por Marcelo Costa
Will está passando por um processo de divórcio. Em meio a papelada que marca o fim jurídico do relacionamento, Will tem que lidar com a insatisfação de um emprego que não o faz feliz e com os questionamentos de sua filha sobre sexo, pênis invadindo vaginas (isso mesmo) e o milagre muitas vezes não esperado da procriação. Maya, a filha, passa dois dias da semana com ele, e está decidida a saber o que motivou sua vinda ao mundo. Deste argumento batido nasce uma das melhores comédias românticas em muito, muito tempo.
Maya (a “Pequena Miss Sunshine” Abigail Breslin em excelente atuação) não poupa Will (Ryan Reynolds bastante convincente) e quer dele a verdade sobre a natureza de seu nascimento. Will, por sua vez, propõe uma brincadeira para a filha: ele irá contar detalhadamente suas principais desventuras amorosas trocando os nomes das protagonistas para que a filha descubra quem foi seu verdadeiro amor em meio aos romances que abalaram (e ainda abalam) seu coração.
Voltamos para 1992 e entram em cena Emily (namorada da faculdade que ficou no interior quando Will foi batalhar a vida na Big Apple), April (amiga que trabalha no mesmo lugar que Will, o escritório em Nova York da campanha do então candidato presidencial democrata, Bill Clinton) e Summer (amiga de Emily que mora em Nova York e namora seu orientador de tese – Kevin Kline em uma ponta inspiradíssima). Estas três mulheres (os três amores do clichezado título nacional) valem o filme. Ok, três mulheres e meia.
Emily (Elizabeth Banks) não consegue acompanhar os sonhos do namorado, e por insegurança acaba por cometer um clichê romântico. April é apenas a menina da copiadora, que está ali porque pagam bem, não por Bill Clinton (o que já rende ótimas gags). Além, é sempre a mulher certa na hora errada. Já Summer (um looooooongo suspiro para Rachel Weisz) é o tipo de mulher deslumbrante que Will nunca imaginaria namorar, quiçá casar. Nosso herói irá passar poucas e boas nas mãos destes três deliciosos arquétipos do sexo feminino.
Um dos grandes trunfos de “Três Vezes Amor” é a esperteza do roteiro. Escrito e dirigido por Adrian Brooks (que assinou o segundo Bridget Jones), “Três Vezes Amor” constrói pequenos núcleos narrativos que se intercalam a perfeição durante os 105 minutos do filme. Will conta a história para Maya, que vai anotando tudo. A grande sacada do roteiro é não glamurizar os personagens. São pessoas comuns vivendo histórias de amor comuns. O pano de fundo (da eleição presidencial de Clinton até o caso Monica Lewinsky) serve como uma deliciosa metáfora para a história, que ganha profundidade sem perder a simplicidade.
A trilha sonora também é bem cuidada. O título original lhe diz alguma coisa: “Definitely, Maybe”? Não há nenhuma música do Oasis na trilha, mas o primeiro nome de pessoa que surge na tela é o da professora Gallagher. Não pode ser à toa. Como voltamos para 1992, R.E.M. e Nirvana entram de trilha sonora (”Quem é Kurt Cobain?”, pergunta o politizado Will em certo momento para uma amiga), mas há também espaço para Otis Redding, Massive Attack e Sly and The Family Stone.
Entre idas e vindas, “Três Vezes Amor” convence com seu charme sonhador, seu roteiro pontual e sua dose de açúcar no ponto certo. Críticos sérios e aficionados por cinema costumam desdenhar comédias românticas sem se atentar que mesmo os grandes diretores (Billy Wilder à frente) já se renderam – e criaram pequenos clássicos – ao estilo. Porém, duas décadas de Meg Ryan serviram para traumatizar grande parcela do público (se fossem só “Harry & Sally” – a comédia romântica definitiva – e “Sintonia de Amor”). Dica: deixe o preconceito de lado e encare de frente está “arid comedy” estilizada, um dos melhores filmes do gênero desde o divertidíssimo “O Casamento do Meu Melhor Amigo”. E aprenda: o amor não é uma questão de quem, mas sim de quando.
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne
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