por Marcelo Costa
Não, caro leitor, Leonard Cohen não está em carne e osso em São Paulo. Seria um milagre grande demais mesmo para os deuses da música pop. Cohen chega a São Paulo através do documentário “Leonard Cohen – I’m Your Man”, dirigido por Lian Lunson e lançado no mercado estrangeiro em 2005. É um dos destaques da 30ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo na categoria ‘música’, e é pouco provável que entre em circuito comercial. Por isso, as três exibições do longa na capital paulista, nos próximos dias, devem ser tomadas como obrigatórias para fãs da música pop que realmente vale a pena.
Mais do que um documentário, “Leonard Cohen – I’m Your Man” é um documento histórico que lança luz sobre um dos artistas mais influentes da música contemporânea. Em 98 minutos de projeção, o diretor Lian Lunson divide a obra em dois prismas: uma longa, divertida e inspirada entrevista com o próprio Cohen (hoje, com 72 anos) e um show tributo a ele realizado em Sidney, que reuniu nomes como Nick Cave, Jarvis Cocker (Pulp), Beth Orton, Rufus Wainwright e Antony (sem, os Johnsons).
A edição junta com inteligência as duas fontes, muito embora a primeira seja superior a segunda na grande maioria das cenas. Cohen conta como foi o começo de sua jornada poética no Canadá, ilumina a mudança de ares que o levou até Nova York, declama trechos de letras de canções, fala da inspiração de algumas delas, sobre sua vida em um mosteiro, sobre a árdua tarefa de ser escritor, e nega o confete fácil. Quando algum dos entrevistados diz que sua voz é magnifica, ele despista: “Eu canto sempre no mesmo tom”. Sua fala conduz o documentário, e é o ponto alto do longa.
“Foi a irmã de um amigo que me mostrou um disco dele. Era aquele ‘Songs Of Love & Hate’, e foi um choque. Eu era jovem, e aquele disco, saber da existência dele, me fez me sentir diferente. Me fez sentir algo… me fez sentir especial. Mudou tudo. Eu não era como os babacas detestáveis da minha cidade”, conta Nick Cave, que fez questão de abrir seu primeiro registro solo (acompanhado pelos Bad Seeds) em 1984 com uma canção de Cohen, “Avalanche”. No show especial, Cave homenageia Cohen com uma interpretação magnifica da faixa título, e ainda acompanha Perla Batalla e Julie Christensen em uma bonita versão de “Suzanne”, primeiro sucesso do poeta, de 1967.
Entre os bons momentos do show estão a ótima interpretação de Jarvis Cocker para a ótima “I Can’t Forget”, que já havia sido coverizada pelo Pixies, no tributo mais famoso registrado ao bardo canadense, “I’m Your Fan”, que reunia gente como R.E.M., Ian McCulloch (Echo & The Bunnymen), John Cale (Velvet Underground), e Lloyd Cole. Porém, enquanto a “I Can’t Forget” de Franck Blanck e cia acelerava e perdia o encanto do ótimo refrão, Cocker cadencia a letra e o arranjo permite até maneirismos do cantor. Excelente.
O compositor Rufus Wainwright quase escorrega no exagero de afetação, mas acaba convencendo tanto por suas interpretações quanto por seu depoimento. “Eu era amigo da filha de Leonard. E um dia ela me convidou para ir a casa deles. Fiquei nervoso, mas fui. Chegando lá, dei de cara com Leonard fazendo ovos mexidos na cozinha, de roupão. Conversamos um pouco, e foi normal. Ele saiu da cozinha, e quando voltou estava em um daqueles ternos Armani impecáveis. Então caiu a ficha: ‘Meu deus, estou frente a frente com Leonard Cohen’. Foi emocionante”, relembra o cantor no filme. No show, Rufus canta duas boas versões para “Everybody Knows” e “Chelsea Hotel Nº 2”.
Cohen diverte o público ao contar que nunca se sentiu bem de jeans e camiseta, preferindo desde jovem o terno. É famosa a história – que não está no filme – de que o poeta teria ficado magoado por ter sido preterido pelos beats, que não o convidaram para fazer parte da turma. Cohen acredita que a culpa foi de seu terno bem cortado e de seu visual alinhado, totalmente diferente do visual desleixado dos beats. Em outro momento, o bardo relembra as conturbadas gravações de “Death of a Ladie’s Man”, produzido pelo gênio genioso Phil Spector, e que conta com Bob Dylan fazendo backing vocal em uma música, “Don’t Go Home With Your Hard-On”. Diz Cohen: “Eu não estava satisfeito com o resultado das canções. Eu estava numa fase em que não me via como cantor. Mas o disco saiu e acabou fazendo sucesso, agradando ao pessoal do movimento da época… como é mesmo o nome… são tantos movimentos… ahhh, punk. Eles gostaram e o disco fez sucesso”.
Cohen ainda fala sobre sua fama de conquistador (“Ela me ajudou a manter a cabeça no lugar em todas as milhares de noites que dormi sozinho”), sobre budismo (“Fiquei cinco meses em um mosteiro, estava muito frio, e então fugi com uma mulher. Deixei um recado para o mestre explicando a situação”, conta ele, mostrando o hilário recado) e sobre voltar, um dia, a fazer shows. Com nove livros lançados (sete de poesia e dois romances) e onze álbuns (o mais recente, “Dear Heather”, foi lançado em 2004), Leonard Cohen está entre os artistas mais influentes do mundo devido a força com que sua música bateu em gente como Michael Stipe (R.E.M.), Nick Cave, Morrissey, Ian McCulloch (Echo & The Bunnymen), Renato Russo (que gravou uma versão de “Hey, That’s No Way To Say Goodbye”, registrada no CD póstumo “O Último Solo”), Jeff Buckley (que gravou “Hallelujah” em “Grace”, o álbum que definiu a música pop para o novo milênio) e… The Edge e Bono, do U2, que protagonizam o único deslize do documentário, interpretando uma constrangedora versão de “Tower of Song”, único momento em que Cohen aparece cantando no filme.
Apesar da escorrega no final, a grandiosidade de Leonard Cohen torna imprescindível para um fã de música pop assistir “Leonard Cohen – I’m Your Man”, e rivaliza em importância com a presença de Patti Smith (esta, em carne e osso) no Brasil, para shows no Tim Festival. Se pudéssemos resumir a música pop em cinco letristas/poetas, Leonard Cohen e Patti Smith teriam lugares dourados com placas com seus nomes em seus assentos (escolha, você, os outros três). Não é só por isso, claro, que “Leonard Cohen – I’m Your Man” é obrigatório, mas você precisa descobrir o resto com seus olhos e ouvidos. A música pop nunca mais será a mesma depois deste olhar.
Meu coração veio À BOCA quando li a chamada. Esses jornalistas… 😛