“Quais bandas influenciaram vocês no inicio de carreira”, pergunta o apresentador Jools Holland. “The Clash. No começo, só eles”, responde Nicky Wire, baixista e principal letrista do Manic Street Preachers. Corte de 1998 para 2007. Em um longo texto no site oficial do trio, Nicky Wire explica que “Send Away The Tigers”, oitavo disco oficial dos galeses, é uma tentativa de volta àquele período em que o Clash era a única coisa que importava, em que o idealismo moleque dos 19 aos 21 anos fazia tudo valer a pena.
Como você, eu e os milhões de pessoas que já compraram um disco do Manic Street Preachers devem saber, a influência do Clash no grupo galês é muito mais temática que melódica. Então, quando Nicky Wire avisa que a banda está retrocedendo no tempo, pode acreditar que ele está falando sério, que você irá ouvir muito sobre política (mesmo quando o assunto é amor), porém, tudo isso virá embalado ao som de doses cavalares de guitarradas influenciadas por hard rock (eles fazem questão de assumir suas guilty pleasures: Eagles, Boston e REO Speedwagon). E tudo isso surge, agora, com a experiência de álbuns como “Holy Bible” e “Everything Must Go” nas costas. Vale a pena prestar atenção nesses caras.
Porém, você, leitor esperto, ainda deve estar se perguntando: mas o Manics não iria acabar? Com a palavra, Nicky Wire: “Nós nunca pensamos em acabar com a banda, mas havia uma indisposição geral”, conta o baixista, lembrando que os discos solos lançados por ele (“I Killed The Zeitgeist”) e James Dean Bradfield (“The Great Western”) serviram para relaxar o grupo, e que o processo de reconexão com o Manics começou quando os tickets para a nova turnê esgotaram-se rapidamente assim que foram colocados à venda.
Isso tudo encontra reforço em “Send Away The Tigers”, o disco, a partir da faixa título, que abre o álbum com riffs fortes e refrão grandioso, levando o Manics 2007 para a fase “Holy Bible” circa 1993/1994. Wire resume a canção como “All You Need Is Love” sendo tocada pelo Guns’n Roses. É uma comparação cínica que dá o tom da nova fase do trio. “Send Away The Tigers” é uma frase do comediante Tony Hancock, que ele costumava repetir quando começava a beber. Nicky Wire enxergou um paralelo entre o triste desabafo etílico e a imagem dos animais libertados do zoológico em Bagdá quando da invasão do exército aliado, e ainda encontrou uma maneira de falar sobre Tony Blair, que perdeu todo reconhecimento que tinha conseguido em oito anos apoiando Bush na Guerra do Iraque.
“Underdogs”, segunda faixa do CD, é dedicada aos freaks, e por mais que Nicky veja coisas de punk-metal, Alice Cooper e Stooges na música, é o mesmo Manic Street Preachers fase “Know Your Enemy” de volta após o mediano (e oitentista demais) “Lifeblood”. A música foi liberada antecipadamente para o fã clube, e engordou o primeiro single do álbum, “Your Love Alone Is Not Enough”, delicioso dueto da banda com Nina Perrson, do Cardigans. O vocal feminino e as guitarradas fazem lembrar o Hole de “Celebrity Skin”, mas em se tratando de Nicky Wire, não basta falar do amor de uma pessoa. “O que estou tentando dizer nessa letra é que você não pode ter apenas a religião, ou o amor, ou a democracia. Você precisa de tudo isso para ter um país coerente”, explica o letrista. Quantas pop songs hoje em dia podem se vangloriar de desejar transmitir tanto?
“Indian Summer” revisita os arranjos orquestrais do álbum “A Design For Life”. O clima é bonito e a letra diz que se Deus persistir em dizer sim, você vai ter que se testar. “The Second Great Depression” (a próxima) é como “How Soon Is Now” tocada pelo Smashing Pumpkins”, tenta resumir Nicky. Não chega a tanto, nem aos Pumpkins, nem aos Smiths, mas é outra boa música com arranjo sinfônico. “Rendition” começa pesada, densa, depois se transforma em um bom rock político que centra foco nos horrores cometidos na baia de Guantánamo para falar de tortura, da CIA e dos ideais falidos dos EUA. Em uma das melhores frases do álbum, Nicky Wire escreve: “Rendição, rendição: eu nunca soube que o céu era uma prisão”.
Segundo a Wikipedia, a baia de Guantánamo, em Cuba, foi concedida aos Estados Unidos como estação naval em 1903, em troca do pagamento de 2 mil dólares por ano. Lá existe uma ilha desabitada em que se encontram os prisioneiros das guerras do Afeganistão e Iraque. Fidel Castro tentou em vão desfazer a concessão, e desde então, em sinal de protesto, nunca utilizou o pagamento do “aluguel” pago pelos EUA, que se mantém no mesmo valor até hoje. Ao redor da base encontra-se ainda o único campo minado do ocidente. A manutenção da base não encontra amparo em nenhuma convenção internacional e, por isto, não há como fiscalizar o que acontece em seu interior. Os presos muitas vezes não possuem direito a advogados, visitas ou sequer a um julgamento. Denúncias de torturas, estupros e assassinatos são comuns.
No meio de tanta crítica política, a punk-ballad “Autumnsong” surge como um doce lampejo de esperança inspirada no Ramones de “Baby, I Love You”: “Quando você ouvir esta canção do outono, lembre-se que dias melhores virão”, diz o refrão pop. “I Am Just A Patsy”, outra das canções novas, recebe outro resumo irônico de Nicky Wire: “Goddess On A Highway”, do Mercury Rev, tocada pelo Boston. Ouça você mesmo, caro leitor, e tire as suas conclusões. “Imperial Bodybags” é muito mais acelerada, mas segue a mesma linha temática de porrada nos Estados Unidos. “Winterlovers” fecha o disco de forma lenta, e abre caminho para a chegada da cover de “Working Class Hero”, de John Lennon, que fecha o álbum após alguns segundos de silêncio da faixa derradeira.
“Send Away The Tigers” está longe de constar entre o melhor que o Manic Street Preachers já colocou nas ruas. Não arranha o status majestoso do trio “The Holy Bible” (1994), “Everything Must Go” (1996) e “This Is My Truth Tell Me Yours” (1998), e ainda fica atrás do desabafo pós-sucesso de “Know Your Enemy” (2001). Mesmo assim, exala um frescor raro na música pop. Ao resgatar seu lado juvenil, James Dean Bradfield (guitarra e voz), Sean Moore (bateria) e Nicky Wire (baixo e letras) conseguiram colocar a cabeça para fora do oceano de marasmo que move a música pop moderna, embalada por barulho sem conteúdo.
No longo texto postado no site oficial da banda, Nicky Wire escreve que o cinismo é brilhante. Em se tratando de política mundial, por mais que você queira ser sério, o cinismo sempre estará ao alcance das mãos. Principalmente em se tratando de assuntos relacionados aos Estados Unidos da América. Woody Allen poderia dizer que força física talvez fosse melhor do que o cinismo, pois é difícil ironizar alguém que tenha armas de fogo. Nicky Wire, no entanto, ainda acredita no poder das palavras. E isso é muito mais do que qualquer pessoa pode esperar de um artista pop. Ele acredita realmente que dias melhores virão, mas pede para que você tome cuidado com os tigres. Eles estão soltos.
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne
Leia também:
– Faixa a Faixa: “This Is My Truth, Tell Me Yours”, Manic Street Preachers (aqui)
– Faixa a Faixa: “Know Your Enemy”, Manic Street Preachers (aqui)
– Três discos: “Forever Delayed”, “Lipstick Traces” e “Lifeblood” (aqui)
– “Journal For Plague Lovers”, Manic Street Preachers: sonoridade árida (aqui)
– “Postcards from a Young Man”, Manic Street Preachers: chocolate amargo (aqui)
– Vídeo: Três canções do Manic Street Preachers no formato acústico (aqui)
– Vídeo: Três canções do Manic Street Preachers ao vivo em Oslo (aqui)
– Manic Street Preachers ao vivo no Norwegian Wood Festival, Oslo (aqui)
Concordo com vc, Marcelo, o disco é bom, mas está distante das três maiores obras do grupo. Os já conhecidos, HB, EMG e TIMTTY.
Me pareceu que a banda, depois do irregular e insólito Lifeblood, resurgiu com mais garra, simplicidade e urgência, para lançar um disco que remete ao passado hard rock da banda, no caso os dois primeiros discos de estúdio, sem perder a identidade pop do multiplatinado e bom pra caramba – “Everything Must Go”
A junção disso se tornou benéfica, no quesito popular e de rápida degustação, na primeira audição do disco, com guitarras fortes, refrões pegajosos, e um apelo “melodioso- doce-pop”, porém, com qualidade.
Não é o melhor álbum dos Manics, mas a energia juvenil ainda toma conta destes velhos “tigres”.
Ao menos, sem deixar a peteca cair, como sempre. Manic Street Preachers.
a resenha é bonita, mas essa banda nunca me comoveu, saca? olha que eu até tentei… atualmente, em se tratando dos nomes mais recentes, tenho me deixado curtir o que ouço dos arctic monkeys por aí. de qq forma, é questão de gosto: mas curto menos rock polido que rock primitivo, entende? tem mais a ver com minhas primeiras peripécias com guitarra… e aqui neste país é até perigoso exaltar saudosismo hj em dia pq vc sabe, xiii, deixa pra lá. abç
É um belo disco, mas a parte musical é infinitamente superior às letras do Nicky Wire, que por vezes soam risíveis.
Na minha opinião, a melhor coisa de Send Away the Tigers é a guitarra do James Dean Bradfield, que está espetacular em cada uma das músicas.
Abraços.
Achei que você pegou pesado em dizer que fica atrás até do “Know Your Enemy”…
Sim, claro que o clássico “Holy Bible” e o lindão “Everything Must Go” (meu favorito) são imbatíveis, mas mesmo assim eu com certeza achei “Send Away The Tigers” um excelente disco de rock’n’roll, mesmo sem ser uma obra-prima.
Mas gostei da resenha!
Caro Mac,
Ainda estava na ressaca do disco solo do James Dean (que para mim foi o melhor do ano passado) quando o novo do Manics apareceu e bastou uma boa sequencia de ouvidas que o disco me ganhou. Paseio entre todas as fases do grupo, nao chegando a ser um dos melhores, mas era um album que o Manics devia ha um tempinho ja…
E o dueto com Nina Person beira o sublime.
🙂