por Marcelo Costa
Você já (ou)viu essa história neste ano. Ou quase a mesma história. Dois irmãos em meio a uma enrascada financeira cometem um crime que envolve diretamente toda a família. Sim, sim, parece “O Sonho de Cassandra”, de Woody Allen. Os dois filmes foram rodados quase simultaneamente e praticamente estrearam juntos. O argumento semelhante pede uma comporação, e Woody Allen sai perdendo: “Antes que o Diabo Saiba Que Você Está Morto” é tudo que “O Sonho de Cassandra” poderia ter sido.
Na verdade, o 45º filme de Sidney Lumet, (diretor de clássicos como “Doze Homens e Uma Sentença”, “Um Dia de Cão” e “Sérpico”) também não é essa coca-cola toda. Porém, mesmo tendo contra si atuações fracas de Ethan Hawke (fazendo o único papel que sabe fazer: jeca), Philip Seymour Hoffman (ele pode muito mais) e Marisa Tomei (em um personagem constrangedor da gostosa burra que não convence), surpreende pela maneira como o diretor conta a história e fisga o espectador desde o início.
Tudo começa com um assalto. Um homem encapuzado entra em uma joalheira, rende a senhora que toma conta da loja, e enquanto saca o dinheiro dos caixas e as jóias do cofre, se distrai e leva um balaço nas costas. Essa cena – e tudo que aconteceu nos quatro dias anteriores e na semana posterior – delimitará o tempo/espaço do filme, e fará com você não se mexa na poltrona enquanto a trama se desenrola. É impressionante o controle que o diretor tem sobre a história.
Philip Seymour Hoffman é Andy, o irmão mais velho. Trabalha em uma grande imobiliária, em que cresceu profissionalmente, mas que está prestes a ver sua ruína. Andy é casado com Gina (Marisa Tomei), e está tentando reconstruir o casamento sem saber que a mulher o está traindo. O outro lado da moeda é Hank, irmão caçula, um loser com todas as letras piscando na testa. Ele tem uma filha, está separado da mulher, e deve três aluguéis de pensão. A joalheria assaltada é da própria família de Hank e Andy. Tente montar o quebra-cabeça.
Sidney Lumet já recebeu mais de 50 indicações ao Oscar por seus filmes e ganhou o prêmio de Conjunto da Obra em 2005, e mostra estar em plena na forma com “Antes que o Diabo Saiba Que Você Está Morto”. A culpa é um dos temas caros ao diretor, e chega a impressionar a semelhança de seus irmãos com os irmãos de Allen em “O Sonho de Cassandra”, mas Lumet consegue incomodar enquanto Allen distancia o espectador. Problema de ambos os filmes, no entanto, o fechamento rápido deixa um pouco a desejar.
Não deixa de ser interessante observar que ambos os filmes analisam o sentimento de uma pessoa após cometer um ato imoral. Os dois diretores parecem dualizar a culpa dividindo-a entre dois personagens, um que sabe lidar com esta culpa e faz o que precisa ser feito, e outro que tropeça no próprio ato de continuar respirando após o ato cruel. Allen e Lumet (e a sociedade) condenam os personagens de forma tão profunda que não permitem nenhuma forma de perdão. E o perdão realmente existe? Uma questão para se pensar após um grande filme.
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne