por Marcelo Costa
“Jukebox”, oitavo álbum da carreira de Chan Marshall, chegou às lojas no final de janeiro deste ano, mas não chamou a minha atenção. O segundo álbum de covers da cantora – o primeiro, “The Covers Record”, foi lançado em 2000 – veio na esteira da beleza de “The Greatest”, de 2006, e por alguma conjunção cósmica passou pelo meu MP3 Player voando. Em Londres reencontrei o álbum com capinha metalizada semelhante a dos vinis e um CD extra com cinco faixas bônus. Foi ouvir novamente e? me apaixonei.
Tento rememorar os sentimentos de janeiro, mas poucas coisas daquelas audições retornam a minha memória castigada por aventuras e desventuras. Lembro que o disco soava calmo e elegante no começo, momento em que Cat Power usava para ninar seu ouvinte preparando-o para o final, mais denso. Não sei o que foi que me afastou do álbum naquele período, mas devemos sempre testar o limite de nossas primeiras impressões, para o bem e para o mal.
A construção do repertório de “Jukebox” lembra muito o de “The Covers Record”: nos dois discos temos canções de Bob Dylan (“Paths of Victory” em um, “I Believe in You” em outro), clássicos incontestes em versões deliciosamente pessoais (“(I Can’t Get No) Satisfaction”, dos Stones em um; “New York, New York”, famosa com Frank Sinatra e Liza Minelli em outro) ou mesmo revisões próprias (“In This Hole”, do álbum “What Would the Community Think?” em um; “Metal Heart”, do “Moon Pix”, em outro).
Porém, se o modo de escolher o repertório atrai semelhanças, a forma com que Chan Marshall recria as canções é totalmente diferente. Se “The Covers Record” era um trabalho mais intimista, centrado no violão da cantora, “Jukebox” é um trabalho conjunto entre artista e banda, no caso a The Dirty Delta Blues Band (quarteto acrescido de mais cinco nomes em estúdio), grupo que a acompanha desde as gravações de “The Greatest”, em Memphis, em 2006.
A diferença do modus operandi faz com que o apelo indie dos primeiros álbuns desapareça cedendo lugar a uma sonoridade classuda que transpira charme, elegância, suingue e romance. “New York, New York”, “Lost Someome” (James Brown), “Aretha, Sing One for Me” (George Jackson), “Ramblin’ (Wo)Man” (Hank Williams) e mesmo o blues tradicional “Lord, Help The Poor and Needy” são convites a dança (com uma pessoa qualquer, com o ar ou uma taça de seu alcoólico predileto).
Interessante: Cat Power precisou parar de beber para fazer música para bêbados (de amor, desamor ou álcool, quando não os três ao mesmo tempo). A cantora abandonou os palcos em 2006 com depressão profunda e tendências suicidas devido ao uso excessivo de narcóticos e alcoólicos. Retornou “limpa” e recuperada (após rehab, psiquiatria e doses homeopáticas de Billie Holiday e Joni Mitchell) com “The Greatest”, de longe seu melhor álbum.
Esse lado lamacento também marca presença em “Jukebox” rendendo momentos memoráveis como a arrasadora “Metal Heart”, que faz a versão anterior soar como demotape; “Don’t Explain” (Billie Holiday), com um piano que parece querer cutucar feridas; como o clima country de “A Woman Left Lonely”, de Spooner Oldham que, inclusive, toca piano e órgão na canção que ficou famosa na voz de Janis Joplin; como o blues “Silver Stallion” (Lee Clayton) ou a densa versão de “Blue”, de Joni Mitchell.
Bob Dylan é homenageado em dose dupla: com uma revisão de “I Believe In You”, do álbum “Slow Train Coming”, que surge amparada por uma guitarra limpa e marcante que contagia; e com “Song To Bobby”, única faixa inédita do disco, uma declaração de amor recheada de frases como “Eu tinha um passe para o camarim em minhas mãos / Te dar o meu coração era o meu plano” ou “Minha chance / No meio do estádio em Paris, França / Eu posso finalmente te pedir / Para você ser o meu homem / Abril em Paris, eu posso te ver? / Por favor, você pode ser meu homem?”.
No disco bônus, mais cinco versões: “I Feel”, do grupo de hip hop Hot Boys, surge densa ao piano; “Naked, If I Want To” (Jerry Miller ), aparece numa roupagem muito mais roqueira que a presente no álbum “The Covers Record”; “Breathless”, de Nick Cave, ganha um caminhar blues com um guitarrinha apitando nos cinco belos minutos da canção; “Angelitos Negros”, famosa na voz de Roberta Flack, são sete minutos de dor de amor em castelhano; e “She’s Got You”, de Patsy Cline, encerra em clima de fim de noite.
“Jukebox” bateu na 12ª posição da Billboard com 29 mil cópias vendidas na semana do lançamento nos Estados Unidos, totalizando mais de 100 mil exemplares vendidos em todo o mundo em duas semanas nas lojas. Quando escrevo “todo o mundo”, por favor, exclua o Brasil. “Jukebox” – assim como “The Greatest” – não ganhou edição nacional (e os dois discos foram lançados na vizinha Argentina pelo ótimo selo independente Ultrapop), e nem deverá ganhar (vide a competência de nossas gravadoras). Uma pena. Esse é daqueles discos que vale realmente a pena ouvir mais de uma vez.
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne.
Pra variar, ótimo texto. esse disco novo da Cat é um discaço, acompanhei seu lançamento e até agora, meses depois, ainda é um dos que mais ouço ao lado do utimo da Emily Haynes, Jukebox foi amor a primeira ouvida. um abraço.
Finalmente Cat Power!!!! No cd de covers ela não vez a cópia, mas “repaginou” todas as músicas. “I Found A Reason” simplesmente perfeita. A mulher já veio duas vezes (?) pra cá, porque tanto desprezo pelos fãs brasileiros!?
o melhor do disco é em “Song to Bobby” quando ela começa “puxando” o I em “I want tell you” o q é bem caracteristico do estilo do Dylan.
A homenagem vai além da letra. Genial!
Finalmente uma resenha digna pra um discaço como esse.
Desde o início, com New York, que eu nem acreditei que era a mesma música, me fisgou.
Não entendi como a crítica não deu a mínima bola, a mesma que elogiou tanto The Greatest. Os arranjos são tão competentes quanto os do último, enfim, eu gostei muito.
Esse disco tambem passou meio que batido por mim…Vou escutar de novo. Abs.