituras, covers e faixas novas. É verdade que os covers (“Wake Up and Make Love With Me”, de Ian Dury, e “Should I Stay or Should I Go? “, de vocês-sabem-quem) não acrescentam nem comprometem, mas os temas novos comprovam o que Rotman já havia antecipado em 2006: “Se nos reunirmos, certamente soaremos como uma mistura de todos os nossos projetos pós-Cadillacs”.
Assim, o espírito de menestrel romântico de Vicentico convive bem com as fixações pós-punk do baixista Flavio Ciancirulo, com a paixão pela música jamaicana de Rotman, com a pegada roqueira do baterista Fernando Ricciardi e com o apreço por um instrumental elaborado nutrido pelo tecladista Mario Siperman. Essa soma de ingredientes faz com que nasçam hits de primeira audição, como o quase-surf rock “El Fin del Amor”, a balada “Hoy”, o irresistível funk sandinista “Flores” e o rock “Nosotros Egoístas”, em que Flavio e Vicentico dividem os vocais para homenagear o percussionista Toto Rotblat, falecido pouco antes de começarem os ensaios para a gravação do disco.
E contrariando o princípio de não mexer em time que se ganha, as releituras englobaram hits em versões que em nada lembram os originais de sucesso. “Mal Bicho”, o clássico-mor de “Rey Azúcar”, aparece aqui num clima escandalosamente blaxploitation, com riff picado de metais, órgãos na cara, scratches e percussão sacana. Será exagero dizer que supera a original? Ouça as duas e divirta-se tentando concluir.
“Padre Nuestro”, outrora um dub à cubana, vem aqui como uma cumbia villera (o equivalente ao axé, em termos de aceitação popular) e divide opiniões, mas “Basta de Llamarme Así”, “Muy, Muy Temprano” e “El Genio del Dub” ganham suas versões definitivas. Clichê? Bem, uma vez mais: ouça os originais para comprovar que as novas versões estão melhor resolvidas, em especial “Basta…”. Outra recriação, “Los Condenaditos”, fecha o disco, desconstruindo o batuque à New Orleans de 1999 para virar uma espécie de trip fúnebre e psicodélica, algo como um funeral criollo levado numa boa viagem de ácido.
O sucesso (artístico e comercial, já que em menos de dois meses rendeu um disco de platina) desse álbum pode ser explicado por essa resenha? Nem a pau. Talvez – é bem possível – que música, por mais que seja vendida e comercializada como “produto” dentro de uma “indústria”, é uma coisa que vem da alma mesmo, que pode ser conseguida através de esforços de “amor e tempo”. E talento. Agora mesmo, enquanto esse texto termina, “Hoy” ressoa pelo quarto e a trama entre metais e a guitarra criolla emociona (e muito). Amor e tempo, hay que tenerlos.
cara, eu vi o show de retorno dos cadillacs no dia 1º de julho do ano passado, no planetário de palermo; acho q eles tocaram umas 5 ou 6 músicas só, até porq foi de grátis, mas foi arrebatador.
vi q a molecada lá tava muita na fissura pra ve-los [“8 años!” me diziam, “che, ocho años!!!”] e tudo corria como boato aquele dia, ninguém dava certeza de q rolaria mermo o show, só pra manter o suspense; mas qdo vi o palco montado.. já era. hehe
tava na hora certa e no lugar certo.. difícil mermo foi sair de lá depois. hehe
e ‘mal bicho’ ao vivo foi… o bicho. ok, foi mal essa. hehe