31ª Mostra SP: “Grindhouse”

por Marcelo Costa

Apresentar a dobradinha “Grindhouse” em sequência foi uma das melhores coisas que a Mostra de São Paulo apresentou neste ano. Tarantino e Rodriguez sujam as mãos com ketchup enquanto divertem o espectador com dois filmes b de altíssima qualidade num exercício de estilo que faz rir enquanto assusta. “Planeta Terror” é trash elevado à décima potência. Já “À Prova de Morte” é Quentin Tarantino dos bons, com diálogos longos e certeiros sobre um roteiro preguiçoso que brinca de enganar o espectador enquanto faz dezenas de citações de cultura pop.

“Planeta Terror” é divertidíssimo. Robert Rodriguez faz uma paródia de filmes de terror contando a história de uma cidade que é tomada por zumbis canibais que foram infectados por um gás tóxico que o exército dos Estados Unidos utilizou indiscriminadamente em sua invasão no Oriente Médio. Nada pode ser levado a sério aqui, e a intenção é mesmo essa. O intuito de Rodriguez é fazer cinema pipoca e reviver uma época de sua infância perdida na memória.

Temos uma dançarina go-go que perde a perna (devorada por um zumbi), e no meio da onda de terror precisa correr, mas como? Simples: com uma perna de cadeira no lugar em que deveria estar uma perna mecânica (a cena de sexo entre ela – com a perna de pau – e o “namorado” é impagável). Mais pra frente teremos, no lugar da perna de pau, uma metralhadora. Na melhor tirada do filme, um dos personagens descobre que o ingrediente que deu o toque final mágico ao seu molho barbecue foi… seu próprio sangue: “Sangue é salgado”.

“À Prova de Morte” não carrega na caricatura como “Planeta Terror”, mas é tão divertido quanto, embora demore um pouco a engatar. São duas histórias distintas que se cruzam (se você ainda não viu o trailer, não veja: ele estraga metade da surpresa ao relatar o final da história final) no volante de Stuntman Mike (Kurt Russel, excelente), um dublê que pilota um carro à prova de morte. Stuntman Mike participa ativamente das duas histórias, mas não espere o óbvio. Tarantino prega uma pequena peça no espectador ao som de sua própria Jukebox.

Na primeira história, três garotas partem para um bar onde enchem a cara enquanto falam mil e uma bobagens (que trazem centenas de referências). Na hora de ir embora, as três acabam cruzando Stuntman Mike em uma estrada escura e… bummmm. Corte. Quatro garotas são vistas em um posto de gasolina. Uma delas está aficionada por um Dodge Challenge 1970 que viu numa propaganda de um jornal, e que é igual ao carro de Kowalski, o personagem do cult “Vanishing Point”. “Que filme é esse?”, pergunta uma das meninas. “Você era muito nova para ter visto”, comenta uma enquanto outra emenda: “Você só conhece John Hughes e “Pretty in Pink””. Como qualquer bom Tarantino, “À Prova de Morte” é recheado de citações assim, e muito de seu desfrute vai de se entender as piadas internas.

“À Prova de Morte” é um exercício de estilo que funciona para o bem e cujo único intuito é divertir o espectador sentado na sala de cinema, sem cabecismos ou segundas intenções cinematográficas. É quase um filme sobre nada, muito embora as duas histórias possam render análises pseudo-filosóficas. Ali pelo meio, depois de vinte minutos de diálogos que vão de lugar nenhum para nenhum lugar, o filme dá uma bela caída, e quando você pensa que Tarantino perdeu a mão para o negócio todo, ele leva você para um racha emocionante que terminará de uma maneira improvável. A trilha foi escolhida a dedo pelo cineasta, que assume a posição de barman dono do boteco fim de mundo em que as meninas da primeira história enchem a cara enquanto gastam fichas e fichas na jukebox. Aliás, ele também está em “Planeta Terror”, em uma cena divertidíssima que junta sua sede de sexo, seus olhos famintos e a perna de madeira da senhorita lá do primeiro parágrafo. Impagável. Cinema também é diversão, entende.

– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne

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